AS POLÊMICAS “ÁRVORES ARTIFICIAIS” DA COP 30 EM BELÉM 

Viajar para a Amazônia é, acima de tudo, uma grande experiência sensorial. Por todos os cantos que se olha, se cheira ou se escuta, se experimenta uma enorme carga de sensações que arrepiam todos os pelos de nosso corpo. 

Costumo citar minha primeira viagem ao bioma no início de 2009 como um exemplo dessa aventura sensorial. 

Lembro bem do exato momento em que a porta do avião foi aberta no aeroporto de Porto Velho, em Rondônia: a aeronave foi imediatamente tomada por um forte cheiro da fumaça das grandes queimadas que ardiam nas matas ao redor da cidade naquele momento. 

Passado esse “susto” inicial, passei a sentir o que era realmente a Amazônia – rios imensos, matas densas com os mais diferentes tons de verde, cheiros e sabores de frutas e alimentos típicos da região. É simplesmente impossível se ficar indiferente ao meio que nos rodeia. 

Visitando a cidade de Belém, chamada por muitos de portal da Amazônia, também vivi sensações bem particulares, que vão do sabor da bacuri beer, uma cerveja local que leva suco da fruta bacuri em sua composição, às cores e sabores do histórico Mercado Ver o Peso. 

De todas as sensações talvez a mais emocionante tenha sido caminhar pelas ruas da cidade sentindo o cheiro de mangas maduras, cujas árvores abundam nas ruas e praças da cidade. Para quem não sabe, Belém é conhecida como a “cidade das mangueiras” ou “mangueirosa”. 

De acordo com informações da UFPA – Universidade Federal do Pará, o plantio de mangueiras nas ruas da cidade começou no início do século XX na gestão do então prefeito Antônio Lemos. Em seu projeto de transformar Belém na “Paris dos Trópicos”, o prefeito incentivou o plantio dessas árvores em ruas e avenidas da cidade como forma de criar sombras e assim amenizar o forte calor local. 

Passado mais de um século, autoridades locais estão buscando um outro tipo de “árvore” para amenizar o forte calor em algumas regiões da cidade onde se desenrolarão eventos e atividades da COP 30 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2025, que vai acontecer no início de novembro. 

O número de espécies de árvores existentes na Floresta Amazônica é estimado entre 12 mil e 50 mil espécies – faltam estudos para se chegar a um número definitivo. Entretanto, nenhuma dessas espécies foi considerada para essa nobre missão.  

Os organizadores optaram por uma estrutura metálica que lembra toscamente o formato de uma árvore com copa arredondada, onde serão pendurados vasos com plantas do tipo trepadeira. Como justificativa, alegam falta de condições técnicas para o plantio de árvores nos locais e, também, a falta de tempo hábil.

Essa solução mágica traz em seu bojo alguns problemas práticos. Vamos nos concentrar em apenas um – a necessidade de regas constantes. Muitos vão até alegar que chove muito na cidade, porém, como a região é muito quente, será difícil de se manter um nível de umidade adequada nos substratos dos vasos e assim manter as plantas saudáveis, quiçá vivas. 

Um exemplo desse problema pode ser visto em muitos jardins verticais que foram instalados em fachadas de prédios e até em algumas grandes avenidas aqui na cidade de São Paulo. Mesmo com cuidado frequente, é possível ser ver “buracos” na vegetação por falhas nas regas e nos cuidados com as plantas. 

Conhecendo bem o zelo com que a coisa pública costuma ser tratada aqui no Brasil, pode até ser que essas “árvores” recebam tratamento razoavelmente adequado até a COP 30. Porém, é certo que o projeto será abandonado já na semana seguinte ao final do evento e tudo o que restarão serão esqueletos enferrujados dessa “ideia brilhante”. 

Sem querer ser chato, mas existem diversas outras opções que poderiam ter sido usadas, provavelmente a custos bem menores. A mais simples seria o plantio de árvores adultas nesses locais. Essas árvores podem vir de viveiros especializados ou podem até mesmo ser retiradas de matas próximas e transplantadas para os locais. 

Havendo dificuldades com os solos, o plantio poderia ser feito com o uso de grandes vasos – na falta desses, tubos de concreto armado do tipo usado para o controle de águas pluviais poderiam ser usados. Eu lembro que esse tipo de solução foi usada para o plantio de árvores na Avenida Paulista aqui na cidade de São Paulo nos meus tempos de infância. 

