A CHEGADA DOS GRANDES CAFEZAIS AO ESPÍRITO SANTO NO SÉCULO XIX

O primeiro século da produção e exportação do café no Brasil foi devastador para a Mata Atlântica na então Província do Rio de Janeiro e regiões circunvizinhas. Essa cultura era baseada na exploração dos chamados solos virgens até a exaustão e na derrubada contínua de matas para a criação de novos campos agrícolas.

Usando técnicas agrícolas inadequadas como o plantio dos cafeeiros em linhas que vinham dos trechos altos dos terrenos em direção às partes baixas, além de não se preocupar com a adubação e renovação dos nutrientes do solo, essas plantações exauriam os terrenos em menos de dez anos, especialmente pela perda da camada fértil pela erosão. 

Quando a produção de uma fazenda declinava fortemente, novas áreas de mata eram então derrubadas e novas plantações eram formadas – as terras devastadas eram largadas à própria sorte. Essa agricultura irracional era estimulada pelo baixo preços das terras no interior da Província do Rio de Janeiro. A escravidão era outro fator que favorecia os grandes lucros dos produtores – a partir de um investimento inicial na compra da “peça”, o fazendeiro teria uma mão de obra praticamente gratuíta por dezenas de anos. 

A partir de meados do século XIX, essa situação começou a mudar. O estoque de terras virgens a preços baixos começou a rarear no interior do Rio de Janeiro e os cafeicultores passaram a buscar terras disponíveis em outras Províncias. Os cafezais passam então a se instalar na faixa Sudeste de Minas Gerais, no Sul do Espírito Santo e, principalmente, no Vale do Paraíba em São Paulo. 

Vamos começar falando do Espírito Santo, um pedaço do Brasil que teve uma colonização bastante complicada devido a presença de tribos indígenas extremamente hostis como os botocudos e os tamoios. Esses indígenas atacavam os assentamentos dos colonizadores e queimavam tudo o que havia sido construído. Como resultado dessas dificuldades, o Espírito Santo teve um povoamente bastante tardio – em 1880, apenas 15% do território era habitado por não indígenas

Um outro complicador surgiu em decorrência da exploração do ouro nas Geraes ao longo do século XVIII – para evitar o acesso de forasteiros e, especialmente, de estrangeiros as áreas de mineração, a Coroa de Portugal declarou a faixa Norte do Espírito Santo como “Área Prohibida”. Um Decreto Real passou a limitar o povoamento, as construções e as expedições a uma faixa de 3 léguas (15 km) do litoral capixaba, especialmente nas proximidades da região da foz do rio Doce

Essas dificuldades inibiram por muito tempo o povoamento e a colonização do território, que ficou restrito a estreitas faixas do litoral e a faixa Sul, junto a divisa com o Rio de Janeiro. Foi justamente por essa região que a cultura do café se instalou no território capixaba por influência de cafeicultores fluminenses. 

Existem registros de cafeeiros no litoral do Espírito Santo já nos primeiros anos do século XIX. Foi, porém, em meados desse século que a cultura entrou com força na Província. As “terras virgens” com baixos preços do Sul do Espírito Santo se transformaram em uma alternativa para os cafeicultores fluminenses menos favorecidos.  

Fazendas de café começaram a surgir nas regiões de Apiacá, Bom Jesus do Norte, Atílio Vivacqua, Castelo, Cachoeiro de Itapemirim, Mimoso do Sul, Muqui, São Pedro de Alcântara e Veado (Guaçui). O escoamento da produção era feito através dos portos fluviais de Limeira, que ficava em terras do atual município de Mimoso do Sul, e de Cachoeiro de Itapemirim. 

De acordo com dados do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a conhecida Região dos Vales e Cafés chegou a ter 132 grandes fazendas em 1888, época em que o antigo sistema de trabalho escravocrata entrou em colapso. 

