A implantação de qualquer empreendimento ou obra que cause impactos ao meio ambiente, só poderá ser iniciada após a conclusão de um processo administrativo junto aos Órgãos Ambientais, conhecido como Licenciamento Ambiental – caso algum fiscal ou agente de Órgão Ambiental detecte um empreendimento ou obra em andamento sem esse licenciamento, ele tem autoridade para paralisar os trabalhos, multar os responsáveis e iniciar um processo de responsabilização judicial pela infração. A primeira obra civil onde trabalhei (uma obra viária na Zona Leste da cidade de São Paulo em 2003), quase foi embargada pela Polícia Ambiental por que uma das nossas equipes, flagrada pelos policiais, começou a trabalhar nas margens de um córrego sem ter em mãos uma cópia da Licença de Instalação da obra.
Uma obra com o grau de complexidade e tamanho como a barragem de rejeitos de mineração de Mariana, que se rompeu e causou o maior desastre ambiental já visto no Brasil, obrigatoriamente passou por processo de Licenciamento Ambiental e deveria apresentar as condições mínimas de segurança exigidas pela legislação ambiental brasileira. A PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente, citada no post anterior, possui uma série de instrumentos, que permitem a avaliação, a fiscalização e o controle destes empreendimentos e obras. Resumidamente, esses instrumentos são:
EIA – Estudo de Impacto Ambiental: De acordo com a Resolução 001/86 do CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente, o primeiro passo para o licenciamento e a autorização para a implantação de um empreendimento é a realização de um conjunto de estudos por especialistas de diversas áreas dentro das chamadas áreas de influência direta e indireta deste empreendimento. Esses estudos serão entregues ao Órgão Ambiental responsável. Esses estudos devem avaliar todos os recursos ambientais existentes e todas as suas respectivas interações:
– Meio Físico: solo, subsolo, a qualidade da água e os tipos de corpos d’água existentes, ar, clima, recursos minerais, topografia, o regime hidrológico, as correntes marinhas, etc;
– Meio Biológico: avaliar todos os ecossistemas, incluindo a fauna, a flora, as espécies raras e em risco de extinção, as áreas de proteção ambiental permanente, as espécies indicadoras da qualidade ambiental, etc;
– Meio Sócio-econômico: além de avaliar os elementos naturais da região, é preciso um olhar sobre as populações que vivem no local, o uso e a ocupação do solo, os meios de produção; monumentos históricos, arqueológicos e culturais existentes; o uso que esta população faz dos recursos ambientais locais como a água, etc.
O EIA faz uma verdadeira radiografia da área onde se pretende instalar o empreendimento e áreas vizinhas, permitindo que se avalie quais serão os impactos positivos (por exemplo, a geração de empregos para as populações locais) e os pontos negativos (por exemplo, a eventual poluição dos cursos d’água e o impacto disto na comunidade). Conhecidos estes impactos, o Órgão Ambiental poderá solicitar maiores estudos, medidas compensatórias ou, conforme o caso, poderá proibir a instalação do empreendimento;
RIMA – Relatório de Impacto ao Meio Ambiente: Os dados levantados no Estudo de Impacto Ambiental devem ser sintetizados em um relatório com linguagem acessível a toda a população, devendo ser divulgado para todos os moradores das áreas direta e indiretamente afetadas pelo empreendimento ou obra. Os empreendedores devem organizar reuniões públicas com as comunidades, para debater os prós e os contras do projeto. A opinião final das comunidades terá peso na liberação ou não do projeto pelos Órgãos Ambientais.
Se concluída esta primeira fase de estudos e o Órgão Ambiental responsável entender que o empreendimento ou obra é viável, passa-se ao processo de Licenciamento Ambiental do empreendimento, conforme a Resolução 237/97 do CONAMA. As licenças ambientais são emitidas em três etapas:
– Licença Prévia (LP): “atesta a viabilidade ambiental de empreendimentos, aprovando sua localização e concepção e estabelecendo condições a serem atendidas para a próxima fase”. Em empreendimento de pequeno porte e baixo impacto ambiental, a Licença Prévia pode ser solicitada sem a necessidade do EIA – Estudo de Impacto Ambiental;
– Licença de Instalação (LI): “autoriza a instalação do empreendimento ou da atividade, de acordo com as especificações constantes nos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e condicionantes; ”
– Licença de Operação (LO): “autoriza a operação da atividade ou do empreendimento, após verificar o cumprimento do que consta nas licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e as condições determinadas para a operação.” É importante lembrar que a Licença de Operação pode ser suspensa pelas Autoridades Ambientais caso se constate o descumprimento das normas e leis ambientais. Esta licença tem um prazo de validade, ao final do qual o processo de licenciamento precisará ser renovado.
Observem que o processo de Licenciamento Ambiental é complexo, custa caro (as despesas correm por conta do solicitante), requer muito tempo e o trabalho combinado de um batalhão de especialistas das mais diferentes áreas do conhecimento (engenheiros, analistas, geólogos, biólogos, arqueólogos, sociólogos, historiadores, médicos, economistas, arquitetos/urbanistas entre outros) – algumas vezes, gastam-se anos de trabalho. Para a liberação da construção e operação da barragem de rejeitos de mineração em Mariana, a empresa responsável pelo empreendimento – a Samarco, precisou desenvolver todos estes estudos e se submeter ao processo de Licenciamento Ambiental, onde os Órgãos Responsáveis (do Município, do Estado e do Governo Federal) fizeram diversas exigências para a liberação do empreendimento – inclusive referentes à segurança da barragem e da população que vivia a jusante, sujeita ao risco de um rompimento. Com o acidente, ficou claro que aconteceram inúmeras falhas na operação e na segurança da barragem (entre outras, que precisam ser apuradas e esclarecidas), e também falhas na fiscalização e monitoramento pelas autoridades Ambientais, resultando altos custos em perdas de vidas humanas, além de altíssimos prejuízos ao patrimônio e danos (alguns irreversíveis) ao meio ambiente.
Um fato marcante que encontramos nos depoimentos de sobreviventes do distrito de Bento Rodrigues, literalmente soterrado pela onda de lama, é que o alerta referente ao rompimento da barragem foi dado aos berros por moradores – não existia na região nenhum sistema de alerta com sirenes, que teria sido muito mais eficiente para a evacuação do local. Também se informa que os moradores não receberam nenhum treinamento para uma evacuação de emergência. As falhas nos planos de segurança eram, aparentemente, enormes.
A grande dúvida que fica: existem centenas de barragens similares em todo o Brasil, a maioria no Estado de Minas Gerais – estas barragens atendem as regras e normas impostas pela Legislação Ambiental e estão sendo devidamente fiscalizadas?
Muita gente, que vive nas proximidades destas barragens, anda perdendo o sono com medo de um acidente como o da barragem em Mariana.