Na pior das hipóteses, marquises feitas com bambu, um material de construção abundante e barato, poderiam ser construídas nos locais para criar o sombreamento adequado para os visitantes. 

Por mais simples e melhores que sejam, essas ideias têm um grave problema de partida – elas não geram as “comissões” decorrentes da contratação de uma empresa que constrói e instala esse tipo de estrutura metálica… 

Coisas de Brasil.

O OVO NOSSO DE CADA DIA, OU EM BUSCA DOS “PILANTRAS” 

Água, Vida & Cia é um blog que trata de assuntos ligados aos inúmeros problemas socioambientais que cercam a vida moderna, com destaque bastante especial aos recursos hídricos e ao saneamento básico. 

Assuntos de ordem econômica – falo aqui do grande aumento nos preços dos ovos aqui no Brasil, fogem bastante da nossa área de especialização. Porém, existem uma série de questões de ordem ambiental cercando o tema, o que nos permite dar alguns “pitacos” numa questão tão relevante nas últimas semanas. 

Em termos biológicos, falando de uma forma muito simplificada, ovo é o zigoto dos animais, ou seja, uma célula que se forma após a fusão do núcleo do óvulo, feminino, com o núcleo do espermatozoide masculino. Animais ovíparos como aves, peixes e répteis, entre muitos outros, se valem dos ovos para a sua reprodução. 

Falando em termos nutricionais, o ovo é uma importante e “barata” proteína de origem animal, sendo um alimento saudável, completo e de fácil digestão. O equivalente a 100 gramas de ovo contém cerca de 160 calorias, além de aminoácidos equilibrados, vitaminas e alguns sais minerais. Os ovos de galinhas são os mais consumidos no mundo. 

De acordo com dados de 2024 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a produção diária de ovos no Brasil é da ordem de 150 milhões de unidades. Os Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais figuram como os maiores produtores do país. 

Os ovos são produzidos pelas chamadas galinhas poedeiras. Como todo animal domesticado, essas galinhas dependem de cuidados especiais dos seus tratadores para viver e produzir. Esses cuidados incluem espaços adequados como galinheiros, fornecimento de água fresca, alimentação balanceada e limpeza. 

Comecemos falando do consumo de água para a produção dos ovos. Para manter uma criação com 10.000 galinhas poedeiras de ovos para consumo, são gastos aproximadamente 5.000 litros de água por dia, ou seja, 0,5 litro de água por ave. 

Esse consumo considera a água de dessedentação, limpeza e higienização das instalações, lavagem dos ovos e higienização dos equipamentos, além dos gastos nas instalações do armazém de processamento de ovos. As aves consomem pequenas quantidades de água, porém com muita frequência, principalmente para regular a temperatura do corpo. Uma falha nesse fornecimento de água pode resultar na morte de muitas dessas galinhas.

Outra importante fonte de consumo de água está ligada à produção das rações – especialmente do milho. Alguns economistas afirmam que 70% do custo de produção de uma galinha e, diretamente dos ovos, está no preço do milho.  

Cada quilograma de milho produzido pode consumir até 900 litros de água. Aqui abro um parêntese especial para os sistemas de irrigação pouco eficientes usados pela maioria dos produtores, onde grandes volumes de água acabam sendo desperdiçados, especialmente pela evaporação do excedente. 

A água, como todos devem saber, é um insumo essencial para a produção agropecuária que nem sempre está disponível nas quantidades adequadas ao longo do tempo. Tanto a falta de água em períodos de seca quanto o excesso em épocas extremamente chuvosas podem afetar a produção do milho e, consequentemente, elevar o preço final do produto. 

Também é importante citar que o milho é uma comoditie com formação de preço determinada pelo mercado mundial. Um problema climático em uma região de grande produtividade poderá reduzir ou quebrar a produção local e levar a um aumento no preço do produto nos mercados. Uma nevasca fora de época no chamado Corn Belt – o cinturão do Milho dos Estados Unidos, poderá elevar os custos de um pequeno produtor de ovos no sertão de Minas Gerais. 

Feitas as devidas contas ao longo de toda a cadeia de produção – desde o milho no campo até a galinha na granja (o que considera o total de ovos que a ave produzirá ao longo da vida) e o ovo na prateleira do supermercado, chegamos ao surpreendente consumo de 200 litros de água para cada ovo produzido

Epidemias e doenças que afetam as galinhas também tem um enorme potencial para aumentar os preços dos ovos. Cito aqui uma grande epidemia de gripe aviária provocada pelo vírus H5N1 que devastou a produção norte-americana de ovos em 2024. Mais de 150 milhões de aves foram afetadas e tiveram de ser sacrificadas pelos avicultores, o que resultou num aumento explosivos dos preços dos ovos no país. 

