UM LUGAR CHAMADO JARDIM PANTANAL EM SÃO PAULO

Em hidrologia, pântano é uma região plana, onde o escoamento das águas fluviais e pluviais é muito lento, o que faz com que a área permaneça inundada por longos períodos. Essas regiões possuem uma fauna especializada numa vida aquática ou semiaquática, além de ter uma flora altamente adaptada. Consta que o nome vem da palavra em latim Pantanu, que era o nome de um antigo lago da região da Apulha na Itália. Atualmente, esse lago é conhecido como Lesina

O termo derivado pantanal normalmente é utilizado em referência ao bioma Pantanal Mato-grossense, a maior área alagada do mundo. Em sua extensão máxima, a área alagável pode ocupar até 250 mil km² em terras dos Estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além de trechos da Bolívia e do Paraguai. Essa área, para efeito de comparação, equivale a todo o Estado de São Paulo.

Por possuir características similares, ou seja, com alagamento frequentes e necessidade de longos períodos para drenar as águas das chuvas, um bairro pobre da Zona Leste da cidade de São Paulo foi batizado com o singelo nome de Jardim Pantanal. 

No início de 2003, eu recebi o convite para trabalhar em uma obra viária para extensão de uma grande avenida da cidade, que atravessaria a área onde fica o Jardim Pantanal, ligando a Avenida Jacu-Pêssego a Marginal Tietê e ao Aeroporto de Cumbica em Guarulhos. Fiquei cerca de uma ano no local e conheci muita gente, além de ouvir muitas histórias sobre a vida trágica nesse bairro.

O vasto terreno fazia parte da antiga grande várzea dos rios Tietê e Tamanduateí, os principais rios da cidade. Essas várzeas ficavam alagadas todos os anos durante o período das chuvas de verão. Já publicamos diversas postagens aqui no blog falando dessas várzeas. Para resumir a história, a maior parte dessas áreas foi aterrada e ocupada por avenidas e bairros inteiros a partir da segunda metade do século 19. 

As áreas de várzea oferecem um espaço alagável para os períodos de chuva dos verões, quando as calhas dos rios não conseguem comportar toda a água das chuvas. Segundo fontes históricas, as áreas de várzea dos rios paulistanos assumiam características semelhantes ao Pantanal Mato-grossense. Esses locais abrigavam jacarés-do-papo-amarelo, garças, cervos do pantanal, capivaras, macacos, onças e tamanduás, entre outros animais.   

A área onde fica o Jardim Pantanal, ao contrário das demais, conseguiu se manter praticamente intacta até o final da década de 1980, especialmente devido ao isolamento criado por uma linha férrea. Até a época em que trabalhei no bairro, o único acesso ao terreno era uma passagem em nível sob os trilhos da ferrovia. 

A ocupação e urbanização do Jardim Pantanal segue uma antiga receita de falta de planejamento urbano e total descaso dos governos no que se refere a construção de moradias populares. Famílias carentes começaram a demarcar pequenos lotes no local e a construir casas precárias em madeira, ou seja, a formar uma favela no local. 

Essa ocupação ganhou um forte impulso em meados da década de 1980, quando a Prefeitura da Cidade de São Paulo resolveu construir uma grande avenida as margens do Córrego das Águas Espraiadas, na Zona Sul da cidade. Os terrenos dessas margens eram ocupados por 68 núcleos de favelas, onde viviam aproximadamente 80 mil pessoas. 

O deslocamento forçado dessas populações, pagos pela própria Prefeitura, transportava as famílias e seus móveis para grandes terrenos localizados em regiões periféricas – o Jardim Pantanal foi um deles. As famías eram, literalmente, largadas a própria sorte. Primeiro surgiu no lugar um “mar” de casas precárias de madeira e folhas de zinco, casas essas que com o tempo foram substituídas por outras de alvenaria. Falando em termos técnicos – a área foi urbanizada na “marra”. Atualmente, o bairro tem 55 mil habitantes ou algo como 10 mil casas. 

Grandes áreas de bairros nobres da cidade de São Paulo como Alto de Pinheiros, Cidade Jardim, Butantã, Brooklin e Tatuapé, entre muitos outros, surgiram em antigas áreas de várzeas aterradas. Nesses locais, ao contrário do Jardim Pantanal, a urbanização foi planejada e foi criada toda uma infraestutura para a drenagem das águas pluviais. Enchentes ocorrem nesses bairros, mas elas causam problemas mínimos aos moradores.

A antiga área de várzea do Jardim Pantanal virou um grande bairro – as águas das chuvas, entretanto, não sabem disso e as enchentes continuaram a se suceder. Com as chuvas das últimas semanas aqui na cidade de São Paulo, os moradores do bairro mais uma vez estão convivendo com fortes e persistentes alagamentos. No momento em que escrevo essa postagem, a área está completamente alagada há 5 dias.

Feito todo esse estrago social e ambiental por conta do descaso das “otoridades”, como é que se resolve um problemas deste tamanho