OS GIGANTESCOS PROBLEMAS NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA NA ÍNDIA

Abastecimento de água na Índia

A Índia é um país de números superlativos em diversas áreas. 

Apesar de possuir um território com área equivalente a menos de 40% do território brasileiro, a Índia ganha disparado no quesito população – são aproximadamente 1,34 bilhões de habitantes, população que só perde em tamanho para a China. Projeções de crescimento demográfico indicam que até o ano de 2035, a Índia terá a maior população do mundo. 

Além do tamanho descomunal, a população indiana forma uma verdadeira colcha de retalho no que diz respeito a culturas, costumes, religiões e línguas utilizadas – são mais de 400 idiomas e dialetos falados no país, o que nos dá uma leve ideia da complexidade e dos problemas socioculturais do país. Os idiomas oficiais são o inglês e o hindu, que funcionam como língua de ligação. Cada um dos Estados da Índia possui um idioma oficial falado por dezenas de milhões de pessoas. Quem inventou a expressão “caldeirão cultural”, provavelmente conhecia a Índia. 

O PIB – Produto Interno Bruto, da Índia vem apresentando altas taxas de crescimento nas últimas décadas, onde a taxa média de crescimento é de 6% ao ano. O país já ocupa a sétima posição entre as maiores economias do mundo. Porém, apesar dos importantes avanços econômicos e sociais, a Índia possui enormes problemas em todas as áreas, que geram graves impactos na área ambiental. Vamos começar falando dos problemas ligados ao abastecimento de água. 

Talvez o maior exemplo de má gestão dos recursos hídricos da Índia seja o rio Ganges. Com nascentes nas Montanhas Himalaias, o rio Ganges percorre mais de 2.500 km até sua foz num grande delta em Bangladesh. Nesse percurso, o rio é o principal manancial de abastecimento para mais de 400 milhões de pessoas. Apesar de toda a sua importância, o rio Ganges vem agonizando com a intensa poluição de suas águas – praticamente todos os esgotos domésticos e industriais despejados pelas cidades e vilas de sua bacia hidrográfica correm na direção de sua calha sem nenhum tipo de tratamento. 

Um exemplo que já citamos em uma postagem anterior é a cidade de Khanpur, um importante centro industrial que tem uma população de 4 milhões de habitantes. Além de despejar todos os esgotos domésticos diretamente nas águas do rio Ganges, a cidade também produz grandes volumes de esgotos industriais altamente tóxicos.  

A maior parte das indústrias de Khanpur se dedica ao curtimento e processamento do couro, especialmente bovino. Nesses processos são usados produtos que contém elementos químicos altamente tóxicos como o mercúrio, o arsênico e, principalmente os sais de cromo. Dos cerca de 370 curtumes instalados na cidade, pelo menos metade despeja seus efluentes no rio Ganges sem qualquer tipo de tratamento. 

O cromo pode causar problemas nas guelras dos peixes e também provocar alguns tipos de câncer em animais que bebam ou mantenham contato com águas contaminadas. Profissionais que trabalham nos curtumes, expostos diariamente a toda uma gama de produtos químicos, podem apresentar problemas como rinite, problemas no estômago, lesões na pele e, em casos extremos, riscos de desenvolver câncer no pulmão. O consumo de água contaminada com cromo está provocado uma série de doenças nas populações da região. 

As águas do rio Ganges constituem o principal manancial de abastecimento de inúmeras cidades de toda uma faixa no Norte da Índia. Os sistemas produtores de água dessas cidades são antigos e não conseguem eliminar muitos desses poluentes – muita gente acaba sendo contaminada com metais pesados e elementos tóxicos presentes nessa “água tratada”. Esses sistemas também não conseguem produzir água tratada em quantidade suficiente para atender toda a população das cidades. 

