O SURPREENDENTE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA NA RÚSSIA

O aquecimento global é um dos grandes pesadelos da humanidade nesse século XXI. Depois de séculos de emissões de grandes volumes de gases de efeito estufa, os sinais do aumento da temperatura do planeta são preocupantes – grandes geleiras nos Polos e no alto de grandes montanhas estão perdendo rapidamente suas massas de gelo.  

Em muitas regiões, como no caso no Oceano Índico, já são visíveis alterações nas correntes marinhas, o que tem se refletido em mudanças nos padrões de chuvas nas áreas continentais próximas. Mudanças alarmantes nas precipitação e no clima começam a ser observados em vários lugares do mundo, desalojando milhões de pessoas

Apesar de todos os riscos e preocupações que envolvem esse tema, tem gente que está se dando muito bem, obrigado, com as mudanças climáticas. Entre os mais radiantes estão os russos que vivem nas proximidades do Círculo Polar Ártico. Com o aumento constantes das temperaturas locais, o permafrost, uma grossa camada de solo permanentemente congelado da tundra, começou a derreter (vide foto) e esses regiões estão se tornando agricultáveis. 

E por mais surpreendente que possa lhes parecer, os russos estão plantando soja nessa região. Ainda são plantações experimentais de variedades de soja adaptadas para crescer em ambientes com temperaturas baixas, mas os resultados já obtidos são altamente promissores. 

As sementes de soja foram criadas por instituições russas como o Instituto de Pesquisas Pustovoit de Culturas Oleaginosas e o Instituto de Pesquisa Agrícola Chuvashia. Nos testes de campo já realizados, essas sementes germinaram com temperaturas ambientes acima de 10° C e as plantas necessitaram de 100 dias para se desenvolver. A exemplo do sucesso que pesquisadores brasileiros conseguiram ao adaptar a soja ao clima e aos solos do Cerrado, os pesquisadores russos estão extremamente otimistas. 

Em 2019, os russos colheram cerca de 1,1 milhão de toneladas de soja na área central do país. Isso pode parecer insignificante para nós brasileiros, tão acostumados que estamos de ouvir notícias sobre colheitas de dezenas e mais dezenas de milhões de toneladas de soja aqui em nossas terras. Para os russos, entretanto, isso é uma grande vitória – a produção da leguminosa cresceu 18 vezes ao longo da última década. 

As boas notícias para a agricultura da Rússia não se resumem apenas ao crescimento da produção de soja. A produção de grãos no país vem batendo sucessivos recordes e já supera a marca de 130 milhões de toneladas. O trigo é a principal estrela da agricultura russa, com a produção se aproximando de 80 milhões de toneladas, mas também se destacam centeio, cevada, colza, milho e sementes de girassol, entre outras. 

Até 2013, a Rússia precisava importar até 35% do volume total dos alimentos consumidos pela sua população. Com o crescimento da produção no país, o volume de alimentos importados atualmente é de menos de 20% das suas necessidades. Já as exportações de alimentos aumentaram cerca de 15 vezes na última década e tem como principais destinos Egito, Turquia, China e Coreia do Sul. O Brasil, inclusive, vem importando trigo da Rússia. 

Se fizermos uma rápida retrospectiva da história russa no último século, veremos que o país enfrentou, por diversas vezes, ciclos de baixa produção de alimentos e muita fome. Um dos casos mais graves se deu entre 1932 e 1933, sendo chamado por muitos historiadores de “fome soviética” ou holmodor, palavra russa que significa “matar pela fome”. Como era de praxe nos tempos da antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a maior parte das informações relativas a esse trágico período foram escondidas. 

O que se pode afirmar com certeza é que, após a implantação do regime comunista e com a estatização das propriedades, a produção agrícola no país e em seus “satélites” foi completamente desmantelada. Tentando evitar a entrega de seus bens ao Estado, os camponeses destruíam as suas fazendas e equipamentos, arrebentavam barragens de água, matavam cavalos e outros animais domésticos. Era uma espécie de política das “terras agrícolas” arrasadas.

Algumas das imagens mais chocantes desse período vem da Ucrânia, antiga República do bloco socialista – o Governo central confiscou toda a produção agrícola local nesse período, deixando os ucranianos à mingua. A Ucrania era há época uma espécie de celeiro da URSS, mas esse confisco também foi uma represália por causa de lideranças políticas locais que criticavam o Governo central. É bem fácil pesquisar e encontrar fotografias da época com ucranianos esqueléticos. As estimativas falam de um total de mortos entre 11,5 e 14 milhões nas regiões da URSS mais atingidas pela fome, principalmente na Ucrânia, na região do rio Volga e no Cazaquistão. 

Mesmo nos períodos de maior “prosperidade” do grande “Império” Soviético, problemas pontuais de produção e de abastecimento de gêneros alimentícios aconteciam por todo o antigo território da Rússia e de suas Repúblicas satélites. A principal causa desses problemas eram as falhas, muitas vezes grotescas, do sistema de planejamento central do Governo. Fenômenos meteorológicos como nevascas, secas, enchentes e vendavais, entre outros, também cobravam o seu preço. Em alguns casos, era a complicada logística de distribuição, em especial nos territórios mais isolados, o que provocava “temporadas pontuais de fome”. 

O recente e surpreendente crescimento da produção agropecuária na Rússia tem suas raízes na ocupação da região da Crimeia pelo Exército Vermelho em 2014. A região, que até então fazia parte da Ucrânia, foi incorporada ao território da Rússia sob a alegação da grande importância estratégica do porto de Sebastopol para o país. A União Europeia protestou fortemente e impôs uma série de retaliações econômicas à Rússia. Por sua vez, Moscou impôs um boicote a importações de alimentos da União Europeia e criou uma série de mecanismos para incentivar a produção local. 

A estratégia adotada pelo Governo russo vem dando bons resultados. As importações de açúcar, por exemplo, já foram reduzidas em mais de 70%; laticínios em mais de 30% e carnes em 36%. Nesse último item, aliás, o país atingiu a autossuficiência na produção de carne de porco e de frango. A produção de frutas, legumes e verduras também segue em ritmo crescente

Os resultados de todos esses esforços começam a saltar aos olhos do resto do mundo – em pleno ano de 2020, quando o mundo inteiro parou por causa da epidemia da Covid-19, a Rússia aumentou as suas exportações de grãos em 15,2%. De acordo com o serviço de estatísticas do país, o Rosstat, foram exportadas 32,2 milhões de toneladas

O trigo foi o grande destaque dessas exportações com 23,9 milhões de toneladas. Na sequência veio a cevada, com 3,5 milhões de toneladas e o milho, com 3 milhões de toneladas. Também se incluem nessa lista a farinha de trigo e a farinha mista de trigo e centeio, com 200 mil toneladas, além de 874 mil toneladas de semente de girassol. Animados com esses bons resultados, os russos planejam duplicar as suas exportações de grãos até o ano de 2025. 

A depender da vontade inquebrantável do seu povo e do aquecimento global que, ano após ano, tem seus efeitos cada vez mais evidentes, a Rússia com certeza vai chegar lá. Como estudioso dos problemas ambientais, entretanto, não sei se essa perspectiva é para se comemorar ou para chorar… 

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