DANIEL KEITH LUDWIG E O POLÊMICO PROJETO JARI

Projeto Jari

Em 1978, comecei a frequentar o primeiro ano do ensino técnico em um tradicional colégio católico do meu bairro. Naqueles tempos do Regime Militar, saltava aos olhos o número de padres comunistas desse colégio, que se concentravam nas matérias da área de Humanas. Uma dessas matérias era Educação Moral e Cívica, onde o professor/padre passava metade do tempo falando mal dos militares e, na outra metade, falando do forte movimento sindical da época. Para piorar, esse professor adorava me confrontar em sala de aula pois eu era um dos raríssimos alunos protestantes do colégio (hoje em dia chamam isso de bullyng). 

Certa feita, não lembro exatamente por que, eu faltei no dia de uma das provas. Em substituição a essa prova, tive de ler e resumir um livreto sobre a ocupação estrangeira da Amazônia naquele momento e que estava sendo comandado por um bilionário norte-americano chamado Daniel Keith Ludwig e essa ocupação respondia pelo nome de Projeto Jari. Apesar de bastante criticado pelo professor, esse resumo garantiu que eu recuperasse a nota da prova e que nunca mais esquecesse do Projeto Jari. 

Daniel Keith Ludwig era o típico norte-americano que atingiu a fama e a fortuna com muito trabalho e ousadia. Começou a trabalhar na infância vendendo pipoca e engraxando sapatos para depois atingir o sucesso como construtor naval. Depois passou a diversificar seus investimentos e passou a operar com hotelaria, produção agropecuária e florestal, mineração, entre outros, quando chegou a ter negócios em mais de 20 países. Um de seus mais ousados e megalomaníacos projetos foi a criação de um gigantesco projeto de produção florestal e de papel e celulose no Estado do Amapá, na Amazônia brasileira. 

Antevendo um grande crescimento da demanda mundial de papel e celulose, Ludwig passou a estudar a viabilidade de investimentos de grande porte nesse setor. Em 1967, em “associação” com um grupo empresarial brasileiro, Daniel Ludwig adquiriu uma grande área de terras na divisa entre o Território do Amapá e o Estado do Pará. O tamanho da área do Projeto Jari, que o empresário norte-americano conseguiu comprovar legalmente, era de um milhão e setecentos mil hectares, pouca coisa menor que o tamanho do Estado de Sergipe. A área total reivindicada por Ludwig era, no entanto, de cerca de três milhões de hectares. Segundo os dados disponíveis, Daniel Keith Ludwig era, há época, um dos maiores proprietários individuais de terras do Ocidente.  

A grandiosidade do Projeto Jari não se limitava apenas à área total do empreendimento – a infraestrutura que seria necessária para viabilizar o Projeto também era invejável. Foram construídos cerca de 9 mil km de estradas, uma ferrovia e vários portos, além de ser plantada uma gigantesca área de reflorestamento para o fornecimento da madeira, matéria-prima da celulose. Foram usadas duas espécies exóticas – a gmelina arbórea e o pinus caribeaque foram plantadas em uma área de 100 mil hectares. Uma das etapas mais midiáticas do Projeto Jari foi a chegada de uma fábrica de celulose e de uma usina termelétrica de 50 MW flutuantes (vide foto), construídas na forma de balsas no Japão e que foram rebocadas por mais de 25 mil km até chegarem no rio Jari, na divisa do Amapá com o Pará. 

Além da produção de celulose, o Projeto Jari tinha outras ramificações. Na área agropecuária, o Projeto tinha o interesse em criar a maior área contínua de cultivo de arroz do mundo, além concentrar rebanhos de gado com dezenas de milhares de cabeças. No segmento da mineração, o Projeto investiu na produção de caulim, além de possuir importantes reservas de minério de ferro, bauxita, quartzo, calcário e ouro. Milhares de empregos foram criados em todas as frentes de serviço do Projeto Jari, o que levou a criação de três núcleos habitacionais. 

O tamanho e os números grandiosos do Projeto Jari rapidamente começaram a chamar a atenção de toda a população do país, especialmente dos militares, que não viam com bons olhos uma área tão grande da Amazônia nas mãos de um norte-americano. Apesar da associação formal com um grupo empresarial brasileiro, a maior parte do capital e do controle da empresa estava nas mãos de um estrangeiro – para os militares mais radicais, Daniel Keith Ludwig poderia, a qualquer momento, fincar a bandeira de um outro país e declarar o Projeto Jari como um território estrangeiro. 

O cerco ”militar” ao Projeto Jari começou no âmbito jurídico. Um exemplo foi a criação de uma lei em 1971, que proibia a estrangeiros a posse de uma área superior a 25% de um munícipio. Para complicar ainda mais, não mais do que 40% dessa área podia estar nas mãos de um único dono. Essa lei foi criada sob medida para enquadrar Daniel Ludwig – a maior parte do município de Marzagão, no Território do Amapá, pertencia ao Projeto Jari. O empresário se defendeu afirmando que comprou as terras em 1967, antes da criação da dita lei. 

