A DEGRADAÇÃO DOS SOLOS E OS RISCOS PARA A HUMANIDADE

Desertificação

Nas últimas postagens começamos a falar de um assunto bastante relevante para a agricultura e para o meio ambiente – a perda de solos aráveis em todas as regiões brasileiras. Um estudo do Instituto Agronômico de Campinas estima que para cada hectare de terra cultivada hoje no Brasil, há uma perda anual de 25 toneladas de solo arável – somando-se a área total do país que é ocupada por culturas agrícolas, essa perda chega à casa de 1 bilhão de toneladas a cada ano, o que significa que estamos perdendo uma fina camada de 1 cm da superfície de 8,5 milhões de km² de nosso território

Infelizmente, não estamos sozinhos nessa jornada suicida: de acordo com dados da CNUCD – Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, calcula-se que as perdas mundiais de solo arável se situem na casa dos 24 bilhões de toneladas a cada ano. Essa perda corresponde a uma área equivalente a 12 milhões de hectares ou três vezes a área da Suíça. O desmatamento é a principal causa dessa perda de solos aráveis, especialmente em razão da expansão de áreas agrícolas, implantação de sistemas geradores de energia elétrica e projetos de mineração. Conforme já comentamos em postagem anterior, solos desnudos e sem a proteção da vegetação ficam expostos a erosão e ao carreamento de sedimentos em períodos de chuva. 

A perda de solo arável trás no seu encalço um outro gravíssimo problema – a desertificação. A água é um dos componentes formadores do solo. Sempre que chove, os solos atuam como uma espécie de “esponja”, retendo quantidades substanciais de água, água essa que será usada pelas plantas. Sem condições de armazenar água, os solos “restantes” perdem a capacidade de sustentar vida vegetal, que por sua vez é a responsável pela geração de matéria orgânica, outro componente formador dos solos – o que restará serão minerais inertes como a areia e argila. O continente Africano é um caso extremamente crítico nessa área – 45% dos solos agricultáveis estão vulneráveis à seca e a degradação e já se admite que até o ano de 2025 dois terços dos solos produtivos  da África estarão afetados. 

Essa questão ganha uma importância ainda maior quando se avalia a tendência de crescimento da população mundial – até o ano de 2050 será necessário um aumento na produção mundial de alimentos da ordem de 50% a fim de alimentar uma população que chegará a cifra de 9 bilhões de pessoas. Na contramão dessa necessidade de crescimento da produção agrícola, projeções indicam que a degradação dos solos e as mudanças climáticas irão reduzir a produção mundial de alimentos entre 13% e 45%, conforme a metodologia utilizada – é uma conta que não fecha. E olhem que os problemas ligados aos recursos hídricos não foram colocados nessa “equação”. 

A degradação e perda de solos é um fenômeno que pode ser observado em todo o Brasil. Em muitas regiões, o problema já tornou gravíssimo e a desertificação avança com muita força. A Região Nordeste é a que apresenta um maior número de áreas afetadas gravemente por processos de desertificação. Estima-se que uma área total de 230 mil km² de áreas da caatinga estejam em processo extremo de desidratação (graves ou muito graves), estágios em que os solos tendem a se tornar imprestáveis para qualquer uso. No Norte do Estado de Minas Gerais, existe uma área de 69 mil km² em risco extremo de desertificação, englobando um total de 59 municípios nas regiões dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Para que você tenha ideia da área total destas duas regiões em risco graves ou muito graves de desertificação, ela é maior que a soma das áreas dos Estados de São Paulo (248 mil km²) e Rio de Janeiro (43,7 mil km²). Se consideradas todas as áreas do país em risco de desertificação, incluindo-se aquelas em risco inicial, baixo e intermediário, chegamos aos 900 mil km², mais de 10% do território brasileiro. 

O Estado de Alagoas é um dos mais afetados pelo processo, com 62% dos municípios apresentando áreas em processo de desertificação, sendo que os casos mais graves são encontrados nos municípios de Ouro Branco, Maravilha, Inhapi, Senador Rui Palmeira, Carneiros, Pariconha, Água Branca e Delmiro Gouveia. No Estado da Bahia, uma área com extensão de 300 mil km² no sertão do São Francisco tem solos que já não conseguem reter água, sinal de alerta para o risco de desertificação; os municípios ribeirinhos do Rio São Francisco de Petrolina, em Pernambuco, e de Paulo Afonso, na Bahia, têm áreas mapeadas em estado crítico de desertificação, que ameaçam, respectivamente, 290 mil e 108 mil habitantes.  

Esses são apenas alguns números deste gravíssimo problema, que tem potencial para afetar a vida de todos nós. 

O DERRAME DE TRAPP E A FORMAÇÃO DOS SOLOS DE TERRA ROXA

Kilauea

Na última postagem falamos resumidamente do processo de formação dos solos, onde foi apresentado como exemplo a erupção do vulcão havaiano Kilauea (vide foto), um dos vulcões mais ativos do mundo, e que está derramando diariamente grandes quantidades de lava sobre o solo e formando grandes campos rochosos, inclusive avançando contra o oceano.

