
Regiões estuarinas e deltaicas em todo o mundo estão passando por graves problemas ambientais. Um dos casos mais graves é o que se passa na região do delta do rio Colorado no Golfo da Califórnia, onde praticamente não existe mais água doce.
O rio Colorado é um dos rios mais longos da América do Norte, com nascentes nas Montanhas Rochosas, no Estado americano do Colorado, e, ao longo dos seus 2.320 quilômetros, banha os Estados de Utah, Arizona, Nevada e Califórnia, entrando a seguir no México, onde encontra a sua foz no Golfo da Califórnia.
Suas águas respondem pelo abastecimento de 40 milhões de pessoas em sete Estados americanos e quase 90% do total dos seus caudais são desviados para fins de irrigação em 2 milhões de hectares. Sem as águas doces do rio, um pequeno cetáceo que vivia nas águas salobras do delta – a vaquita (Phocoena sinus), está praticamente extinto devido a perda do habitat.
Outra região importantíssima que está seriamente ameaçada é o Delta do rio Mekong, no Sudeste Asiático. O delta do rio ocupa uma área com aproximadamente 40 mil km², praticamente a soma dos territórios dos Estados de Sergipe e Alagoas, possuindo aproximadamente 4 mil ilhas e 3.200 km de canais. Localizado inteiramente dentro do território do Vietnã, o delta do Mekong abriga uma população de 17 milhões de pessoas, que dependem das suas águas para abastecimento, alimentação, trabalho e transportes. Uma das principais culturas agrícolas da região é o arroz.
Com a construção de diversas represas de usinas hidrelétricas a montante do seu curso, os caudais do rio Mekong estão sendo reduzidos a grande velocidade e toda a região do seu delta está sofrendo com o avanço das águas do oceano e a salinização de águas e terras. Problemas semelhantes estão ocorrendo nos estuários e deltas de rios como o Ganges, Nilo, Reno, Danúbio, entre muitos outros.
Conforme comentamos na postagem anterior, o rio São Francisco vem apresentando uma redução progressiva dos seus caudais ao longo das últimas décadas. Entre as causas desse grave problema está a acelerada destruição de vegetação nativa do Cerrado, o que reduz a contribuição de afluentes da bacia hidrográfica, e também a construção de sucessivas barragens de usinas hidrelétricas ao longo da calha do rio.
Com a redução dos caudais do rio São Francisco, a intrusão de águas do Oceano Atlântico na sua calha é cada vez maior e seus efeitos já podem ser sentidos a dezenas de quilômetros da foz. Diversas cidades e pequenos povoados da região que captavam as águas do rio para o abastecimento de suas populações estão sofrendo com os altos níveis de salinização das águas.
A água doce ou potável que todos nós consumimos diariamente é aquela que apresenta uma concentração máxima de sal de 0,5 grama por litro – já a água salgada ou dos oceanos, apresenta níveis de concentração de sal superiores a 30 gramas por litro. As águas que apresentam níveis de sal intermediários, acima de 0,5 grama/litro e abaixo de 30 gramas/litro, são chamadas de águas salobras, justamente a classificação em que se encontram as águas do Rio São Francisco em trechos próximos da foz.
Um exemplo de localidade que está sofrendo com o abastecimento de água para sua população é Potengy um distrito do município de Piaçabuçu em Alagoas. A água servida aos moradores está ficando cada vez mais salobra e inadequada ao consumo humano. Para piorar a situação, a salinidade das águas do rio São Francisco está afetando os aquíferos locais e inviabilizando o uso da água de poços. Muitos moradores precisam se deslocar por até 7 km até uma cacimba (uma espécie de poço aberto no solo) para conseguir água de boa qualidade.
Agentes de saúde da comunidade passaram a observar um aumento dos casos de hipertensão arterial entre os moradores de Potengy, um problema que pode estar associado ao consumo excessivo de sal. Uma pesquisa feita pelos próprios agentes de saúde indicou que 36% dos moradores do vilarejo estavam com hipertensão e o consumo de água com altos níveis de sal é a causa mais provável dessa verdadeira “epidemia” de hipertensão. Esse problema está se tornando comum em toda a região do baixo curso do rio São Francisco.
Outro problema preocupante na região são os impactos do uso de água com altos níveis de salinidade na irrigação de culturas agrícolas, especialmente em campos de produção de arroz. A presença do sal em grandes quantidades na água utilizada na irrigação mata as plantas e, a longo prazo, pode comprometer a fertilidade dos solos, impossibilitando a produção do arroz e de outras culturas irrigadas. Em Piaçabuçu, município alagoano na foz do Rio São Francisco, o plantio de arroz já está comprometido.
Na mesma Piaçabuçu, um outro problema resume os problemas na foz do rio São Francisco – o crescimento de um pequeno deserto de areias móveis. Aos tempos do início da colonização, toda a orla marítima de Piaçabuçu era coberta por matas. Com a devastação das matas ao longo dos séculos, dunas móveis de areia começaram a avançar a partir da orla da praia na direção do interior do município. Atualmente, Piaçabuçu já possui uma área de dunas, algumas com mais de 30 metros de altura, com mais de 50 km². Para deleite dos turistas, o pequeno deserto de areias continua avançando.
O enfraquecimento do rio São Francisco também está resultando num forte avanço do mar contra a costa na região da sua foz. O povoado de Cabeço, que pertencia ao município de Brejo Grande, e que ficava ao lado da foz foi, literalmente, varrido do mapa pelo avanço do mar. Até 1997, Cabeço tinha aproximadamente 200 moradores, a maioria pescadores, contando com perto de 50 casas, uma igreja e uma escola.
Nessa época, havia um farol marítimo nas proximidades do povoado, instalado num ponto distante 2 km do oceano. Com o enfrequecimento do rio São Francisco e com as alterações nos sistemas de correntes marinhas, as ondas passaram a avançar contra a linha da costa onde ficava o povoado, destruindo sistematicamente todas as construções. Só restou o antigo farol que, mesmo inclinado, continua a resistir bravamente ante o avanço do mar. Este farol agora está dentro do mar (vide foto).
Um outro sintoma do forte avanço das águas marítimas na calha do rio São Francisco é a presença cada vez mais frequente de tubarões nas águas do rio, a distâncias cada vez maiores da foz. Os tubarões da espécie cabeça-chata (Carcharhinus leucas) lideram as ocorrências de avistamento e captura no Baixo São Francisco. Os cabeças-chatas são uma das espécies de tubarões que mais se envolvem em ataques a pessoas em todo o mundo. A espécie é muito comum em águas tropicais e, por esta razão, é frequentemente avistada nas águas do litoral da Região Nordeste.
Uma característica dos tubarões cabeça-chata é a sua capacidade de sobreviver por longos períodos em águas salobras e doces. Há relatos de espécimes que foram capturados no rio Amazonas, nas proximidades de Manaus, cidade que fica a mais de 1.500 km das águas do Oceano Atlântico. Com a redução dos caudais do São Francisco e com o avanço das águas salinas para o interior da calha do rio, os tubarões cabeça-chata passaram a se sentir praticamente em casa e podem representar um grande risco para as populações ribeirinhas do rio.
Em síntese, é isso – a foz do rio São Francisco está sofrendo com problemas vindos de todos os lados.
[…] São Paulo, na Praia da Macumba na cidade do Rio de Janeiro e em Atafona, no Norte fluminense, na foz do Rio São Francisco na divisa de Alagoas e Sergipe, ou ainda de Olinda, em […]
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