OS DANOS CAUSADOS PELO AVANÇO DO MAR CONTRA O CALÇADÃO DE PERUÍBE, OU FALANDO DO AUMENTO DO NÍVEL DOS OCEANOS

Ontem à tarde, caminhando pela orla da cidade de Peruíbe, no litoral Sul do Estado de São Paulo, pude conferir o estrago que o avanço contínuo das ondas está causando à mureta da praia, à calçada e ao pavimento da via litorânea. No início do último mês de fevereiro, uma grande parte da orla da cidade já havia sofrido grandes estragos por causa de fortes chuvas e do mar agitado – muito do que foi reconstruído há época voltou a ser destruído agora. 

Grandes trechos da antiga mureta da praia, que havia sido construída com blocos de concreto, foram substituídos por paredes de pedra empilhada. Apesar de mais flexíveis, essas novas estruturas continuam sofrendo com a alta das marés, com o bater constante das ondas e muitos blocos já foram derrubados. Um detalhe que chama a atenção – até alguns anos atrás existiam faixas de vegetação de restinga junto a essa mureta – a faixa de areia está completamente nua agora.

Trechos do gramado plantado ao lado da ciclovia e da passarela de pedestres mostram sinais de erosão – a água do mar tem atingido a grama e está provocando afundamentos, sinal que a água está se infiltrando por baixo da terra. Coqueiros plantados em boa parte desse trecho gramado, ou estão caídos ou tortos.

Na Avenida Governador Mário Covas, a via litorânea da cidade, existem duas grandes crateras – uma que está bloqueando apenas uma das faixas e outra que interditou completamente a passagem de veículos. No ano passado, o local onde se encontra uma dessas crateras passou por uma grande obra para a reforma da canalização de um córrego que desagua na praia – foi justamente através do canal do córrego que as ondas do mar entraram e destruíram quase que completamente a canalização. 

Esse tipo de “paisagem” está se tornando frequente em praias por todo o Brasil e também em muitas regiões do mundo. Aqui no blog já falamos, entre outros, de casos semelhantes como da Ponta da Praia, na cidade de Santos, da Praia da Macumba (vide foto), no Recreio dos Bandeirantes na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e ainda dos estragos em praias da cidade de Florianópolis, em Santa Catarina. Em todas essas localidades, o mar está avançando contra as praias e causando enormes estragos aos calçamentos e também provocando grandes transtornos para os moradores e frequentadores. 

Provavelmente, as grandes vilãs dessas e de muitas outras tragédias ambientais que estamos assistindo nos últimos anos são as mudanças climáticas globais, ligadas diretamente ao aumento contínuo das temperaturas do planeta. A incerteza da frase é proposital – ainda existem muitas dúvidas científicas sobre a real participação das atividades humanas nesses eventos e quais são as causas naturais que podem também estar por trás dessas mudanças. Para que todos entendam o que isso quer dizer, vou citar o exemplo de um evento natural de mudança climática que provocou grandes estragos séculos atrás: 

Entre os séculos XIII e XVII, a Europa enfrentou um período de forte resfriamento e que entrou para a história como a Pequena Idade do Gelo. Entre outras consequências, a queda nas temperaturas da região forçou os vikings a abandonar todo o Sul da Groenlândia, onde suas colônias conseguiam praticar agricultura e criar gado. A Islândia perdeu metade da sua população e a Finlândia cerca de 1/3. Em 1607, o famoso rio Tâmisa da Inglaterra congelou pela primeira vez na história. 

Na região dos Alpes, as geleiras avançaram na direção de vilas e pequenas cidades, matando milhares de pessoas. Na Holanda, os famosos canais de navegação passaram a ficar frequentemente congelados. No inverno de 1780, toda a costa fluvial da cidade de Nova York ficou congelada e passou a ser possível ir andando da ilha de Manhattan até a ilha de Staten Island. Todo o comércio e transportes marítimos na região ficaram bloqueados por vários meses. 

O frio intenso na Europa nesse período criou uma forte demanda por peles de animais, que eram usadas na confecção de casacos e chapéus. Um caso interessante da história do Brasil e que podemos associar diretamente a esse mercado de peles é a descrição da carga da nau La Pèlerine, um navio de contrabandistas franceses que foi capturado por forças portuguesas em 1532 em Pernambuco. Além de grande quantidade de toras de pau brasil, a carga da nau incluía cerca de 3 mil peles de animais, especialmente de onças

Um outro caso interessante é o da Rússia do Czar Ivan, o Terrível (1530-1584). De olho nos altos ganhos do mercado de peles há época, o Czar do então paupérrimo país passou a incentivar a caça de animais selvagens por toda região Central da Rússia e, em especial na Sibéria, que naquela época era uma espécie de terra de ninguém. Além dos altos ganhos financeiros obtidos com a venda das peles, os russos consolidaram a posse de extensas áreas do Norte da Ásia. 