Outra frente desse “cerco” passou a ser a contestação da posse de parte das terras do Projeto Jari. Na Amazônia existem grandes extensões de terras que são consideradas como florestas públicas, áreas de preservação, Terras Indígenas, reservas minerais estratégicas, entre outras, que existem no papel, mas que carecem de uma demarcação formal, onde os limites estão claramente demarcados com as devidas coordenadas geográficas. Órgãos federais como o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e o GEBAM – Grupo Executivo do Baixo Amazonas, órgão subordinado ao temido Conselho de Segurança Nacional, começaram a mover diversas ações na justiça contra o Projeto Jari, questionando a posse de diversas áreas. 

Uma outra frente que se levantou contra Daniel Keith Ludwig e seu grandioso Projeto Jari, e que aos poucos começou a ganhar força foram os ambientalistas. Conforme já apresentamos em postagens anteriores, o movimento ambientalista começou a ganhar força no início da década de 1960 com o lançamento do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson. Em 1972, foi realizada em Estocolmo, na Suécia, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, com a participação de diversos chefes de Estado. A Floresta Amazônica, é claro, foi colocada entre as prioridades da proteção ambiental e o gigantesco Projeto Jari foi classificado como uma das grandes ameaças à biodiversidade amazônica. Em 1979, inclusive, foi criada uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito, no Congresso Nacional em Brasília, para apurar as denúncias de devastação da Floresta Amazônica provocadas pelo Projeto Jari. 

Além de todo esse conjunto de problemas externos, o Projeto Jari enfrentava uma série de problemas internos de ordem gerencial – a produtividade das diversas unidades de negócio estava sempre abaixo das projeções iniciais – o faturamento do empreendimento não estava sendo suficiente para cobrir o volume total do investimento feito, que segundo afirmou Daniel Ludwig foram superiores a US$ 800 milhões há época. Esse volume de problemas era tamanho que, em 1978, as atividades do Projeto Jari foram responsáveis por 37% do déficit externo do Brasil. 

Em 1981, um desiludido e doente Daniel Ludwig anunciou que estava abandonando o Projeto Jari. No ano seguinte, depois de muitas idas e vindas, foi anunciado que um grupo de 23 empresários brasileiros assumiria o controle do Projeto Jari. No ano 2000 o Grupo Orsa assumiu o controle da Jari Celulose, que aos poucos foi transformada em um empreendimento economicamente viável. Em 2004, a Jari Celulose foi certificada pelo FSC – Forest Steward Council, selo que indica que o manejo florestal é ambientalmente adequado, socialmente benéfico e economicamente viável. 

Finalmente, o frustrado sonho megalomaníaco de Daniel Keith Ludwig se transformou numa tardia realidade. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

12 Comments

    1. Olá Juliana: ao que tudo indica, a foto foi produzida pela Ishikawajima Harima Heavy Industries, empresa japonesa que construiu a fábrica flutuante, e foi distribuída para os jornais para divulgação do trabalho da empresa.

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  1. E um projeto que até hoje e sustentável para milhares de famílias tanto do lado do pára quanto do outro do Amapá etc.

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  2. […] O pinus (Pinus elliotti) é uma espécie originária da América do Norte, também de rápido crescimento, fácil adaptação a solos pobres e que não tem inimigos naturais, predadores ou herbívoros que se alimentem de suas sementes aqui no Brasil. A madeira do pinus é largamente utilizada para a fabricação de papel e celulose, o que levou a espécie ser muito difundida em todo o mundo. O pinus é considerada a espécie de planta mais agressiva do mundo. Conforme comentamos em outras postagens, os solos da Amazônia são pobres e extremamente ácidos, se degradando rapidamente após a derrubada da mata. É justamente nesses solos degradados onde estão sendo implantadas grandes plantações de pinus por toda a Amazônia. Um grande exemplo disso é o Projeto Jari. […]

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    1. Pinus na Amazõnia? impossível ele só cresce em terrenos temperados, nem no estado de São Paulo se consegue produzir pinus.Por isso o eucalipto tomou conta.

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      1. Carlos: muito obrigado pelo seu comentário. Eu cometi um erro ao escrever o texto – na verdade a espécie que está sendo plantada na Amazônia é o PINUS CARIBEA, originário da região do Caribe e adaptado ao clima equatorial. Grato!

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  3. O Brasil cometeu uma grande idiotice em não apoiar o Projeto Jari, que mesmo nas mãos do visionário Daniel Keith Ludwig trouxe muito desenvolvimento para a região. eu tive a oportunidade de viver um pouco do projeto. tinha tudo para dar certo e ainda tem, porém como sempre os nossos políticos, principalmente os esquerdopatas impedem todo e qualquer progresso, principalmente na Amazônia. Creio que um dia deveremos erguer uma estatua na foz do rio Jari para esse Senhor que deixou muitas coisas boas para a região.

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    1. Acabo de colocar no YouTube uma breve Linha de Tempo para Daniel Keith Ludwig (1897-1992); fundador dos Centros de Pesquisa Ludwig Cancer; ‘Father of the supertanker’; o homem mais rico do mundo n 1978-1982; e pioneiro no seu investimento na Amazônia Brasileira (1967-198). Agradeceria muito qualquer ajuda para divulgar este relato. https://www.youtube.com/watch?v=JlYCYLyxFFU&t=45s

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