A DESTRUIÇÃO DA MATA DAS ARAUCÁRIAS NO PARANÁ

A Mata Atlântica já foi um dos maiores sistemas florestais do Brasil. Aos tempos da chegada dos primeiros europeus a terras brasileiras, o bioma cobria aproximadamente 1,2 milhão de km² ou perto de 15% de nosso território. A floresta se estendia do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte, com grandes porções avançando pelo interior do território e chegando até o Sul do Estado do Mato Grosso do Sul e também a trechos do Paraguai e da Argentina. 

Uma área natural tão grande dificilmente poderia ser formada por um único sistema florestal. Na realidade, o que chamamos de Mata Atlântica é uma verdadeira “colcha de retalhos”, onde encontramos os mais diferentes tipos de vegetação: são matas com diversas características diferentes em função do tipo de solos, da altitude e do clima, além de campos, restingas, manguezais e brejos, entre muitos outros. 

No Estado do Paraná, que teve parte importante de sua cobertura florestal derrubada durante o ciclo do café, essa diversidade de sistemas florestais da Mata Atlântica era bastante visível. Até o final do século XIX, a cobertura florestal original do Estado estava praticamente intocada, apresentando uma área total com, aproximadamente, 168 mil km² ou algo em torno de 83% do território paranaense.  

As faixas Norte e Oeste do Estado eram cobertas pela Floresta Estacional Semidecidual ou Florestal Pluvial. Já em regiões do Sul e do Centro Leste abundavam os Campos Naturais. No Leste, ao longo do litoral e na Serra do Mar, imperava a Floresta Ombrófila Densa. Assim como acontecia no Estado de São Paulo, algumas manchas de vegetação de Cerrado entravam pelo território do Paraná e formavam “ilhas” no meio da densa vegetação. Já em áreas das regiões Central e Sul do Estado, o predomínio era da Mata das Araucárias

A Mata das Araucárias é uma das mais típicas vegetações do Sul do Brasil. Estima-se que as araucárias chegaram a cobrir cerca de 40% do território do Paraná, onde aliás a árvore é um dos símbolos do Estado, 30% da superfície de Santa Catarina e 25% do Rio Grande do Sul. Nessas regiões, as araucárias costumavam crescer consorciadas com uma outra espécie extremamente importante para as populações sulinas – a erva-mate, matéria prima do famoso chimarrão. 

Araucária angustifolia é uma espécie de árvore tipicamente Sul-americana classificada como gimnosperma, ou seja, cujas sementes possuem uma casca dura e não são protegidas pela polpa dos frutos (a grande maioria das árvores são classificadas como angiospermas, ou seja, que produzem frutos com sementes). Outra espécie da mesma família é a Araucária araucana, encontrada na Argentina e no Chile.

É uma espécie adaptada para regiões de clima subtropical, com temperaturas mais baixas nos invernos. No Brasil é encontradas nos planaltos da região Sul, especialmente nos Estados do Paraná e de Santa Catarina, e também nas regiões serranas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Também são encontradas no Sul do Estado de Mato Grosso do Sul. 

A madeira dessas árvores é de ótima qualidade e foi utilizada intensamente pelas indústrias moveleiras do Sul do Brasil. Foi justamente essa exploração da madeira e a derrubada das matas para a criação de áreas agrícolas as principais responsáveis pelo desaparecimento da maior parte da chamada Mata das Araucárias no Sul do Brasil. 

O marco inicial dos desmatamentos na Mata das Araucárias no Paraná está diretamente associado à inauguração da Ferrovia Curitiba-Paranaguá em 1888, quando a logística do transporte das madeiras até as áreas portuárias foi imensamente facilitada (a foto que ilustra essa postagem é de 1884). Rapidamente, o Paraná se transformou em um grande exportador de madeiras, com destaque para o pinho das araucárias e de outras espécies nobres como a imbuia, a peroba, o marfim, o cedro e a canela.  

De acordo com informações disponíveis, o Planalto de Curitiba já estava completamente devastado no ano de 1900, tamanha a “fúria” das empresas madeireiras. Em 1910, com a conclusão do trecho conhecido como Linha-Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, a exploração madeireira avançou rapidamente para a região entre Ponta Grossa e União da Vitória.  

