Na postagem anterior falamos rapidamente sobre a cultura da cana-de-açúcar no Brasil, atividade econômica que está profundamente intricada na própria história do país – a produção de açúcar em grande escala foi a primeira atividade econômica organizada em nosso país, especialmente na região Nordeste. Até meados do século XVII, quando a produção colonial brasileira foi superada pelas colônias britânicas, espanholas e francesas nas ilhas do Mar do Caribe, nosso país-colônia era o líder mundial na produção de açúcar. Além da concorrência com nações estrangeiras, a indústria açucareira no Nordeste sofreu um forte golpe com a descoberta de grandes reservas de ouro na região do atual Estado de Minas Gerais a partir da última década do século XVII, quando enormes contingentes de colonos e escravos abandonaram os canaviais e se embrenharam nos sertões em busca do cobiçado ouro. Alguns cálculos históricos afirmam que 2/3 da então população brasileira da época estava envolvida com essa prospecção e o garimpo do ouro.
Apesar disto, o cultivo da cana-de-açúcar nunca foi abandonado no Brasil e a atividade se manteve viva ao longo dos séculos. O Brasil é, há várias décadas, o maior produtor mundial de açúcar e de etanol extraído da cana-de-açúcar. De acordo com dados da UNICA – União da Indústria da Cana-de-Açúcar, a área total ocupada pelo cultivo da cana-de-açúcar no Brasil é da ordem de 10,2 milhões de hectares – no Estado de São Paulo, essa área plantada corresponde a 5,6 milhões de hectares (dados de 2016). Segundo estimativas dessa entidade, a produção nacional de açúcar prevista para a safra 2018 será de aproximadamente 38,6 milhões de toneladas; o Estado de São Paulo, que detém aproximadamente 60% da produção nacional, terá uma produção de aproximadamente 24,6 milhões de toneladas. A produção total de etanol é estimada em 27,9 milhões de m³, sendo que a produção paulista está estimada em 13,2 milhões de m³.
O cultivo da cana-de-açúcar é a terceira maior cultura temporária em área ocupada, só ficando atrás das áreas usadas para o plantio de soja e do milho. As safras de cana se dividem em dois períodos distintos no país – nas regiões Norte e Nordeste, que respondem por aproximadamente 10% da produção nacional de cana-de-açúcar, faz-se a colheita da cultura entre os meses de setembro e março; já na grande região Centro-Sul, a safra da cana se realiza entre os meses de abril e novembro. Essa diferença regional entre os períodos de safra está ligada diretamente às diferenças climáticas, especialmente no que diz respeito aos períodos das chuvas.
Conforme comentamos na postagem anterior, a cana-de-açúcar é uma planta que necessita de grandes quantidades de água para se desenvolver e, especialmente, para produzir o seu “fruto” mais importante – o caldo de cana ou garapa, como é popularmente conhecido. Cerca de 90% da massa da cana-de-açúcar é formada por água e, durante o processo de moagem, cerca de 70% desse volume líquido da planta é recuperado na forma de caldo, que devidamente processado se transforma em açúcar, etanol, aguardente (a famosa “água que passarinho não bebe”), rapadura, entre outros produtos.
Para estimarmos o volume total de água consumido apenas na produção do açúcar (que engloba os gastos de água para o crescimento das plantas e também os gastos nos processos nas industrias), vamos utilizar o número que apresentei na postagem anterior, com a estimativa de litros de água utilizados para se produzir 1 kg de açúcar: entre 1.500 e 1.800 litros, valores que, convertidos em metros cúbicos, correspondem entre 1,5 e 1,8 m³ de água para cada kg de açúcar produzido. Como a produção de açúcar está sendo apresentada em toneladas, precisamos ajustar esses números, que ficarão entre 1.500 e 1.800 m³ de água para cada tonelada de açúcar produzido. Feitos os devidos cálculos, são utilizados entre 57,9 e 69,4 bilhões de m³ de água na produção total de açúcar no Brasil; no Estado de São Paulo, o consumo corresponde a valores entre 36,9 e 44,3 bilhões de m³ de água.
E o que esses números significam?
Um ser humano consome, em média, 55 m³ de água por ano (são aproximadamente 150 litros de água a cada dia). Esse consumo inclui banhos, descargas sanitárias, limpeza da habitação, lavagem de roupas, preparação de alimentos e o próprio consumo de água na forma de bebida. O que é consumido em água para a produção do açúcar no Brasil, caso os meus cálculos e as premissas estejam corretas, seria suficiente para atender o consumo anual de uma população entre 1 e 1,2 bilhão de habitantes – quase uma Índia. Se considerarmos apenas o Estado de São Paulo, essa população ficaria entre 654 e 800 milhões de habitantes.
Muito mais do que um exercício de matemática, esses números mostram o impacto parcial da produção de um único produto de origem agrícola, o açúcar, no consumo geral da água. E como a agricultura é, de longe, a atividade humana que mais consome água em todo o mundo, é importante racionalizar ao máximo esse uso e evitar perdas de grandes volumes de água ao longo dos processos produtivos.
Cada litro economizado, conta muito no final dos processos.