AS CHUVAS E AS ENCHENTES NOSSAS DE CADA VERÃO

Chuvas de verão

Nas postagens anteriores comentamos sobre as trágicas enchentes que assolaram e ainda estão assolando diversas regiões do Brasil, especialmente nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Diferentemente do que pode parecer à primeira vista, essas enchentes violentas não estão associadas apenas a fenômenos naturais como as fortes chuvas – muito do que estamos assistindo está diretamente associado a ações humanas ao longo de nossa história. Os grandes desmatamentos que realizamos aqui em nosso país são uma das principais causas das enchentes, mas não as únicas. 

Como esse é um assunto bastante relevante, vamos publicar uma sequência de postagens falando de chuvas, enchentes e todos os problemas que são criados em nossas vidas quando chega o verão (ou o inverno, conforme a região) e sua forte temporada de chuvas. 

Comecemos falando de água. 

Orbitando há bilhões de anos ao redor do sol, nosso planeta gradativamente foi adquirindo as características geofísicas e climáticas que hoje vemos com tanta naturalidade. 

A massa rochosa e quente, muito quente, de tempos imemoriais da formação do planeta Terra esfriou pouco a pouco, permitindo que a água carregada desde as profundezas do espaço sideral (provavelmente trazida na forma de gelo em cometas e meteoros que por aqui caíram) se acumulasse ao redor do planeta, inicialmente na forma de uma densa camada de vapor. 

Eras posteriores testemunharam o resfriamento gradativo e ainda maior do nosso planeta, o que permitiu que essa massa de vapor passasse para o estado de água líquida, caindo volumosamente na forma de chuva sobre o solo. Essa água acumulou sobre a face da Terra formando os primeiros oceanos e corpos de água sobre o leito da superfície rochosa. 

A poderosa energia do sol manteve o núcleo metálico da Terra em estado liquefeito, com intensa atividade geotérmica, modelando cada vez mais intensamente a superfície do planeta e consolidando cada vez mais os espaços dos oceanos e continentes. O forte campo magnético terrestre produzido pela energia do núcleo metálico do planeta permitiu a retenção dos gases formadores da atmosfera ao redor do planeta. A força do sol combinada com a atmosfera modelou o clima – as chuvas, o gelo, as marés e os ventos esculpiram o relevo, abrindo o caminho para a explosão da vida em todos os cantos da Terra. 

O lento passar do tempo e toda uma combinação elementos criaram um planeta azul, com dois terços de sua superfície coberta água. Terra, planeta água… 

Apesar de ser um dos elementos mais abundantes do planeta, a água existente é essencialmente a salgada ou dos mares, imprópria para o consumo humano e da esmagadora maioria das plantas e animais. Apenas 2,5% da água existente na Terra é doce ou potável

É a energia do calor do sol que provoca a evaporação da água dos oceanos, produzindo a água doce e potável tão essencial para a manutenção da vida. Essa água doce é distribuída por todo o planeta como vapor presente na atmosfera, na forma de gelo e, especialmente, na forma de chuvas. 

O volume de água que evapora dos oceanos a cada ano não é nada desprezível – ele é calculado em 383 mil km³ (conforme a fonte pesquisada, esse valor poderá variar). Isso equivale a uma camada de 1,06 metro de água de todos os oceanos do mundo a cada ano. Cerca de 75% dessa água evaporado se precipita na forma de chuvas diretamente sobre os oceanos. Os 25% restantes se precipitam sobre os continentes principalmente na forma de chuva, neve e granizo, que são as fontes primárias da nossa água potável.

O ciclo e a distribuição das chuvas são fundamentais na geografia física, humana e econômica. A formação e distribuição dos diferentes ambientes da superfície do planeta estão diretamente ligadas aos volumes e à frequência das chuvas, com reflexos diretos nas populações de plantas e animais, incluindo aí o homem. 

A formação dos assentamentos humanos ao redor do mundo se deu em função da disponibilidade das fontes de água. No Brasil, como não poderia ser diferente, foram os grandes rios os indutores do povoamento do território e os grandes patrocinadores da fundação das vilas e cidades em suas margens.  

País essencialmente tropical e equatorial, o Brasil tem nas chuvas sua principal fonte de recarga de aquíferos e lençóis subterrâneos de água, formadores primários de todos os riachos, rios e demais corpos de água de superfície. A exceção de alguns rios da bacia amazônica, com nascentes formadas por águas de degelo nas montanhas dos Andes, é desprezível o volume desse tipo de água em nosso país. Somos um país de águas pluviais. 

Dependemos das chuvas para a manutenção de nossas florestas e demais sistemas naturais – muita chuva na Floresta Amazônica e pouca água na região da Caatinga Nordestina. Na agricultora, nossa dependência das águas das chuvas é total, seja na forma direta por precipitação seja de forma indireta por irrigação da água de rios e reservatórios ou de fontes subterrâneas.  

O abastecimento de nossas cidades e indústrias está baseado na ideia de ciclos regulares de chuva para recarga de aquíferos, fontes e reservatórios – até a dispersão de muito do nosso lixo e dos dejetos não tratados dos esgotos são dependentes da frequência das águas pluviais que correm na direção dos rios e tudo arrastam. 

A naturalidade e a previsibilidade das chuvas em nosso país pressupõem que haja em nossa infraestrutura geral um mínimo de adequação e preparo para a convivência com grandes períodos de precipitação intensa e suas consequências naturais como as enchentes, os desmoronamentos, bloqueios de ferrovias e de rodovias, entre outros problemas. 

Porém, todos nós sabemos que essa convivência com as águas pluviais não é assim tão natural. A cada ano as enchentes (e também as secas) se repetem, com todos os problemas associados, e nossas cidades e infraestrutura geral se mostram insuficientemente preparadas. Improvisam-se as soluções e se fazem promessas de futuras obras… 

Sistemas de drenagem de águas pluviais tem a função de escoar os grandes volumes das precipitações na direção de canais de drenagem, rios e outros corpos de água, no maior volume e no menor tempo possível. Conforme a declividade do terreno, parte da lâmina de água de chuva formada sobre o solo adquire grande velocidade de descida, formando corredeiras violentas e com grande potencial de danos a vegetação, formações naturais do solo e construções como casas, edifícios, ruas, rodovias, ferrovias etc. Em meio aos danos materiais, as águas pluviais podem causar enormes prejuízos nas populações afetadas por enchentes, incluindo-se aí os riscos à vida humana. 

Ao longo de muitos milênios, os sistemas naturais foram se adaptando aos inevitáveis e periódicos ciclos de chuvas: canaletas naturais de escoamento foram escavadas por erosão nas faces de serras e montanhas, leitos de córregos e rios criaram áreas de várzeas para absorver o excedente de águas das cheias dos rios, pedras e gargantas em rios montanhosos foram moldadas para reter e reduzir a velocidade dos excedentes de água, os diferentes tipos de vegetação se adaptaram para armazenar parte da água da chuva e suas raízes foram adaptadas para forte fixação no solo e evitar o arrastro com a enxurrada. O próprio solo desenvolveu diferentes tipos de permeabilidade, absorvendo volumes consideráveis de água de chuva (dependendo do tipo de solo, mais da metade da água de uma chuva pode ser absorvida) e assim reduzindo os volumes de água que correm desesperadamente a procura das partes baixas dos terrenos – são sistemas em equilíbrio. 

Os diferentes tipos de intervenção humana nos meios naturais interferem com esse delicado equilíbrio natural, produzindo distorções na dinâmica das águas pluviais. O nome mais utilizado para definir estas distorções é enchente

Continuamos na nossa próxima postagem.

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