Com o início da I Guerra Mundial (1914-1918), houve uma verdadeira explosão nas exportações de madeira pelo Paraná. Com o início dos conflitos entre as diferentes nações, diversas fontes naturais de matérias primas na Europa foram fechadas. O pinho-de-Riga, uma das mais tradicionais madeiras usadas pela construção civil no continente e extraída de florestas ao redor do Mar Báltico, foi uma dessas matérias primas afetadas. A madeira de pinho das Araucárias, com características muito similares ao pinho-de-Riga, rapidamente foi transformada em uma opção. 

A partir da década de 1920, a derrubada de áreas de matas para a implantação de grandes campos agrícolas veio se juntar ao processo de devastação florestal já em andamento há várias décadas por conta da exploração madeireira. Reinhard Maack (1892-1969), um geólogo e explorador alemão que viveu grande parte da sua vida no Brasil e foi um dos maiores estudiosos das florestas primitivas do Estado do Paraná, escreveu um artigo em 1931, mostrando-se completamente assombrado com o avanço dos desmatamentos no Planalto Paranaense. Vejam esse trecho:  

“O que os homens do Paraná executaram pelas derrubadas e queimadas da floresta não pode ser descrito. Em nenhum outro país do mundo a floresta é tão absurdamente destruída como aqui e enormes áreas cobertas de matas, que no ano de 1926 me impressionaram pela sua primitiva grandiosidade, encontrei em 1930 como capoeira.”  

Os dados disponíveis endossam esse choque de Maack: em 1930, uma larga faixa de matas já havia desaparecido no Leste do Paraná, reduzindo a área florestal para aproximadamente 64% da cobertura original; em 1937, o avanço dos desmatamentos já reduzia essa cobertura florestal para 58% e para 23,92% em 1965. A redução da cobertura florestal continuou avançando ao longo dos anos e, atualmente, restam entre 5 e 17% das matas originais do Estado (há divergências entre as fontes pesquisadas).  

Um capítulo trágico da destruição das matas paranaenses e que merece destaque nesta postagem foi o grande incêndio florestal de 1963, que durou cerca de quatro meses e que consumiu cerca de 1 milhão de hectares de matas nativas, áreas de capoeira e também áreas de reflorestamento na região conhecida como Segundo Planalto do Paraná.

Das exuberantes matas encontradas no Estado nos primeiros tempos da colonização da Brasil, restam hoje remanescentes florestais na Serra do Mar e no Parque Nacional do Iguaçu, respectivamente no Leste e Oeste do Paraná, além de outros fragmentos florestais transformados em parques e Unidades de Conservação. Essa drástica redução das áreas de florestas teve profundos impactos na fauna nativa, nos solos e nas águas. 

Estudos arqueológicos e antropológicos indicam que as populações indígenas que habitavam a Região Sul do Brasil ajudaram na propagação das Matas das Araucárias. Essas populações costumavam viver em abrigos subterrâneos e muitos dos pinhões, as sementes das Araucárias que eram colhidas para alimentação das famílias, caíam no chão e brotavam com tempo. A grande plantadora de Araucárias, entretanto, é uma ave – a gralha-azul. 

A gralha-azul (Cyanocorax caeruleus) é uma ave com aproximadamente 40 cm de comprimento, com coloração das penas do corpo de um azul vivo e com a cabeça, a parte frontal do pescoço e partes do peito na cor preta. Essas aves costumam viver em pequenos bandos, se alimentando de frutas, insetos e, especialmente, dos pinhões das araucárias.

Durante os meses de outono, época em que as araucárias produzem os pinhões, as gralhas-azuis coletam os pinhões e os “estocam” em áreas delimitadas do solo ou os encravam em troncos caídos no chão, criando assim uma reserva de alimentos para o período do inverno. Muitos desses pinhões acabam esquecidos pelas aves e germinam, produzindo novos exemplares de araucárias. 

Com o desaparecimento acelerado das Matas de Araucárias, as gralhas-azuis estão correndo um gravíssimo risco de extinção. Agressões ambientais, como sempre destacamos aqui no blog, nunca ficam isoladas e acabam por afetar a todos – gentes e bichos. 

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