
Na postagem anterior falamos de um novo tipo de poluição das águas – a dos resíduos de medicamentos, particularmente de antibióticos. É inquestionável a importância desses medicamentos em nossas vidas, porém, não podemos fugir por muito mais tempo dos problemas criados pelos resíduos que são descartados no meio ambiente.
O primeiro antibiótico criado foi a penicilina, descoberta acidentalmente por Alexander Fleming quando estudava a bactéria Staphylococcus aureus em 1928. Essa bactéria causava inúmeras infecções graves em soldados feridos em combate. No seu experimento, Fleming observou que fungos do gênero Penicillium surgiram na cultura e impediam o desenvolvimento das bactérias. Está descoberta levou ao desenvolvimento da penicilina, lançada em 1940, o que mudou para sempre a medicina.
O uso prolongado ou exagerado de antibióticos, como sabemos, gera efeitos colaterais importantes. O principal deles é o risco das bactérias que estão sendo combatidas criarem resistência à medicação, tornando seu efeito inócuo. E o que tem se observado com frequência cada vez maior é a ocorrência desse mesmo problema em microrganismos presentes no meio ambiente expostos a resíduos de antibióticos carreados por águas residuárias.
Um problema muito parecido está ocorrendo com resíduos de uma outra medicação importante da vida moderna – os contraceptivos. Estudos mostram que espécies animais aquáticas estão tendo o seu metabolismo afetado por resíduos desses medicamentos presentes em corpos d`água. Vamos entender isso:
Os estudos para o desenvolvimento do primeiro contraceptivo ou anticoncepcional sintético de uso oral começaram no início da década de 1950, quando os pesquisadores norte-americanos Gregory Pincus e John Rock receberam um financiamento levantado por militantes feministas. Os pesquisadores passaram a estudar os efeitos da progesterona na prevenção da ovulação. Em 1955, a equipe divulgou que os estudos clínicos haviam sido bem sucedidos.
A FDA – Administração de Alimentos e de Medicamentos dos Estados Unidos, na sigla em inglês, aprovou o uso do medicamento Enovid como regulador menstrual em 1957. Em 1960, a FDA aprovou o uso desse medicamento como contraceptivo. Surgiu assim a chamada “revolução sexual” na década de 1960.
Assim como acontece com outros medicamentos, resíduos do coquetel de hormônios dos contraceptivos são eliminados dos corpos das mulheres principalmente através da urina e, pela simples falta de sistemas de coleta e de tratamento de esgotos ou por sistemas de tratamento inadequados, esses resíduos acabam contaminando os corpos d`água e afetando espécies aquáticas.
Um estudo conjunto de pesquisadores do IGB – Institute for Genomic Biology, de Illinois nos Estado Unidos, e da Universidade de Wroclaw, na Polônia, constatou os efeitos dessa contaminação em sapos. Apesar de serem espécies terrestres, os sapos passam uma parte importante se suas vidas na água (vide foto), o que torna esses animais susceptíveis a contaminações de origem hídrica.
Os pesquisadores compararam os efeitos do etinilstradiol, um composto artificial que imita o estrogênio, em três espécies de anfíbios. o sapo com garras africano (Xenopus laevis), girinos do sapo europeu de árvore (Hyla arborea) e também o sapo verde europeu (Bufo viridis).
As conclusões dos estudos foram preocupantes: entre 15% e 100% dos espécimes machos observados nos experimentos sofreram um processo de feminilização genética por causa do hormônio sintético presente na água. Essas alterações no sistema hormonal e no desenvolvimento sexual dos animais ameaçam diretamente a reprodução e podem levar a um declínio de suas populações na natureza.
Os cientistas alertaram ainda para o fato de as estações de tratamento de esgotos não estarem preparadas para remover resíduos de fármacos dos efluentes tratados, algo que aumenta ainda mais a extensão do problema. Ou seja – o problema afeta tanto regiões pobres onde os esgotos são lançados diretamente nas águas dos rios quanto as regiões ricas que tratam seus esgotos.
Estudos realizados na década de 1990, por pesquisadores da Universidade de Brunel, de Uxbridge na Inglaterra, já haviam observado esse problema em peixes. A análise do sangue de peixes de rios revelou a presença de grandes quantidades de uma proteína chamada gema, cuja síntese no fígado é controlada pelo hormônio estrogênio.
Em condições naturais, peixes machos não produzem quantidades significativas de estrogênio e, consequentemente, tem baixíssimos níveis de gema na sua corrente sanguínea. Os pesquisadores observaram que os níveis de gema em peixes machos aumentavam à medida que os espécimes capturados viviam em habitats mais próximos das saídas de efluentes de estações de tratamento de esgotos.
Estudos posteriores demonstraram que a origem do problema eram os resíduos de contraceptivos presentes nos efluentes de esgoto tratado. Assim como foi observado nos sapos, esses resíduos hormonais produziam alterações no metabolismo dos peixes, tornando os animais feminilizados e sujeitos aos mesmos problemas de reprodução.
A possibilidade de problemas semelhantes afetarem machos da espécie humana é bastante remota uma vez que o organismo humano é muito maior que o de peixes e de anfíbios – seria necessário o consumo de muitos milhares de litros de água para que o volume desses resíduos de contraceptivos atingisse uma quantidade significativa.
Entretanto, é sempre importante lembrarmos que não vivemos sozinhos no planeta. Todas as vidas animais e vegetais vivem em equilíbrio no meio ambiente – o desaparecimento ou a redução de uma população de peixes ou de anfíbios pode provocar o crescimento de uma outra população animal ou vegetal danosa para a espécie humana.
É fundamental que as pesquisas continuem a fim de entendermos cada vez melhor esses mecanismos. Também é importante que se desenvolvam melhores tecnologia de tratamento de efluentes e, acima de tudo, que se popularize cada vez mais a coleta e o tratamento dos esgotos em todo o mundo.
Os avanços na qualidade de vida que a humanidade conseguiu ao longo das últimas décadas por causa do desenvolvimento de importantes fármacos não pode, de maneira alguma, se voltar contra nós.
Esse estudo é sobre contraceptivo e sapos. Agora, se os estudos avançarem para outras espécies vegetais e animais e outras drogas entrarem, o estrago é muito maior. O uso de entorpecentes com certeza terá destino os esgotos. Seria essa a explicação de tantas crianças apresentarem deficiências de aprendizagem. Fico me perguntando?
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