Além desses fatores ambientais, climáticos e epidemiológicos, também entram na conta aumentos de custos nos combustíveis, na energia elétrica, na mão de obra, entre muitos outros. Como fica bem fácil de se entender, o aumento no preço dos ovos não foi causado por um ou outro “pilantra”, mas sim por todo um somatório de diferentes fatores e causas. 

A conta, é claro, todos nós estamos pagando… 

O “CAMINHO” DA DISCÓRDIA NA COP 30 DE BELÉM 

A COP 30 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas 2025, que será realizada na cidade de Belém do Pará em novembro, vem sendo vendida pelos organizadores como uma grande oportunidade para mostrar a Amazônia para o mundo. Aliás, Belém é conhecida como o “portal de entrada da Amazônia”. 

Infelizmente, a escolha da cidade vem criando uma série de desgastes para o país. Com cerca de 1,3 milhão de habitantes, Belém é uma típica grande cidade brasileira cheia de problemas sociais, econômicos e, especialmente, de falta itens de infraestrutura dos mais elementares. 

Para começar, a “sede” da COP 30 carece de redes de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos. De acordo com informações do Instituto Trata Brasil, Belém está na lista das 100 maiores cidades brasileiras, porém, ocupando a 93ª posição no ranking do saneamento básico

Outro ponto que chama atenção é a habitação – cerca de 60% da população da cidade vive em habitações precárias em favelas e cortiços. Belém é considerada a capital brasileira mais favelizada. 

No quesito transporte, a imagem da cidade também sai bastante arranhada. Os sistemas de transporte coletivos são precários e, muito pior, faltam boas avenidas para interligar bairros mais distantes à área central da cidade. 

Foi justamente com o objetivo de “maquiar” esse último problema, que o Governo do Estado resolveu desengavetar um projeto que estava parado desde 2012 – a construção da Avenida Liberdade, uma via com 13 km de extensão que está sendo “vendida” com essencial para a mobilidade na Região Metropolitana de Belém. 

Chama a atenção a velocidade de execução da obra, cujo projeto parou no passado devido a preocupações ambientais. O trajeto corta um grande fragmento de floresta, Amazônica diga-se de passagem, criando o isolamento da fauna e flora local. Outro problema é a necessidade de aterramento de áreas úmidas para que seja feito o nivelamento da base da rodovia. 

Quem tem algum conhecimento de biologia sabe que o isolamento de áreas e fragmentos florestais é uma das principais causas de extinção de espécies animais e vegetais. A construção de ferrovias, estradas e represas cria uma barreira para a livre circulação da fauna, um problema que desencadeará no enfraquecimento genético de muitas espécies de animais. 

Esse isolamento também traz uma série de prejuízos para espécies vegetais que usam esses animais para a dispersão de sementes. Um lagarto, por exemplo, come uma fruta de uma árvore numa determinada área da mata e vai eliminar as sementes junto com suas fezes em uma área distante. Com restrições na circulação dos animais, as espécies vegetais não conseguirão garantir sua sobrevivência no longo prazo. 

Imagens de árvores sendo derrubadas para a construção da avenida e o empilhamento de troncos cortados sobre o solo desnudo (vide a imagem acima) começaram a circular em redes sociais e meios de comunicação de todo o mundo, criando indignação e críticas por todos os lados. Falando grosso modo – a conferência onde serão discutidas as soluções e os caminhos para a preservação do clima e de áreas florestais está provocando a destruição de um trecho da icônica Floresta Amazônica. 

Autoridades do Governo do Pará e organizadores da conferência assumiram uma postura defensiva afirmando que a nova avenida é “sustentável” e essencial para a cidade. Inclusive, foi divulgado que a obra não está incluída no conjunto de mais de 30 iniciativas em desenvolvimento para a realização da COP 30. 

Segundo a narrativa oficial, o trecho já havia sido desflorestado no passado para a criação de uma estrada de serviço que foi usada para a construção de uma linha de transmissão de energia elétrica e a construção da nova avenida não implicará na derubada de mais árvores. Entretanto, está sendo difícil fazer essa narrativa colar diante das imagens de pilhas de troncos que estão circulando pelo mundo afora.