Outro exemplo gravíssimo de degradação é o rio Yamuna, um dos mais importantes cursos d’água do Norte da Índia. Com cerca de 1.370 km de extensão, o rio Yamuna é um dos principais afluentes do rio Ganges. Entre as cidades de dependem da captação de água no rio para abastecimento de sua população está Nova Déli, a capital da Índia, que tem uma população de mais de 20 milhões de habitantes. Alguns especialistas afirmam que o Yamuna é o rio mais poluído do mundo

O tratamento de águas altamente poluídas é possível e exige o uso de grandes quantidades de produtos químicos, o que nem sempre resulta em uma água 100% potável. Um exemplo já citado inúmeras vezes aqui no blog é o do rio Guandu, principal manancial de abastecimento da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Moradores de diversas regiões das cidades abastecidas com as águas do rio Guandu vêm recebendo água de péssima qualidade já há vários meses. Em Nova Déli, além da qualidade questionável da água tratada, a população sofre com a baixa disponibilidade.  

Na maioria dos bairros da cidade, as torneiras têm água por apenas duas horas a cada dia – uma hora pela manhã e outra hora a noite. Os moradores que possuem recursos se valem da compra de água mineral ou de caminhões pipa, que é armazenada em cisternas. Para os mais pobres, restam poucas opções como o armazenamento das águas das chuvas. 

Outra grande cidade que sofre com a falta de água é Mumbai (antiga Bombaim), a capital financeira da Índia. Com cerca de 18 milhões de habitantes, Mumbai é frequentemente obrigada a conviver com um draconiano racionamento de água: um dia com água nas torneiras e seis dias com as torneiras secas. As perdas de água na rede de distribuição da cidade são enormes – calculadas em 700 milhões de litros a cada dia. Além de vazamentos nas tubulações, existem milhares de ramificações ilegais, os chamados “gatos”

Nas pequenas cidades e vilas da zona rural, onde vive perto de 70% da população do país, a água é coletada de poços ou diretamente dos cursos d’água (vide foto), sendo consumida sem nenhum tipo de tratamento. Essa água frequentemente está contaminada por esgotos domésticos e, não raras vezes, por despejos industriais. Nas regiões mais secas como o Rajastão no Noroeste do país, as populações muitas vezes dependem de ações emergenciais de distribuição de água através de caminhões pipa, uma situação semelhante vivida muitas vezes pelos sertanejos da nossa Caatinga.

Os conflitos entre diferentes usuários de uma mesma bacia hidrográfica também criam enormes problemas para o abastecimento das populações. Um exemplo é o do rio Cauvery (ou Kaveri) no Sul do país. Quatro Estados indianos – Karnataka, Tamil Nadu, Kerala e Pondichéry, lutam há várias décadas em tribunais do país pelo direito pleno de uso das águas. Sem conseguir chegar a um acordo razoável de partilha, esses Estados vivem em um eterno conflito pelo uso desse precioso recurso. 

Um outro problema nada desprezível para o país são as disputas internacionais pelas fontes de água. Diversos rios da Índia têm suas nascentes nas Montanhas Himalaias fora de suas fronteiras, como é o caso do rio Brahmaputra, o principal curso d’água do Nordeste da Índia e um dos mais importantes de Bangladesh. As nascentes desse rio se encontram no Tibete, país que foi ocupado pela China na década de 1950. A China planeja desviar parte das águas desse rio para atender projetos de irrigação nas suas regiões áridas de Xinjiang Gansu. Esses desvios poderão reduzir os caudais do rio Brahmaputra em até 30%Se é difícil se chegar a um consenso entre diferentes Estados indianos sobre o uso das águas de um rio, imaginem as dificuldades entre países diferentes. 

Completando o complicado quadro do abastecimento de água na Índia, temos um país que possui 16% da população mundial e apenas 4% das reservas mundiais de água doce. Para efeito de comparação, o Brasil possui 3% da população mundial e 13% das reservas de água doce do planeta. Ou seja – o acesso a água potável de qualidade e em quantidade na Índia é um luxo para poucos.

Continuaremos na próxima postagem.

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