CONSTRUÇÃO DE ESTRADA NO SUL DO CHILE AMEAÇA ÁRVORES MILENARES GIGANTES 

Em nossa última postagem falamos da importância dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA, como pré-condição essencial para a liberação de obras de infraestrutura. Citamos no texto o exemplo do sapinho-admirável-de-barriga-vermelha, uma espécie endêmica que só é encontrada em um pequeno trecho da margem do rio Forqueta no Rio Grande do Sul. 

Por uma triste coincidência, uma reportagem publicada quase que simultaneamente pela DW – Deutsche Welle, uma empresa pública de radiodifusão da Alemanha, afirmou que a construção de uma estrada no Sul do Chile poderá resultar na derrubada de centenas de árvores milenares endêmicas e ameaçar outras tantas. Entre elas está “Gran Abuelo”, um cipreste-da-Patagônia com idade estimada em 5.400 anos e que pode ser uma das árvores mais velhas do mundo. 

De acordo com a reportagem, o Governo chileno pretende reabrir e ampliar uma antiga estrada madeireira que corta o Parque Nacional Alerce Costero, com o objetivo de facilitar os transportes entre diversos municípios da região. 

Porém, de acordo com grupos ambientalistas e entidades de indígenas da etnia Mapuche, que lutam pela preservação ambiental da região, o objetivo dessa estrada é facilitar o transporte de lítio explorado na Argentina com destino a portos na costa do Chile.  

O lítio é um mineral altamente valorizado e essencial para a produção de baterias, com um enorme mercado em todo o mundo, principalmente na China. Baterias de lítio são usadas em aparelhos eletrônicos como computadores, tablets e telefones celulares. Também é fundamental para a produção de baterias usadas em carros elétricos. 

Somente com essas informações é possível concluir o tamanho dos interesses econômicos envolvidos na questão. O projeto, que atualmente está com a análise travada, foi apresentado em 2008. Autoridades governamentais pretendem apresentar um novo estudo de impacto ambiental como parte de um grande esforço para liberar a obra. 

Entre as árvores ameaçadas pelo projeto encontram-se exemplares da espécie cipreste-da-Patagônia (Fitzroy cupressoides), uma espécie endêmica da região. O nome científico da árvore homenageou Robert Fitzroy, o capitão do lendário HMS Beagle, navio da marinha da Inglaterra que passou vários anos explorando o Sul da América do Sul nas décadas de 1820 e 1830. O passageiro mais ilustre dessas expedições foi o naturalista Charles Darwin

A espécie é uma conífera, sendo considerada a maior árvore da América do Sul. A altura média das árvores se situa numa faixa entre 40 e 60 metros, com alguns exemplares atingindo até 70 metros – o diâmetro do caule pode chegar a 5 metros. Outra característica da espécie é a longevidade, estimada em vários milênios. 

O habitat do cipreste-da-Patagônia está restrito à região das florestas temperadas valdivianas, numa área localizada entre o Centro-sul do Chile e um trecho da Cordilheira dos Andes na Argentina. Essas florestas foram intensamente exploradas por empresas madeireiras nos séculos XIX e XX, o que dizimou grande parte dos estoques da espécie. 

Falando grosso modo, podemos comparar a situação do cipreste-da-Patagônia com o pau-brasil (Paubrasilia echinata), árvore da família das leguminosas que abundava na Mata Atlântica aos tempos do descobrimento do Brasil e que foi explorada até a quase extinção da espécie. Relembrando as aulas de história do ensino fundamental, a madeira dessa árvore era usada na produção de um corante de um vermelho intenso – o brasil. O nome do nosso país veio daí. 

Árvores milenares como o cipreste-da-Patagônia ou as sequoias gigantes da Califórnia (Sequoiadendron giganteum) são verdadeiros monumentos naturais. Os anéis de crescimento impressos na madeira permitem estudar as variações ambientais ao longo do tempo. Cada um desses anéis corresponde a um ano. 

Os cientistas utilizam uma ferramenta conhecida como trado, uma espécie de serra-copo, para furar o tronco das árvores e extrair uma amostra da seção transversal da madeira. Isso permite estudar as condições climáticas da região nos últimos milênios com absoluta precisão. 

Um único exemplo de estudo que pode ser feito – a avaliação da composição química dos anéis de uma árvore permitiria mapear todas as erupções vulcânicas ocorridas no Chile nos últimos milênios e analisar os impactos na atmosfera. O Chile tem mais de 2.900 vulcões, sendo que ao redor de 90 continuam ativos. 

Além dos incontáveis prejuízos para a biologia e o meio ambiente, a perda de uma única das árvores remanescentes da espécie pode significar a perda de informações científicas insubstituíveis para os mais diferentes estudos, sem considerar estudos futuros que ainda não foram sequer imaginados. 

A queda de braço entre ambientalistas e autoridades do Governo será difícil. Torçamos sempre para que o bom senso prospere entre as partes. 

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