
Pablo Neruda (1904-1973), foi um poeta, diplomata e político chileno, tendo sido agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura em 1971. Neruda costumava se referir carinhosamente ao Chile como “mi pequeño país frío”, uma expressão que até poucos anos atrás era verdadeira.
Espremido entre a Cordilheira dos Andes e as águas geladas da Corrente de Humbolt no Oceano Pacífico, o Chile costumava ter invernos bastante rigorosos nas áreas Central e Sul do seu território. Atualmente, esse padrão climático já não é mais o mesmo.
Um exemplo desses novos e complicados tempos foi o registro de um novo recorde de temperatura: 38,9º C em uma área da Cordilheira dos Andes. O detalhe é que estamos em pleno inverno no Hemisfério Sul e os pontos mais altos das montanhas andinas deveriam estar cobertas de neve.
De acordo com informações do serviço de meteorologia do Chile, o país está enfrentando uma onda de calor sem precedentes. Inclusive, foi emitido um alerta para “evento de altas temperaturas” para o Norte do país, especialmente paras as regiões de Antofagasta, Atacama e Coquimbo. Esse alerta vale até sexta-feira, dia 4 de agosto.
Segundo os meteorologistas, essa situação é o resultado de uma massa de ar quente que está recobrindo o interior da América do Sul. Além do Norte do Chile, altas temperaturas estão afetando o Centro e o Norte da Argentina, o Uruguai e o Paraguai.
Também é preciso jogar parte da “culpa” no El Niño, um fenômeno climático que causa uma série de interferências no clima mundial. O El Niño interfere no transporte de umidade e dificulta a entrada de frentes frias aqui em nosso continente.
Altas temperaturas nas montanhas andinas e baixa precipitação de neve são problemas sérios para um país como o Chile, onde a maioria das fontes de água são formadas a partir do derretimento da neve e do gelo das montanhas.
Em uma postagem publicada em 2021, tratamos da redução gradual das precipitações de neve nos Andes Meridionais, o que afeta tanto o Chile como a Argentina. De acordo com dados do Copernicus – Programa de Observação da Terra da União Europeia, a precipitação de neve em algumas regiões da Cordilheira nesse ano foi 40% menor que em anos anteriores
Um exemplo da seriedade dessa questão é o que vem acontecendo na região da cidade de Santiago, a capital do Chile, que há mais de 10 anos vem sofrendo com a falta de água. Essa região sofre grande influência do clima árido do Norte do país onde fica o Deserto do Atacama.
De acordo com a Direção Meteorológica do país, a região central vem sofrendo um grande déficit de chuvas, que em 2021 chegou a 71%. Esse problema se junta com a redução da vazão de importantes rios com nascentes na Cordilheira dos Andes, o que tem complicado o abastecimento da população da região metropolitana de Santiago.
A perda de grandes volumes de gelo em glaciares das montanhas da Cordilheira dos Andes está afetando populações de todos os países andinos. Na região dos Andes Tropicais, entretanto, as populações ainda podem se valer das reservas de água dos páramos andinos.
Páramos são ecossistemas com vegetação arbustiva que ocorrem a partir de altitudes acima de 3.000 metros até a linha de neve no alto das montanhas. Graças a esta vegetação, os solos dos páramos funcionam como verdadeiras esponjas, retendo grandes quantidades de água. Essa vegetação ocorre na Venezuela, Colômbia, Peru e Equador.
Nas extensões mais ao Sul da Cordilheira dos Andes entre a Argentina e o Chile, desgraçadamente, não existe esse tipo de vegetação e as fontes de água dependem exclusivamente das chuvas e do derretimento das neves das montanhas.
Ou seja – com invernos cada vez mais quentes, a disponibilidade de água no Chile e em partes da Argentina tenderá a diminuir cada vez mais, um cenário assustador para milhões de pessoas nesses países.
