OS BAIXOS NÍVEIS DOS RESERVATÓRIOS BRASILEIROS E OS RISCOS PARA A GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Neste último ano, todas as atenções do mundo têm se concentrado na pandemia da Covid-19. Conforme já comentamos em postagem anterior, desde as grandes “pestes” da Idade média e da grande epidemia da Febre Espanhola entre os anos de 1918 e 1919, a humanidade não enfrentava uma crise médica e sanitária de tamanha magnitude. 

Notícias sobre a pandemia vêm ocupando a maior parte dos espaços dos noticiários na internet e nos meios de comunicação mais tradicionais, deixando outras notícias importantes relegadas a planos bem secundários. Uma notícia bastante preocupante e que tem conseguido pouco destaque nas mídias são os baixos níveis de grandes reservatórios de usinas hidrelétricas, uma situação que cria riscos para o abastecimento de energia elétrica do país

Segundo dados da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, a geração de energia elétrica a partir de fontes hidráulicas responde por cerca de 61% de toda a eletricidade consumida no país. Apesar de ser considerada uma das fontes de geração mais sustentáveis do ponto de vista ambiental (desconsiderando-se, é claro, os grandes impactos ambientais criados pela construção das barragens e com o represamento das águas), a geração hidrelétrica é altamente dependente das condições normais do clima e das chuvas regulares de todos os anos.

Desde o final de 2020, a NOAA – Administração Atmosférica e Oceânica dos Estados Unidos, na sigla em inglês, vem observando uma redução de 1,2° C na temperatura das águas superficiais de uma extensa faixa do Oceano Pacífico, um dos sinais mais evidentes da ocorrência do fenômeno climático La NiñaE, segundo as projeções da NOAA, será o terceiro La Niña mais intenso dos últimos 20 anos

La Niña provoca uma série de mudanças nos padrões climáticos de todo o mundo. Aqui no Brasil, a presença de La Niña causou fortes tempestades e chuvas acima da média em algumas regiões como no Pantanal Mato-Grossense no início deste ano. Em outras regiões, porém, aconteceu justamente o contrário – as chuvas ficaram abaixo da média. Para completar o quadro, o inverno de 2020 foi um dos mais secos dos últimos anos e o retorno das chuvas em muitos lugares atrasou em cerca de 15 dias. 

As regiões mais fortemente atingidas pela seca foram o Sudeste o Centro-Oeste do Brasil, justamente onde se encontram os maiores e mais importantes sistemas de geração hidrelétrica do país. Cerca de 70% da energia elétrica gerada no Brasil vem de usinas hidrelétricas que estão concentradas nessas regiões

Como consequência direta dessa seca, nosso país poderá enfrentar a maior crise energética dos últimos 91 anos. Nas palavras do Ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, “Isso tem levado a adoção de medidas excepcionais a fim de garantir a segurança e continuidade do suprimento”

Entre as medidas já adotadas pelo Governo Federal está o acionamento das usinas termelétricas, a maior parte delas movidas a partir da queima do carvão mineral, uma geração que além de muito poluente é muito mais cara que a geração hidrelétrica. A maior parte dessas usinas termelétricas foram construídos no início da década de 2000, tempos do famigerado “apagão” do sistema elétrico brasileiro. 

Há época, o país enfrentou uma situação de seca semelhante a atual, o que comprometeu fortemente a geração de energia elétrica – sem contar com fontes alternativas para a geração de eletricidade, foi decretado um “draconiano” racionamento de energia elétrica no país, uma medida que causou enormes problemas econômicos e que resultou em mudanças políticas no país. 

Além da falta de chuvas, a geração de energia elétrica no Brasil amargava àquela altura mais de uma década de falta de investimentos em geração e distribuição de energia elétrica. Um plano de racionamento de energia elétrica precisou ser elaborado às pressas e impôs uma redução obrigatória de 20% no consumo de energia para quase todas as regiões brasileiras. A única exceção foi Região Sul, que contava com reservatórios cheios, porém, não existiam linhas de transmissão que permitissem a distribuição dos excedentes de energia gerados para o restante do país. 

Para conseguir apoio da população às medidas de racionamento, o Governo Federal estipulou uma série de benefícios para os consumidores que conseguissem cumprir a meta e também se especulou criar punições para quem não conseguisse, o que, felizmente, acabou não sendo implementado. No dia 7 de dezembro de 2001 choveu fortemente em grande parte do país, o que contribuiu para uma sensível alta no nível de vários reservatórios.  

Em 19 de fevereiro de 2002 o racionamento de energia elétrica foi suspenso, mas não os estragos políticos e econômicos. De acordo com uma auditoria realizada pelo TCU – Tribunal de Contas da União, em 2009, o “apagão” do Sistema Elétrico Brasileiro causou um prejuízo ao Tesouro de R$ 45,2 bilhões em valores há época. Alguns cálculos indicam que essas perdas foram de R$ 320,00 para cada brasileiro

Em comparação à situação de 20 anos atrás, a atual crise energética encontra um país melhor estruturado. Foram construídas três grandes usinas hidrelétricas na Bacia AmazônicaSanto Antônio e Jirau no rio Madeira em Rondônia, e Belo Monte no rio Xingu no Pará, regiões que têm uma temporada de chuvas independente do que ocorre no restante do país 

Também se destacam os grandes investimentos feitos em fontes alternativas de geração de energia elétrica – solar, eólica e queima de biomassa. De acordo com informações da ABEEÓLICA – Associação Brasileira de Energia Eólica, a capacidade instalada do setor em setembro de 2020, era de 16,68 GW, o que corresponde a cerca de 10% da geração elétrica do país. 

A geração de energia fotovoltaica ou solar também teve um crescimento expressivo nos últimos anos e já representa cerca de 5% da geração de energia elétrica do Brasil. De acordo com dados da ABSOLAR – Associação Brasileira de Energia Solar, a geração de energia elétrica a partir de painéis fotovoltaicos no Brasil atingiu a marca de 7,5 GW em 2020, o que equivale à metade da capacidade instalada da Usina Hidrelétrica de Itaipu

queima do bagaço da cana-de-açúcar, um subproduto da produção do açúcar e do álcool também ganhou importância. De acordo com informações do CTBE – Centro Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, entidade ligada ao CNPEM – Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, a geração elétrica a partir da queima do bagaço da cana contribui com cerca de 7% da matriz elétrica do Brasil.   

Graças ao forte crescimento dessas fontes renováveis de geração de energia elétrica, a participação das fontes hidrelétricas na matriz elétrica do país caiu de 90% no início da década de 2000 para pouco mais de 60% nos dias atuais. A crise energética atual, apesar de muito grave, é menos dramática que a de 2001. 

Nas próximas postagens vamos analisar as condições dos principais reservatórios das Regiões Sudeste e Centro-Oeste para entendermos melhor a situação que estamos vivendo. 

14 Comments

  1. […] As ameaças à geração de energia elétrica no país figuram entre as maiores preocupações dos brasileiros. Cerca de 2/3 de toda a energia elétrica consumida no país provém de fontes hidráulicas, o que coloca o Brasil numa posição de destaque em energia renovável no mundo. Mudanças climáticas globais, um tema constante nas publicações aqui do blog, podem estar alterando significativamente a distribuição das massas de chuva no país e afetando a geração hidrelétrica.  […]

    Curtir

    Responder

Deixe um comentário