A partir de 1770, ano em que ocorreram algumas das temperaturas mais baixas do período, o frio começou a diminuir e as coisas foram voltando ao normal. No ano de 1850 houve uma nova queda acentuada nas temperaturas no inverno, mas acabou sendo um caso isolado. 

A Revolução Industrial, período que marcou o início da queima de fabulosos volumes de carvão mineral e que é considerado por muitos como o marco inicial das mudanças climáticas que estamos vivendo atualmente, só teve seu início no final da Pequena Era do Gelo. Portanto, não há como argumentar que essa grande mudança climática foi provocada por ações humanas. Uma hipótese que é considerada como a causadora desse evento é o Mínimo de Maunder

Entre 1645 e 1714, os antigos astrônomos observaram uma brusca redução nas manchas e também nas tempestades solares, o que pode indicar que houve uma redução na radiação solar que chegou até a superfície da Terra no período, causando assim a queda das temperaturas. Um dos astrônomos envolvidos nos estudos dessas antigas observações foi Edward W. Maunder (1851-1928), que acabou dando seu nome para o fenômeno. 

Em nossos dias, o problema está sendo justamente o oposto do que ocorreu na Pequena Era do Gelo – as temperaturas no planeta estão aumentando, o que tem levado ao derretimento de grandes volumes da capa de gelo do Ártico e da Antártida, além de provocar o desaparecimento de grandes geleiras em montanhas. Também são notáveis o aumento do nível dos oceanos e as mudanças nos padrões da chuva em muitas regiões, além de muitos outros problemas climáticos sérios. 

Para que todos tenham uma ideia da situação que nós estamos vivendo – estudos recentes indicam que o degelo na Antártida está atualmente com uma velocidade seis vezes maior do que era registrado há 40 anos atrás. O mesmo artigo, publicado na revista científica norte-americana PNAS – Proceedings of the Academy of Sciences, afirma que o derretimento do gelo antártico produziu um aumento do nível do mar de 1,4 centímetro entre 1979 e 2017

Isso pode até não parecer muita coisa, mas estamos falando de uma lâmina de água cobrindo toda a extensão dos oceanos do mundo, o que corresponde a cerca de 363 milhões de km². As correntes de água fria da Antártida que correm para os oceanos também estão causando mudanças na direção de correntes marítimas importantes e interferindo na formação de massas de chuvas em diferentes continentes.  

É justamente esse pequeno aumento do nível dos oceanos que pode estar por trás do forte avanço do mar contra as praias de Peruíbe, Santos, Rio de Janeiro, Florianópolis, entre muitas outras. 

A forte seca que está atingindo grandes áreas do Brasil Central e ameaçando a geração de energia elétrica, muito provavelmente tem parte de suas origens em mudanças climáticas que estão ocorrendo nos oceanos. A outra responsável pelo problema já é bem conhecida – trata-se de La Niña, um fenômeno climático global que, de tempos em tempos, dá suas caras aqui no Brasil e causa muitos problemas. 

Falando de forma figurada, as mudanças climáticas globais ‘têm rabo de gato, focinho de gato, deixam pegadas iguais às dos gatos e, muitas testemunhas, até juram ter ouvido um miado parecido com o de um gato‘. Porém, falta que a ciência apresente um teste de DNA feito em um pelo desse gato e que comprove realmente se tratar de um gato, ou melhor, de mudanças climáticas globais. Nas ciências as coisas funcionam assim – não dá para “ficar achando” – é preciso provar! 

O lado bom, se é que existe um lado bom em tudo isso, é que cada vez mais cientistas estão passando a acreditar que as ações antrópicas (ou seja, causadas pelos seres humanos) são as grandes responsáveis por tudo isso e estão influenciando Governos a agirem e a dar um basta em grande parte das causas das mudanças climáticas globais. 

Nas próximas postagens vamos falar mais sobre o derretimento da capa de gelo da Antártida e suas “prováveis” consequências para o aumento do nível dos oceanos. 

13 Comments

  1. […] De acordo com vários estudos climáticos, onde se incluem simulações em computador, esse aumento no número de furacões nessa região se deve a um aumento na temperatura das águas do Oceano Atlântico numa faixa entre o Sul do Estado norte-americano da Flórida, o Norte da América do Sul e a costa da África. Por trás desse aumento das temperaturas do mar estão as mudanças climáticas globais.  […]

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