AS “EXPORTAÇÕES” DE CARROS USADOS PARA A ÁFRICA 

Na última postagem falamos de um complexo problema econômico e social que vem ganhando volume nos últimos anos – as “exportações” de roupas usadas de países ricos para países pobres. As aspas foram usadas porque essa prática esconde a exportação camuflada de resíduos têxteis. 

De acordo com dados referentes a Gana, país africano que ocupa a primeira posição entre os importadores de roupas usadas, pelo menos 40% das peças envolvidas nessas negociações são simplesmente emprestáveis e são descartadas em lixões e aterros sanitários. 

Um problema bastante parecido envolve as “exportações” de carros usados para os países africanos. Do total de veículos do tipo exportados pelos países da Europa, cerca de 40% têm como destino países da África. 

Esses veículos têm uma média de idade entre 16 e 20 anos e em sua grande maioria não atendem pré-requisitos de segurança para que possam circular em cidades e estradas dos países da Europa. Em grande parte dos casos, os veículos exportados têm como objetivo o simples fornecimento de peças (o que é chamado de “canibalização” em muitos países). 

Entre os anos de 2015 e 2020, de acordo com dados do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, os países da União Europeia exportam 4,6 milhões de carros. Esse volume corresponde a 49% de todas as vendas de veículos usados no continente no mesmo período. 

De acordo com números levantados pela ZERO – Associação Sistema Terra Sustentável, uma organização ambientalista de Portugal, os números são ainda maiores. Entre os anos de 2014 e 2018, a Europa teria exportada cerca de 14 milhões de veículos, sendo que metade desse volume teria como destino a África. 

Segundo a organização, 80% dos veículos exportados não atendem os mínimos requisitos de segurança ou de conformidade com as regras de meio ambiente na Europa. Segundo o grupo, esses veículos deveriam ter sido retirados de circulação e encaminhados para o desmantelamento, onde perto de 95% de suas matérias primas poderiam ser reutilizadas. 

Uma vez exportados, esses veículos ou serão mantidos em circulação em condições precárias, o que vai resultar a liberação de enormes volumes de poluentes na atmosfera dos países importadores, ou fornecerão peças que permtirão que outros veículos em péssimas condições voltem a circular. Muito pior – as péssimas condições dos itens de segurança vão colocar milhares de motoristas e ocupantes sob risco de acidentes de trânsito. 

A grande ironia desse processo, segundo os ambientalistas, é que a União Europeia vem criando regras cada vez mais restritivas para a produção e a venda de veículos movidos a base de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que estimula a venda de veículos elétricos. Agora, quanto a “exportar” a poluição desses veículos velhos para outros países, não existem maiores problemas. 

Essa política comercial perversa pode estar por trás do elevado número de mortes nos acidentes de trânsito registrado na África. De acordo com o UNRSF – Fundo de Segurança Rodoviária das Nações Unidas, na sigla em inglês, os países africanos registram 60% das mortes em acidentes rodoviários do mundo, ao mesmo tempo em que a frota de veículos no continente represente apenas 2% da frota mundial. 

Um ponto interessante que vem sendo ressaltado por muitos especialistas é que existem regras diferentes para as exportações de veículos na Europa. A Alemanha, um dos países que mais exportam veículos no continente, utiliza um conjunto de regras extremamente rígidas para os casos em que os veículos têm como destino outros países do bloco europeu. 

No entanto, quando o destino são países fora da União Europeia, como o são os países da África, essas regram não precisam valer. Qualquer tipo de sucata com quatro rodas e que esteja em condições de ser colocada em um navio, usando recursos próprios do seu conjunto motor ou simplesmente “empurradas”, são consideradas “itens válidos para exportação”. 

Felizmente, as coisas parecem começar a mudar. Diversos países europeus como os Países Baixos começam a pressionar o Bloco no sentido da unificação das regras para a exportação de veículos. Por outro lado, países da África começam a propor regras para disciplinar essas atividades. 

Desde 2020, Benin e outros 14 membros da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental chegaram a um acordo para impor uma idade limite de 10 anos para os veículos usados importados. Também concordam em impor restrições ambientais relativas às emissões de gases poluentes. 

Entretanto, entre as boas intenções e a aplicação prática de todo esse conjunto de regras, existe um enorme abismo. Milhares de verdadeiras sucatas automobilísticas continuam sendo exportados e entupindo as ruas das cidades e as estradas dos países pobres, liberando muita fumaça e colocando em risco a vida de milhares de pessoas. 

Infelizmente, esse é um lado do meio ambiente que muitos “euroambientlistas” de carteirinha não costumam ver quando saem em seus protestos contra a devastação da Floresta Amazônica. 

Os problemas ambientais de nosso mundo são bem maiores e mais complexos do que muitos podem imaginar… 

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