
Uma imagem idealizada que está presente no inconsciente coletivo das comunidades humanas desde tempos imemoriais são os campos floridos e os vales verdejantes. Numa época que nós costumamos nos referir como o “tempo das cavernas”, nossos ancestrais viam a chegada da primavera com suas flores e vegetação verdejante como um verdadeiro alívio para a difícil temporada do inverno.
Essa imagem acabou sendo associada posteriormente aos diferentes “paraísos” para onde as almas seguiam após a morte. Na mitologia grega, citando um exemplo, os mortos mais valorosos seguiam para os Campos Elísios. Entre os povos nórdicos a imagem é a mesma – os campos floridos do Valhala. A mesma imagem está presente nos paraísos dos cristãos e dos muçulmanos.
Diferentemente dessa bela imagem transcendental, campos floridos estão se expandindo em diferentes partes do Continente Antártico e isso é uma péssima notícia. O aquecimento global está elevando gradualmente as temperaturas no continente e tornando algumas regiões cada vez mais propícias para a colonização por diferentes tipos de plantas.
Até poucas décadas atrás, a imensa maioria do território antártico ficava permanentemente coberto por um manto de gelo. Nos poucos lugares onde esse gelo derretia durante o chamado verão antártico, cresciam apenas algumas poucas espécies de plantas rasteiras como a erva-cabeluda antártica (Deschampsia antarctica) e a erva-pérola antártica (Colobanthus quitensis).
Com o aumento das temperaturas no continente essa situação vem mudando de forma perigosa. No verão antártico de 2022, citando um exemplo, pesquisadores do Instituto de Geociências Ambientais de Grenoble, na França, observaram que as temperaturas na base antártica francesa de Dumont d`Urville, na costa da Terra de Adélia, atingiram a marca de 4,9° C.
Essa temperatura extremamente agradável para os padrões da Antártida é nada menos que 30° C mais quente do se esperaria para essa época do ano. Com temperaturas cada vez mais altas, sementes dos mais diferentes tipos de plantas que são carregadas pelos ventos estão conseguindo germinar e se desenvolver nos solos antárticos.
De acordo com estudos feitos por pesquisadores da Universidade de Washington, as primaveras e os verões cada vez mais quentes no continente antártico estão provocando um aumento sistemático no crescimento das plantas – entre 2009 e 2018 esse aumento foi de 20%. Mais plantas significam mais flores, mais insetos polinizadores, mais aves predadoras de insetos, entre outras mudanças na flora e na fauna antártica.
A Antártida ocupa uma área total com cerca de 14 milhões de km² e é considerado o continente mais gelado do nosso planeta. Pode até não parecer, mas, há cerca de 65 milhões de anos a Antártida, a Austrália e a Nova Guiné formavam um único bloco de terras e possuía um clima entre o tropical e o subtropical. Também existiu por muito tempo uma ponte de terra que fazia a ligação com a América do Sul.
Só para relembrar, a América do Sul, a Antártida, a África, a Ilha de Madagascar, a Índia, a Austrália, a Nova Zelândia e Papua Nova Guiné, entre outras ilhas menores, formavam um único supercontinente – Gondwana. Há cerca de 160 milhões de anos Gondwana começou a se fragmentar e os seus “pedaços” começaram a ser espalhados pelos quatro cantos do mundo por conta de forças tectônicas (pesquise Tectônica Global).
Essa extensa região formada pela Antártida e a Austrália era coberta por densas florestas, com muitos lagos e rios, abrigando uma diversificada flora e fauna, especialmente de marsupiais. Essa situação começou a mudar há cerca de 40 milhões de anos quando a área correspondente a Antártida se separou do resto do bloco e passou a conviver com o gelo.
Por volta de 23 milhões de anos atrás surgiu a Passagem de Drake, um trecho de oceano que separa a América do Sul da Antártida. Essa mudança levou ao aparecimento da Corrente Circumpolar Antártica, que passou a bloquear as correntes de água quente que vinham das áreas tropicais e levou o continente a ficar com 98% de sua superfície coberta por um grosso manto de gelo.
Com o aumento das temperaturas globais, o antigo continente gelado nunca mais será o mesmo. E as mudanças já estão começando a aparecer…
