O CONVÍVIO COMPLICADO ENTRE AEROPORTOS E POPULAÇÕES ANIMAIS VIZINHAS 

Na última postagem falamos de um problema inusitado no Aeroporto Eurico Aguiar Salles, na cidade de Vitória no Espírito Santo. Um piloto que acabou de pousar informou à torre de comando que a pista estava infestada de caranguejos, informação que paralisou todas as operações no aeroporto por um bom tempo. 

Conforme comentamos no texto, essa “invasão” dos crustáceos foi uma espécie de resposta ã invasão das áreas de manguezais da região pelo aeroporto. Lamentavelmente, a presença de caranguejos na pista é o menor dos problemas dos aeroportos – existem comunidades de animais instaladas nas proximidades destas infraestruturas que são muito mais perigosas para a aviação

De acordo com informações do Ranking Brasileiro de Severidade Relativa de Espécies da Fauna, uma publicação do CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, as aves são os animais que trazem maiores riscos para a operação de aeroportos. 

De acordo com esse ranking, as espécies mais problemáticas são o urubu-da-mata (Cathartes melambrotus), tesourão (Fregata magnificens), urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), urubu-de-cabeça-amarela (Cathartes burrovianus), urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura), entre inúmeras outras espécies de pássaros. 

Um detalhe curioso desse ranking é que nas 30 primeiras posições, apenas uma única espécie de mamífero é relatada – cachorros domésticos. Todas as demais posições são ocupadas por aves. 

De acordo com informações do CENIPA, acontecem mais de 2 mil colisões de pássaros com aviões no Brasil a cada ano. De acordo com uma estatística do órgão relativa a 2019, 185 dessas colisões (birdstrikes em inglês) foram consideradas graves. 

A maior parte dessas colisões graves envolveu aves de maior porte: 33 foram com urubus de diversas espécies, 19 com quero-quero (Vanellus chilensis) e 13 com carcarás (Caracara plancus). 

Um dos casos mais famosos de colisão de pássaros com uma aeronave, e que mostra que esse não é apenas um problema brasileiro, foi o caso do voo 1549 da US Airways, que acabou sendo levado para as telas do cinema com o título “Sully, o herói do rio Hudson”, de 2016, com Tom Hanks no papel principal. 

Esse voo partiu do Aeroporto LaGuardia, em Nova York, em 15 de janeiro de 2009. Poucos minutos após a decolagem, a aeronave se chocou com um enorme bando de aves, o que resultou na perda dos dois motores. Sem outra opção de retorno segura, o comandante Chesley Burnett Sullenberger III optou por um pouso de emergência no rio Hudson. Todos os 150 passageiros foram salvos. 

Como fica bem fácil de notar pelas estatísticas, os urubus são as aves que mais se envolvem em acidentes com aeronaves. Urubus são aves de grande porte que podem pesar de 1,5 a 12 quilos a depender da espécie. Essas aves são necrófagas, ou seja, se alimentam de animais mortos e de carnes em decomposição. 

Na natureza, o papel ecológico ocupado por essas aves é essencial. Ao comerem a carcaça de animais mortos, os urubus evitam que doenças e pragas dos mais diferentes tipos sejam propagadas por diferentes vetores. Aliás, a Lei de Crimes Ambientais (Lei Número 9.605 de 1998), é categórica em afirmar que urubus não podem ser mortos nem maltratados.  

Eu lembro bem das minhas férias escolares na infância, quando toda a minha família viajava par o sítio de parentes no Oeste Paulista. Era comum avistar grandes bandos de urubus voando nos horizontes ao largo das rodovias durante essas viagens. Dentro da cidade grande era raro ver uma dessas aves. 

De alguns anos para cá, pelo menos é essa a minha sensação, o número de urubus aqui na minha cidade – São Paulo, cresceu muito. Eu moro num condomínio grande com sete torres de apartamentos onde diversos casais dessas aves têm ninhos na laje superior. A explicação para isso é a grande presença de lixões e aterros clandestinos na cidade. 

Esses lixões se transformaram em áreas de alimentação para os urubus, que com comida em abundância e espaço de sobra para a construção dos ninhos, se multiplicaram sem controle e são vistos às centenas no horizonte e céus das cidades.  

Criminosamente, muitos destes lixões foram criados nas proximidades das cabeceiras de pistas dos aeroportos. As operações de pouso e decolagem ganharam um componente de risco extra, risco aumentado significativamente para aviões menores como os jatinhos executivos 

À coisa de uns vinte e cinco anos atrás, o dono de uma grande construtora, onde eu viria a trabalhar em tempos mais recentes, por muito pouco não viu seus dias encerrados em um grave desastre aéreo. Em uma viagem a trabalho num dos jatinhos da empresa (grandes construtoras costumam ter jatos particulares para uso em “serviço”), a poucos minutos do pouso em Belém, a aeronave sofreu um forte impacto seguido da explosão de uma das turbinas.  

Graças à perícia e à grande experiência do piloto, segundo relato que ouvi anos depois do próprio empreiteiro, foi possível compensar a potência do avião acelerando o segundo motor e fazer um pouso de emergência no aeroporto.  

Semanas depois do acidente, o relatório oficial das autoridades aeronáuticas confirmou a suspeita inicial do piloto: a turbina sugou um dos muitos urubus que planam nas proximidades do aeroporto, provocando assim a explosão da turbina.  

O número de acidentes aeronáuticos, diga-se de passagem, raramente fatais, envolvendo impactos de urubus contra a fuselagem ou contra as turbinas de aviões em voo cresceu muito nos últimos anos, particularmente em países “em desenvolvimento” como o nosso – a concentração de renda e muita gente vivendo do lixo são características comuns entre esses países. 

Ou seja – o problema com os caranguejos no aeroporto de Vitória é fichinha perto das centenas de lixões clandestinos nas cidades e dos milhares de urubus que sobrevoam as pistas de aeroportos por todo o Brasil. 

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