Esses campos de rocha estéril, pouco a pouco, passarão a apresentar fragmentação e desfolhamento das camadas mais superficiais pela ação do sol, das chuvas, dos ventos e da pressão atmosférica, entre outras forças; colônias de líquens se fixarão nessas rochas e começarão a produzir pequenas quantidades de matéria orgânica, que irão se misturar aos detritos das rochas e formar solo fértil: dentro de alguns milhares de anos, esses campos rochosos estarão cobertos por uma camada generosa de solo fértil e por uma densa floresta. Num resumo bem resumido, é assim que surgem os solos férteis. 

Destaco a importância da água no processo da formação dos solos – a chuva é uma das forças da natureza que provoca a erosão e a fragmentação das rochas, produzindo partículas de argila, silte e areia, entre outros importantes minerais, que determinarão as características estruturais dos solos. Na gênese dos solos, esses minerais se misturarão com a matéria orgânica produzida inicialmente pelos líquens, onde a água será o elemento que dissolverá e distribuirá esses componentes.

Por fim, depois de formados, os solos passam a funcionar como uma espécie de esponja, armazenando quantidades substanciais de água, água essa que nutrirá a vegetação. Essa mesma água que foi tão fundamental no processo de formação dos solos e nutrição de todas as formas de vida que vivem nas formações vegetais que ali se desenvolveram, também pode se transformar numa grande vilã: a remoção da cobertura vegetal de uma determinada região, por exemplo para a formação de campos agrícolas, pode desencadear processos erosivos e destruir em poucos anos todo um trabalho milenar de criação dos solos

Deixem-me apresentar um exemplo prático: as famosas terras roxas que se estendem desde a região Oeste do Estado de São Paulo até o Rio Grande do Sul, com alguns trechos na Argentina e no Paraguai, foram originadas há milhões de anos atrás a partir de um fenomenal derramamento vulcânico, mais conhecido como Derrame de Trapp ou Trapp do Paraná. A terra roxa é considerada um dos solos mais férteis do Brasil. Os solos são profundos, com elevado teor de ferro e macronutrientes, com grande potencial para o desenvolvimento de coberturas vegetais densas. Dentro do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, a terra roxa é classificada como Latossolos Vermelhos e Nitossolos Vermelhos.

O Derrame de Trapp teve início quando o Supercontinente de Gondwana começou a se romper. Essa formação continental era formada pela América do Sul, África, Antártica, Ilha de Madagascar, Índia (o famoso subcontinente indiano), Austrália, Nova Zelândia, Nova Caledônia e algumas outras ilhas. Esse evento teve início há cerca de 165 milhões de anos e, ainda hoje, esses “fragmentos” de Gondwana ainda se movem (pesquise Tectônica de Placas).

Com o início da ruptura continental, dezenas de vulcões entraram em erupção simultaneamente – um dos períodos de maior intensidade das erupções aconteceu no Período Cretáceo, entre 137 e 127 milhões de anos atrás. Na América do Sul, os derramamentos de lava, calculados em 650 mil km³, cobriram uma área de aproximadamente 1,2 milhão de km², especialmente na região onde encontramos hoje a bacia hidrográfica do rio Paraná. Em Angola e na Namíbia, países do Sudoeste da África, também se encontram rochas de origem vulcânica associadas ao Derrame de Trapp

Eu fiz questão de falar desse grande evento vulcânico, que está na origem da formação dos solos de terra roxa, para chamar a atenção de todos para o tempo total decorrido: foram várias dezenas de milhões de anos entre o resfriamento dos derrames vulcânicos de Trapp e a formação dos solos de terra roxa, tão fundamentais para a agricultura de São Paulo e dos Estados do Sul do Brasil.

E todo esse patrimônio ambiental sofre constantemente devido ao mal-uso que fazemos dos solos: de acordo com estudos do Instituto Agronômico de Campinas, estima-se que para cada hectare cultivado aqui no Brasil (relembrando: 1 hectare equivale a uma área de 10 mil m²) há uma perda de 25 toneladas de solo arável por erosão; isso significa uma perda anual de 1 bilhão de toneladas ou uma camada de 1 cm do solo de todo o país. Nessa conta se incluem as terras roxas, solos de massapê, de Cerrado, Amazônicos, entre outros. É um uso absolutamente insustentável que estamos vendo em nossas terras. 

E para onde vão esses solos erodidos?  

Para o leito dos nossos rios, que ficam entulhados e assoreados, prejudicando o abastecimento das populações, a biota aquática, os transportes fluviais e, especialmente, o uso pela agricultura, que é a maior consumidora de água do país e do mundo. 

Como se vê, os solos e a água estão intimamente ligados. 

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