
O nome engraçadinho pode até fazer você acreditar que se trata apenas de uma brincadeira. Mas essa espécie de sapo existe de verdade.
O sapinho-admirável-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus admirabilis) é um anfíbio da família Bufonidae, família essa que engloba o gênero dos sapinhos-de-barriga-vermelha – os Melanophryniscus. O anfíbio mede apenas 3 cm e se alimenta de formigas e ácaros, de onde extrai uma série de toxinas usadas na produção de secreções usadas na sua defesa contra predadores.
Esse sapinho tem uma característica única – toda a população da espécie vive exclusivamente em um trecho de 700 metros da margem do rio Forqueta, no município de Arvorezinha no Rio Grande do Sul. Pesquisadores já reviraram outras regiões do Estado e não conseguiram achar nenhum outro exemplar da espécie.
Essa característica, que se encontra em espécies animais e vegetais, é chamada em biologia de endemismo – a ocorrência restrita de uma espécie ou grupo de espécies a uma determinada região geográfica. Essa região pode ser desde um bioma grande como os Pampas Sulinos ou a Mata Atlântica, até áreas bem pequenas como o topo de um morro ou a margem de um rio.
Agora, imagine a seguinte situação – alguma “otoridade”, autarquia ou órgão publico decide construir uma represa no rio Forqueta ou então uma rodovia que corte o pequeno micro bioma onde vive o sapinho. A resposta é óbvia: dificilmente os sapinhos conseguiriam sobreviver para “contar a sua história”.
Por mais incrível que possa parecer, grandes obras de infraestrutura vinham sendo construídas sem maiores preocupações com os impactos ao meio ambiente até a década de 1960, época em começaram a crescer os movimentos de defesa do meio ambiente.
Em 1962, a renomada ambientalista, bióloga marinha e escritora norte-americana Rachel Carson publicou um livro que dividiu a história da humanidade em dois períodos distintos – antes e depois da Primavera Silenciosa, título dado à renomada publicação.
Alarmada com o uso crescente e sem qualquer controle de inseticidas e herbicidas pelos produtores rurais norte-americanos, Rachel Carson relatou em linguagem acessível e extremamente didática as consequências nefastas desses venenos para a natureza e para a saúde dos seres humanos. O livro se transformou rapidamente em um sucesso de crítica e de público, sem esquecer é claro da fúria e da ira que despertou em dirigentes da indústria química mundial.
O impacto do livro também foi fundamental para a proibição do uso de muitos destes venenos pelos agricultores – o DDT por exemplo, e a um controle mais rígido da produção e venda de agrotóxicos pelo Governo dos Estados Unidos.
Dois outros importantes desdobramentos da publicação de Primavera Silenciosa: a criação da EPA – Environmental Protection Agency (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) em 1970 e o início do movimento ambientalista, que mudaria o mundo para sempre. E como as coisas mudaram…
O controle da poluição do ar, da água e dos solos; os problemas ligados à geração e ao descarte do lixo; a queima de combustíveis fósseis não renováveis e a busca por fontes de energia limpas; a destruição das florestas tropicais e o avanço das fronteiras agrícolas; a caça às baleias e a proteção dos rinocerontes negros da África; os impactos de grandes obras de infraestrutura, entre muitos outros avanços – tudo passou a ser acompanhado “com lupa” pelos governos e suas máquinas burocráticas.
Esse movimento tardou a chegar no Brasil, mas, em 1982, foi criada a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), regulamentada pela Lei nº 6.938/1981. Essa política tem como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental para garantir condições adequadas ao desenvolvimento socioeconômico do país.
Um exemplo prático dessa Política – toda obra com potencial para causar alterações e/ou impactos ao meio ambiente passou a demandar uma série de estudos prévios nos campos da biologia, antropologia, geografia física e humana, geologia, história e arqueologia, entre muitas outras áreas do conhecimento. Esses estudos são mais conhecidos como EIA – Estudos de Impacto Ambiental. De forma complementar é gerado o RIMA – Relatório de Impacto ao Meio Ambiente.
Toda essa documentação precisa ser apresentada, conforme o caso, a uma autoridade ambiental municipal, estadual ou federal. Após uma profunda análise, essa autoridade ambiental poderá aprovar a execução da obra, exigir maiores estudos ou ainda vincular a aprovação do projeto a implantação de medidas de compensação ambiental.
No caso do sapinho-admirável-de-barriga-vermelha e do seu pequeno território na margem do rio Forqueta, qualquer analista do órgão ambiental decretaria que construtoras ou incorporadoras se mantenham o mais longe possível da região.
Infelizmente, milhares de espécies animais e vegetais não tiveram essa sorte e sucumbiram sob pesadas camadas de pedra, concreto, asfalto e águas ao longo da história humana. Uma vez desaparecida uma espécie, somente através de um esforço monumental de engenharia genética, similar ao que foi feito para a desextinção polêmica do lobo-terrível, poderá ser trazida de volta a vida – é claro que isso ainda é hipotético e muitos estudos ainda precisam ser feitos.
Por enquanto, os sapinhos do rio Forqueta estão a salvos. Porém, nada impede que ocorra um derramamento criminoso ou acidental de contaminantes nas águas do rio, o avanço de uma queimada descontrolada na mata ou ainda uma enchente devastadora, como aconteceu recentemente em grandes áreas do Rio Grande do Sul.
Para quem trabalha em áreas da construção civil, como é o meu caso, as exigências ambientais dos órgãos reguladores muitas vezes nos tiram do sério, mas, nos conforta saber que tudo se faz por um valor bem maior que nossas obras.

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