O resumo dessa “ópera bufa” que está se desenrolando na cidade – segundo a organização da conferência , não há nenhum mal em destruir um pequeno trecho da Floresta Amazônica por conta do nobre ato de salvar a Floresta Amazônica! 

Pessoalmente, eu costumo chamar algo assim de hipocrisia. Porém, estou aberto a comentários e explicações. 

Para saber mais: A NOSSA AMAZÔNIA

A REVOLUÇÃO SILENCIOSA DAS AERONAVES AGRÍCOLAS MOVIDAS A ETANOL 

Quem acompanha com alguma atenção a política internacional, em especial as narrativas sobre a destruição acelerada do meio ambiente e dos recursos naturais, deve ter reparado que as coisas mudaram bruscamente nos últimos meses. 

O principal fator dessa mudança foi a eleição do novo presidente dos Estados Unidos – Donald Trump, mais conhecido entre as massas como o “laranjão”. Desde os tempos de sua campanha ao longo da corrida presidencial, Trump já “assustava” o mundo com muitas de suas propostas radicais – econômicas, políticas e ambientais. 

Eleito e empossado, Trump passou a colocar seu discurso em prática e uma das suas primeiras medidas na área ambiental foi retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, conjunto de acordos internacionais que tem como principal objetivo a redução das emissões de GEE – Gases de Efeito Estufa, como forma de reduzir o aumento das temperaturas globais. 

A saída dos Estados Unidos da América, maior potência econômica, política e militar do mundo, enfraqueceu (para não falar que feriu de morte) o Acordo de Paris. Uma das ameaças mais iminentes dessa ruptura é representada pela COP30 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, prevista para o início de novembro em Belém do Pará. 

Conhecida como o portal de entrada da Amazônia, Belém foi escolhida como sede da conferência com o claro objetivo de atrair os olhos da comunidade internacional para grande e ameaçada floresta equatorial. Entretanto, a cidade de mais de 1,3 milhão de habitantes é repleta de problemas sociais e ambientais. Citando um único exemplo – é considerada a capital estadual mais favelizada do Brasil, com cerca de 60% de sua população vivendo em habitações precárias. 

Além de problemas mais elementares de infraestrutura, Belém possui uma rede hoteleira que, nem de longe, tem capacidade para hospedar a quantidade de visitantes esperados para a COP30. A saída dos Estados Unidos e sua grande “carteira” recheada de dolares, complicará ainda mais e talvez até inviabilize a realização da conferência.

E sem os valorosos membros da “invencível armada ambiental de Brancaleone”, quem poderá defender as florestas contra os grandes latifundiários e os agricultores destruidores do mundo natural? 

Entre muitos outros, são os próprios agricultores “malvadões” que estão implementando uma série de medidas para a preservação do meio ambiente. Um exemplo são as áreas de reserva legal de matas em suas terras. Muito mais do que obedecer a legislação vigente, essas áreas são essenciais para a preservação de nascentes e cursos de água, um recurso essencial para a produção agropecuária. Logo, proteger florestas é advogar em causa própria.

Uma outra interessante iniciativa, quase nunca comentada pelos grandes veículos de comunicação, é o uso crescente de aeronaves de pulverização agrícola com motores alimentados a etanol, um combustível renovável produzido a partir da cana de açúcar. Esse é o mesmo combustível utilizado por milhões de automóveis que contam com motores do tipo flex

De acordo com informações do Sindag – Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola, o Brasil possui atualmente 2.088 aviões agrícolas em operação. Desse total, 1/3 dos aviões utiliza motores alimentados com etanol, o que torna essa a maior frota aérea movida a biocombustível do mundo. 

A grande vedete do mercado é o Ipanema, um avião agrícola que vem sendo fabricado pela Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica, desde de 1973. O Ipanema tem capacidade de pulverizar uma área de 200 hectares por hora e vem sendo oferecido com motor a etanol desde 2004. A aeronave já está na sétima geração, com um total de mais de 1.600 unidades vendidas. 

O uso de combustíveis sustentáveis pela agricultura deverá crescer ainda mais nos próximos anos – a empresa alemã Bosch acaba de apresentar um novo motor flex que utiliza tanto o diesel quanto o etanol. Isso abrirá caminho para o uso crescente do etanol em máquinas agrícolas, geradores elétricos e caminhões, entre outras máquinas. 

Enquanto ambientalistas, políticos, artistas e outros famosos rosnam ferozmente em favor da defesa e proteção do meio ambiente, gente anônima e trabalhadora alia silenciosamente produção agrícola e proteção ambiental – uma doce e poética ironia.