A CONSTRUÇÃO DA RODOVIA CUIABÁ-PORTO VELHO, OU LEMBRANDO DA CARAVANA FORD

Caravana Ford - Rondônia

Nessa sequência de postagens, onde estamos apresentando a história do povoamento da Amazônia e das raízes das grandes queimadas e desmatamentos que estamos assistindo em nossos dias, falamos diversas vezes dos seringais e seringueiros dos Territórios do Acre e do Guaporé, atualmente Rondônia. São muitos os capítulos da história da Amazônia que se passaram nessa região Oriental da grande Floresta. O que não falamos e que muito provavelmente você não sabe é que essa grande região da Amazônia era virtualmente impossível de ser atingida por terra até o início da década de 1960 – até essa época, só se chegava a Rondônia e ao Acre através da navegação fluvial pelos rios da Bacia Amazônica ou de avião

Os primeiros esforços para estabelecer comunicações por terra entre a Amazônia Ocidental e as demais regiões do país foram iniciados no final do século XIX pelo Exército brasileiro, que passou a trabalhar na abertura de estradas nos confins dos sertões e na instalação de linhas telegráficas. O grande nome desse período foi o militar e sertanista Cândido Rondon (1865-1958), que a partir de 1892 começou a trabalhar nas regiões de Goiás, Mato Grosso e Território do Guaporé, mais tarde batizado como Estado de Rondônia em sua homenagem. Entre 1907 e 1915, a unidade de Rondon construiu a Linha Telegráfica Estratégica Mato Grosso-Amazonas. Os trabalhos pioneiros de Rondon e de sua equipe ajudaram a abrir muitos dos caminhos para o interior do país, um trabalho monumental, mas que deixou muitos vazios desses sertões ainda a serem descobertos. 

Os planos para a construção de uma rodovia que ligasse a cidade de Cuiabá, no Estado do Mato Grosso, aos territórios do Guaporé e do Acre só se concretizariam em 1944. Nesse ano, uma comissão criada pelo Governo Federal elaborou um plano rodoviário, onde se incluiu a proposta para a construção da Rodovia Acreana, designada então como BR-029, que previa a interligação entre as cidades de Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco e Cruzeiro do Sul, seguindo até a fronteira do Peru, onde faria conexão com a Rodovia Pan-Americana. Essa rodovia também permitiria a interligação rodoviária desde Cuiabá até as Regiões Centro-Sul do país. Um pequeno trecho de 55 km dessa rodovia chegou a ser iniciado, mas as obras foram paralisadas. 

A decisão efetiva para a construção da Rodovia BR-029 se deu em fevereiro de 1960 durante o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek. Famoso pelo seu slogan “50 anos em 5”, o Governo Kubitschek ficou marcado pelo forte cunho progressista e, entre outros grandes legados, foi o responsável pela construção de Brasília e a transferência da Capital Federal para o Planalto Central, uma mudança que foi fundamental para estimular a interiorização da população do país. Consta que a decisão do Presidente se deu em uma reunião com o Governadores do Estado do Amazonas e dos Territórios do Guaporé e do Acre. 

O Presidente solicitou que o DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, iniciasse imediatamente os trabalhos, com a meta de inaugurar a Rodovia naquele mesmo ano. A pressa do Presidente Juscelino Kubitschek em concluir a construção da Rodovia, que teve sua designação mudada depois para BR-364, tinha uma razão prática – seu mandato se encerraria no final de janeiro de 1961, sendo que o prazo estipulado pelo Governo para a inauguração da Rodovia era 10 de dezembro de 1960. 

Apesar de todos os esforços das autoridades, os trabalhos de abertura e avanço das frentes de construção da Rodovia BR-364 não atingiam as metas estabelecidas e, para piorar a situação, o candidato melhor posicionado na corrida para a sucessão presidencial era Jânio Quadros, abertamente contrário à política de construção de estradas de Juscelino Kubitschek. A proposta para a construção da Rodovia Cuiabá-Santarém, por exemplo, que seria levada a cabo somente na década de 1970, era chamada de “rodovia das onças” por Jânio Quadros. Havia um temor generalizado entre os Governadores dos Territórios do Acre, do Guaporé e do Estado do Amazonas de uma paralisação das obras no caso de uma vitória de Jânio Quadros naquelas eleições. 

