
A construção da Represa Billings, cujo início das obras acaba de completar 100 anos, foi um feito da engenharia mundial da época. A represa foi concebida e construída com o objetivo de alimentar uma usina hidrelétrica em Cubatão, se valendo do grande desnível entre o alto da Serra do Mar e a Região da Baixada Santista, o que potencializaria a força da água que chegava aos geradores.
Para entender melhor o somatório de fatores que levou a empresa canadense São Paulo Tramway, Light and Power, concessionária dos serviços de geração e distribuição de energia elétrica na região, a iniciar essa saga, é preciso entender o contexto histórico paulistano no início do século XX.
Graças ao enorme fluxo de capitais gerados na então Província de São Paulo pela produção e exportação de café a partir de meados do século XIX, a cidade de São Paulo passou a crescer exponencialmente. De uma pequena vila perdida nos confins do Planalto de Piratininga com menos de 30 mil habitantes em 1850, São Paulo foi transformada num importante entreposto comercial, industrial e financeiro, atingindo a marca de 240 mil habitantes em 1900.
Entre outras demandas, a crescente metrópole passou a ficar cada vez mais sedenta por eletricidade, a nova forma de energia que movia os grandes centros industriais mundiais naqueles dias. Diversos projetos de pequenas centrais hidrelétricas e termelétricas se multiplicavam em toda a região do entorno, sem conseguir saciar a sede energética da cidade.
Foi nesse contexto que surgiu a ideia para a construção da Usina de Parnahyba, o primeiro projeto da Light para o abastecimento da cidade de São Paulo e Região em 1899. Essa usina seria construída em Santana de Paranaíba, cidade localizada a cerca de 50 km de São Paulo, se aproveitando das águas do rio Tietê. Aliás, essa se tornaria a primeira hidrelétrica com barragem do Brasil.
Na sua inauguração em 1901, Parnahyba produzia 2 MW de energia elétrica – pouco mais de 10 anos depois, essa potência já tinha sido aumentada para 12,8 MW, atendendo a uma demanda cada vez maior da população e das indústrias por energia elétrica. Gradativamente, a Light passou a construir novas pequenas usinas hidrelétricas, aumentando a sua capacidade de geração de energia.
A importante e impactante Usina Hidrelétrica de Parnahyba, entretanto, sofria de um problema crônico – a irregularidade dos caudais do rio Tietê, cujas águas abundavam nos meses de chuvas e escasseavam dramaticamente nos meses de inverno. A produção de energia elétrica, consequentemente, era altamente irregular.
Para regularizar as vazões do rio Tietê e garantir a operação contínua da Usina de Parnahyba nos meses de seca, foi necessária a construção de uma grande represa na região de Santo Amaro. Essa represa, concluída em 1908 e que depois passou a ser chamada de Guarapiranga, foi transformada em uma importante área de lazer dos paulistanos e levaria a uma expansão da mancha urbana da cidade rumo ao Sul, na direção da represa.
Apesar de todos esses avanços, a demanda por energia elétrica na região não parava de crescer e, na década de 1920, os engenheiros da Light desenvolveram o projeto de uma usina hidrelétrica revolucionária para os padrões da época. O projeto desse sistema considerou o aproveitamento do enorme desnível da Serra do Mar entre a região da Baixada Santista e o Planalto de Piratininga – são mais de 720 metros.
As águas de uma grande represa localizada no alto da Serra do Mar, a futura Represa Billings, seriam canalizadas através de um sistema de tubulações para a uma usina hidrelétrica em Cubatão, município no litoral de São Paulo, aonde chegariam com uma enorme energia, movendo as turbinas dos grupos geradores.
A Usina Hidrelétrica de Cubatão, que depois teve seu nome mudado para Usina Hidrelétrica Henry Borden, teve seu primeiro grupo gerador inaugurado em 1926. A capacidade geradora da Usina foi sendo ampliada gradativamente até 1950, quando o 14° grupo gerador entrou em funcionamento, atingindo uma capacidade total instalada de 889 MW. Os grupos geradores da Usina Henry Borden utilizam turbinas Pelton, altamente eficientes no aproveitamento dos fortíssimos jatos de água que desciam do alto da Serra do Mar.
O fantástico complexo formado pela Represa Billings e pela Usina Henry Borden foi fundamental para o desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo. Um exemplo – a farta disponibilidade de energia elétrica na região foi um dos critérios usados na escolha da Região do ABC Paulista (sigla para os municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano) como sede das primeiras indústrias automobilísticas do Brasil na década de 1950.
Infelizmente, o grande crescimento populacional da Região Metropolitana de São Paulo acabou decretando o “fim” da geração no complexo Billings – toda a poluição das águas do rio Tietê acabava sendo transferida para a represa Billings através do sistema de bombeamento do rio Pinheiros. A Constituição Paulista de 1992 proibiu essa transferência de águas, exceto em emergências nos casos de chuva forte. Desde então, a geração na Usina Hidrelétrica Henry Borden foi reduzida em 75% e a produção atual está na casa de 200 MW.
Apesar de não receber mais águas do poluído rio Tietê, a centenária Represa Billings continua sofrendo com a poluição – perto de 1 milhão de pessoas vivem nas áreas de mananciais ao redor do reservatório e a maior parte dos seus esgotos acabam sendo lançados nas águas da Represa. Ironicamente, mais de 1,5 milhão de pessoas dependem das águas da Represa Billings para o seu abastecimento diário – uma barragem foi construída em um dos braços da Represa, evitando assim o contato com as águas poluídas do resto do reservatório.
Os problemas ambientais atuais da Represa Billings mancham, literalmente, a festa de aniversário do centenário do início das obras e da saga do complexo energético. Mesmo assim, há muito o que comemorar – a Região Metropolitana de São Paulo talvez nem existisse hoje caso o Complexo Energético não tivesse sido construído.

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