A mão de obra negra, em conjunto com a farta disponibilidade de terras agrícolas, formava a base da “indústria cafeeira” no Brasil há época. Um exemplo dessa dependência laboral dos escravos pode ser comprovado em um discurso feito no Parlamento em 1880 por Gaspar Silveira Martins, senador do Império do Brasil entre 1880 e 1889:  

“O Brasil é o café; o café é o negro.” 

A produção das fazendas de café do Espírito Santo era bem menor do que nas fazendas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, fato que levou intelectuais importantes como Caio Prado Júnior e Celso Furtado a classificar a contribuição do café capixaba para a economia do país há época como “medíocre”. Existe, porém, uma explicação bastante razoável para essa diferença de produtividade: as fazendas do Espírito Santo dispunham de menos escravos

De acordo com o livro Transição para o Trabalho Livre e Pequena Propriedade no Espírito Santo – 1888-1930, de Nara Saleto, que usou dados de fazendas hipotecadas no Banco do Brasil em 1883, as fazendas de café capixabas usavam, proporcionalmente, de duas a três vezes menos escravos nos trabalhos nas plantações que suas similares fluminenses, paulistas e mineiras. Isso é um indicativo claro do menor poder aquisitivo dos fazendeiros da região quando comparados aos fluminenses. 

Contando com uma força de trabalho bem menor, as fazendas capixabas mal conseguiam atingir uma densidade de mais de 30 pés de café por hectare, enquanto as fazendas fluminenses, paulistas e mineiras, contavam com 315, 151 e 228 pés de café por hectare, respectivamente. A “pobreza” dos cafeicultores capixabas fica evidente quando se comparam as sedes de suas fazendas com os verdadeiros palacetes das fazendas dos “Barões” do café do Rio de Janeiro e do Vale do Paraíba paulista. 

Apesar de uma menor produtividade, essa primeira fase da cultura do café no Espírito Santo causou consideráveis estragos no trecho local da Mata Atlântica, uma vez que os padrões de produção eram exatamente os mesmos das fazendas fluminenses. Grandes extensões de mata eram derrubadas para a liberação das “terras virgens” e formação dos cafezais. Esses estragos só não foram maiores por que o ciclo da cultura foi efêmero na Província – com a abolição da escravidão no Brasil a partir da assinatura da Lei Áurea em 1888, a produção do café ficou inviável dentro do antigo sistema de produção escravocrata. 

A cafeicultura voltaria a ganhar algum fôlego com a chegada de grandes contingentes de imigrantes europeus ao Espírito Santo no final do século XIX. De acordo com uma citação do IPHAN:

“A partir da política de imigração desapareceram as fazendas escravagistas. As que conseguiram se manter, passaram a adotar um sistema de parceria. As que não conseguiram, utilizaram outra estratégia, garantindo a sua lucratividade através da cafeicultura, dividindo suas fazendas e vendendo seus lotes aos imigrantes ou às empresas que surgiram com o interesse voltado para a venda de lotes rurais e comercialização do café.” 

A chegada de agricultores europeus, já com uma grande tradição no uso de técnicas agrícolas mais sustentáveis – especialmente no que diz respeito à conservação dos solos férteis, levou a uma mudança nos paradigmas da cafeicultura. Um exemplo: esses imigrantes passaram a plantar os cafeeiros seguindo as linhas de nível dos terrenos, um cuidado eficiente contra a erosão e que resultou numa maior longevidade aos solos e a numa menor progressão dos desmatamentos.  

A cafeicultura no Espírito Santo passaria por vários altos e baixos ao longo da maior parte do século XX, até que o Estado se consolidasse, a partir da década de 1970, como o maior produtor de café do tipo conilon do Brasil, um grão usado em misturas (blend) e na produção do café solúvel. O território capixaba responde atualmente por mais de 75% da produção brasileira de café conilon (vide foto). Contaremos essa história e suas consequências ambientais em futuras postagens. 

Os territórios do Sudoeste da Província de Minas Gerais também receberiam grandes cafezais a partir de meados do século XIX. Falaremos disso na próxima postagem. 

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