Em fins de 1960, cerca de 824 km dos 971 km previstos no projeto (já existiam alguns trechos de estradas de terra prontos) estavam precariamente concluídos, com o leito em terra batida (essa rodovia só seria asfaltada no início da década de 1980), com obras complementares inacabadas e com a maioria das pontes construídas em madeira. Faltava a conclusão de cerca de 147 km para que se pudesse considerar a “Rodovia” pronta. 

Aqui começa um capítulo curioso da história dessa Rodovia: O Governador do Território do Guaporé – Paulo Leal, conseguiu o apoio da Ford, empresa fabricante de veículos, e organizou a Caravana Ford, uma expedição composta por sete caminhões F-600, um trator e um Jipe, todos modelos da marca. Apoiada por uma forte campanha publicitária, a Caravana saiu de São Paulo no dia 28 de outubro de 1960 sob o comando do próprio Paulo Leal.  

Depois de enormes obstáculos, onde se incluem a abertura de trilhas na mata, lama, travessia de rios em balsas improvisadas, a Caravana conseguiu chegar em Porto Velho no dia 28 de 1960, sendo recebida por uma multidão entusiasmada com o feito. A foto que ilustra essa postagem dá uma boa ideia das muitas dificuldades enfrentadas pelos membros da expedição. A repercussão que a Caravana Ford obteve junto à opinião pública foi tão positiva em prol da importância da conclusão da Rodovia BR-364, que o Presidente Eleito, Jânio Quadros, se viu obrigado a concluir suas obras. 

Com a conclusão dessa Rodovia, que passou por vários melhoramentos depois, as portas da Amazônia Ocidental ficaram abertas para a chegada de um grande contingente de imigrantes, vindos especialmente da Região Sul do Brasil. Em 1970, a população do Território do Guaporé, citando um exemplo, bateu na casa dos 100 mil habitantes; em 1979 atingiu a marca de 423 mil e em 1982 atingiu os 608 mil habitantes. O principal impulsionador desse grande fluxo migratório foi o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. 

Um dos principais programas de colonização do INCRA era o PIC – Projeto Integrado de Colonização, que distribuía lotes de terra entre 50 e 100 hectares e que foi concentrado nas regiões de entorno da Rodovia BR-364. Outro modelo de colonização era o PAD – Projeto de Assentamentos Dirigidos, que distribuía lotes de terra entre 100 e 250 hectares em regiões mais afastadas do Território. Entre 1970 e 1984, somente no Território do Guaporé, que teve seu nome mudado para Rondônia em 1982, foram realizados assentamentos em uma área superior a 3,6 milhões de hectares, beneficiamento dezenas de milhares de pequenos produtores rurais. Há um detalhe importante aqui – para garantir a posse definitiva desses lotes, esses colonos eram obrigados a derrubar a mata e trabalhar a terra

Nos primeiros anos da década de 1970, foram concluídas as obras de abertura do trecho da Rodovia BR-364 entre Porto Velho e as principais cidades do Acre, aumentando ainda mais o fluxo de imigrantes para a Amazônia Ocidental e consolidando de uma vez por todas a ligação terrestre de toda essa grande região com o restante do Brasil. Entre 1982 e 1984 esse trecho da Rodovia foi asfaltado e, inclusive, está prevista para o final deste ano a inauguração de uma ponte sobre o rio Madeira, eliminando a necessidade da travessia por balsas e melhorando o fluxo de veículos. 

Com tamanhos esforços do Governo Federal para a ocupação dessa região da Amazônia por pequenos e médios produtores rurais ao longo das últimas décadas, é claro que os Estados de Rondônia, do Acre e também regiões do Sul do Estado do Amazonas se transformaram em campeões em desmatamentos para a abertura de frentes agrícolas, formação de pastos para a criação de gado e também para exploração de madeira. Detalhe – grande parte das queimadas que tanto preocuparam o mundo ocorreram e estão acontecendo justamente nessas regiões. 

Para saber mais:

A NOSSA AMAZÔNIA

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