A cana de açúcar que nós que conhecemos aqui no Brasil, a saccharum officinarum, é uma gramínea originária da Índia e que resulta da hibridização de diversas espécies nativas do Sudeste Asiático, incluindo plantas da própria Índia, da China, Nova Guiné, Filipinas e Malásia, entre outras localidades. Os cientistas especulam que esse processo de hibridização das plantas começou por volta do ano 6.000 a.C.
Foram os indianos que desenvolveram o processo de produção e refino do açúcar. A palavra açúcar vem do sânscrito çakkara. O açúcar a seguir passou a ser produzido na Pérsia (atual Irã) e dali foi espalhado por todo o mundo antigo pelos mercadores árabes. Os árabes adaptaram a antiga palavra em sânscrito para o árabe súkkar e posteriormente os gregos passaram a usar a palavra sáckcharon. A palavra saccharum é a transcrição latina do vocábulo grego.
Nas principais línguas da Europa ocidental e países nórdicos é bastante fácil perceber que a palavra árabe seguiu o caminho dos mercadores: açúcar, azúcar, azucre, sucre, azukre, sucre, suggar, siúcra, zucchero, suiker, zucker, sukker, socker, sukke, sykur e sokeri, respectivamente em português, espanhol, galego, catalão, basco, francês, inglês, irlandês, italiano, holandês, alemão, dinamarquês, sueco, islandês, norueguês e finlandês.
Além do açúcar, as caldas doces da planta também se prestavam à produção de bebidas alcóolicas fortes como as aguardentes aqui no Brasil e o rum na região do Mar do Caribe. Além do consumo pelas antigas populações coloniais em seus poucos momentos de descanso e lazer, grandes volumes dessas bebidas eram usados como moeda de troca nas costas da África – os traficantes pagavam parte do valor dos lotes de escravos comprados com essas bebidas e com rolos de fumo.
Em séculos mais recentes, a cana de açúcar passou a ser usada com matéria prima para a produção de álcool, um produto com largas aplicações na indústria e como combustível. As primeiras experiências com o uso do álcool como combustível no Brasil datam da década de 1920. Foi, porém, a partir de 1975, que o álcool ganhou status como um importante combustível em motores automotivos – foi nesse ano que o Governo Federal criou o Pró-álcool – Programa Nacional do Álcool. Esse grande programa foi uma resposta à crise do petróleo que o mundo enfrentava naquele momento.
Em outubro de 1973, os países membros da OPAEP – Organização dos Países Árabes Produtores de Petróleo, decretaram um grande embargo petrolífero, o que elevou rapidamente o preço do barril do produto de US$ 3.00 para US$ 12.00. Esse embargo foi uma resposta das nações árabes aos países que apoiaram Israel na Guerra do Yom Kipur, em especial os Estados Unidos, o Reino Unido, a Holanda, o Canadá e o Japão. Mais tarde, esse embargo foi estendido para outros países como Portugal e África do Sul.
Esse embargo ficou conhecido como o Primeiro Choque do Petróleo e teve fortes consequências econômicas em todo o mundo. O Brasil, que naquele momento passava por um vigoroso crescimento econômico – o chamado Milagre Econômico Brasileiro, foi fortemente impactado por essa crise. Perto de 80% do petróleo consumido no país era importado, o que causava uma enorme sangria nas reservas financeiras do país. Em 1979, o mundo viveria uma segunda crise, essa batizada de Segundo Choque do Petróleo.
Parte da resposta brasileira a essa crise veio com o lançamento do Pró-álcool. Aqui vale lembrar que vivíamos naqueles tempos o período da Ditadura Militar (1964-1985) e bastava uma ordem de uma autoridade “estrelada” para que as coisas acontecessem. Esse Programa criou uma série de incentivos fiscais para a produção e venda de veículos com motores adaptados para o uso exclusivo do álcool como combustível, assim como diversos incentivos para o plantio da cana de açúcar e a produção do álcool (ou etanol) nas usinas.
Eu tinha pouco mais de 12 anos de idade naquela época e tenho muitas lembranças dessa “revolução brasileira nos combustíveis”. Meus avós eram há época sitiantes em Lutécia, uma minúscula cidade do Centro-Oeste do Estado de São Paulo, região famosa até então pela grande produção de café. Eu lembro bem que rodovia de acesso à cidade, que antes era cercada por imensos cafezais, gradativamente teve suas margens tomadas por um infinito mar de plantações de cana de açúcar.
O primeiro carro com motor adaptado para funcionar exclusivamente com álcool combustível foi lançado no mercado em 1978 e, em 1991, cerca de 60% da frota de automóveis no Brasil era “movida a álcool”. Um detalhe importante do Pró-álcool: todos os postos de combustível do país passaram a vender esse combustível, algo que só foi possível por que vivíamos em um período de Governo ditatorial. Muitos países do mundo tentam até hoje viabilizar o uso de combustíveis alternativos como o etanol, mas, esbarram justamente na dificuldade de venda dos produtos em todos os postos de combustíveis.
Outra lembrança forte que trago daqueles tempos é o cheiro do álcool que saía dos escapamentos dos automóveis. São Paulo já era há época uma cidade grande e poluída, com centenas de milhares de veículos soltando uma grossa camada de poluição na atmosfera. O cheiro do álcool trazia um certo alívio ao ar da cidade. Estimativas falam que houve uma redução de até 40% na poluição do ar das grandes cidades há época por causa do uso crescente do etanol como combustível.
Apesar da mão forte dos militares na implantação do Pró-álcool, não deixaram de soar algumas vozes dissonantes que criticavam o Programa. Uma das críticas mais incisivas apontava o uso de algumas das melhores terras do país, como por exemplo as terras roxas do Oeste paulista, para o plantio da cana de açúcar em detrimento à produção de alimentos para a população. Outros criticavam o volume dos subsídios dados ao Pró-álcool, que consumia uma fatia substancial do orçamento do país, recursos que poderiam estar sendo utilizados em programas de educação, saúde e em saneamento básico.
Entre os defensores do Programa há uma forte referência ao volume de recursos economizados com a importação de petróleo, o que é calculado em aproximadamente US$ 15 bilhões ao longo dos dez primeiros anos de vigência do Pró-álcool. Nos nossos dias atuais isso não parece grande coisa, mas, em valores há época, isso era uma verdadeira fortuna. Também falam muito do grande número de empregos criados no campo e no fortalecimento do agronegócio brasileiro.
Um impacto ambiental importante da massificação da produção de cana de açúcar naqueles tempos foi o brusco aumento no consumo de água pelas plantações. Em média, a cana de açúcar requer, dependendo do estágio de desenvolvimento da planta, volumes de água entre 1.500 e 2.500 mm para cada metro quadrado plantado. Esse consumo é bem mais expressivo ao longo do ciclo de crescimento da planta, diminuindo na fase de maturação.
Qualquer deficiência nesses volumes de água criam mudanças morfológicas e fisiológicas nas plantas, resultando em uma redução no crescimento e no rendimento da cultura. A solução em muitas regiões foi o aumento da captação de água para irrigação das plantações, o que reduziu a disponibilidade de água para outros usos, inclusive para o abastecimento de cidades. Esse problema, que já foi muito mais grave no passado, até hoje ainda gera uma disputa entre produtores e populações em algumas bacias hidrográficas.
Continuaremos falando desse tema na próxima postagem.
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