
Na nossa última postagem falamos de estudos meteorológicos que confirmam a chegada do fenômeno climático El Niño. Conforme apresentamos, esse fenômeno se caracteriza por um aquecimento anormal das águas superficiais de uma extensa faixa do Oceano Pacífico, o que vai provocar alterações no clima de todo o mundo.
Aqui no Brasil, o El Niño costuma provocar uma redução das chuvas nas Regiões Norte e Nordeste, ao mesmo tempo em faz as chuvas aumentarem na Região Sul. Os produtores rurais dessas regiões temem pelos impactos tanto do excesso quanto da falta de chuvas em suas respectivas produções agrícolas e pecuárias. Só lembrando: cerca de 70% da água disponível em uma região é usada pela agricultura e pecuária.
As preocupações com esses grandes consumidores de água muitas vezes nos fazem esquecer do pequeno consumo diário necessário para a sobrevivência das populações. De acordo com recomendações da OMS – Organização Mundial da Saúde, cada pessoa tem o direito de ter, pelo menos, 100 litros de água à sua disposição a cada dia.
Essa água se destina a saciar a sede, cozinhar, tomar banho, eliminar os dejetos sanitários, lavar roupa e limpar a habitação. Em regiões bem desenvolvidas e com uma boa infraestrutura, essa meta é atingida com folga – um exemplo é a cidade de São Paulo, onde a população pode consumir 150 litros de água per capita. Em regiões pobres e de clima árido e/ou semiárido, as populações sobrevivem com apenas uma fração disso – algo entre 5 e 20 litros por dia.
Um exemplo de como muitas vezes esse consumo individual de água acaba sendo desprezado por governantes e autoridades é o que foi constatado por uma pesquisa do IPTSP/UFG – Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás. Análises feitas em águas subterrâneas e superficiais consumidas por comunidades rurais apresentavam altos índices de contaminação por patógenos.
Entre os principais contaminantes encontrados estavam os resíduos fecais, ou seja, essas águas receberam lançamentos de esgotos contaminados por fezes humanas ou de animais. Em cerca de 30% das amostras de água contaminada foram encontrados vírus responsáveis pela transmissão de doenças gastrointestinais e diarreias.
Antes de tudo, é preciso comentar que o foco da equipe de pesquisa eram os patógenos presentes na água. As amostras coletadas, é claro, também apresentaram outros contaminantes como resíduos de feritilizantes e de pesticidas, resíduos de mineração, óleos entre outros.
Rotavírus, um vírus da família Reoviridae, que é um dos principais agentes causadores de doenças diarreicas agudas e um dos principais causadores de diarreia grave em crianças menores de 5 anos, foi encontrado em 20% dessas amostras.
Em 9,4% das amostras foram encontrados adenovírus humano, um grupo de vírus que normalmente causam doenças respiratórias, como um resfriado comum, a conjuntivite (uma infecção no olho), crupe, bronquite ou pneumonia. Nas crianças, os adenovírus geralmente causam infecções no trato respiratório e no trato intestinal.
Em outros 4,4% dessas amostras foram encontrados enterovírus, que são responsáveis por uma grande diversidade de doenças especialmente em crianças – as chamadas viroses. Essas doenças normalmente afetam o trato gastrointestinal, causando sintomas como febre, vômitos e dor de garganta.
Os pesquisadores coletaram 160 amostras de água em diferentes tipos de fontes: poços rasos escavados (conhecidos como cacimbas em muitas regiões), poços tubulares profundos, nascentes, mananciais superficiais, água de chuva armazenada em cisterna e em caminhões pipa.
O rotavírus foi encontrado com maior frequência em fontes subterrâneas como os poços rasos. Em amostras coletadas em nascentes, 11,8% apresentaram contaminação por adenovírus humano. Nas amostras coletadas em cisternas foram encontrados adenovírus humano e rotavírus em proporções equivalentes – 15,8%.
Os pesquisadores ficaram surpresos com a expressiva contaminação de águas em fontes profundas como os poços tubulares. Normalmente, por causa do seu fácil acesso, são as fontes superficiais de água que estão mais susceptíveis à contaminação, especialmente por esgotos.
Além de todas as preocupações com os mais diferentes tipos de contaminantes encontrados nas fontes de água, que também podem ser bastante prejudiciais à saúde, é extremamente preocupante os riscos diretos desses patógenos para saúde das populações das comunidades rurais de Goiás. A diarreia, por exemplo, é uma doença chamada de “assassina silenciosa de crianças”.
A diarreia é a segunda maior causa de morte de crianças com menos de 5 anos no mundo – são cerca de 1,5 milhões de mortes a cada ano. No Brasil, morrem em média 3 crianças por dia por causa da doença, sendo que em muitos casos, a doença foi contraída justamente por causa do consumo de água contaminada.
Uma questão que chama a atenção nesse estudo é o fato do Estado de Goiás estar localizado integralmente dentro dos domínios do Cerrado Brasileiro. Os solos desse bioma são bastante permeáveis, uma característica que facilita a infiltração da água da chuva na direção de aquíferos e lençóis subterrâneos de água.
É provável – grifo do blog, que essa permeabilidade esteja facilitando a contaminação das reservas subterrâneas de água por esses vírus. Caso isso se confirme, é provável que em outros Estados inseridos no bioma apresentem problemas bastante semelhantes.
Normalmente, são as fontes de águas superficiais como riachos, rios, lagos e represas as mais susceptíveis a essas contaminações. Porém, é sempre importante lembrar que todas as fontes de água são importantes – especialmente aquelas que se destinam ao abastecimento de populações humanas. Todo o cuidado com elas é pouco!
