Na tarde de ontem, dia 19/08/2019, saí para fazer um “programa” que tenho feito com frequência cada vez menor – caminhar pelas ruas da vizinhança. Entre as diversas opções de “caminho da roça”, tenho roteiros entre 3 e 8 km. A tarde de ontem estava muito fria e um pouco úmida, ideal para uma caminhada um pouco mais forte. Saí de casa por volta das 15:00 horas e cerca de meia hora depois já tinha retornado – nesse curto espaço de tempo, o céu ficou totalmente escuro (vide foto) e uma atípica tempestade de fim de tarde, comuns na época do nosso verão chuvoso, ameaçava desabar a qualquer momento sobre a Pauliceia.
Por volta das 16:00 horas começou a chover, mas com uma intensidade muito menor do que se poderia imaginar. Em muitas regiões da cidade, a água da chuva que caiu tinha uma cor escura, que lembrava um chá mate ou um café, e com um cheiro de fumaça. Entre todas as “loucuras” climáticas que assolam a cidade de São Paulo, onde um único dia pode apresentar características das quatro estações do ano, essa foi uma das maiores que já presenciei.
No início da noite, as informações meteorológicas dos telejornais começaram a explicar o estranho fenômeno: uma frente fria que chegou pelo Oceano Atlântico trouxe fortes ventos com umidade para a região do Planalto de Piratininga. Esses ventos úmidos se encontraram com fortes correntes de vento seco vindas do Sudoeste da Amazônia, da Bolívia e do Paraguai, regiões que estão ardendo com grandes focos de queimadas. Foi a fuligem e as cinzas dessas queimadas que se precipitou junto com as águas das chuvas sobre a cidade, criando essa verdadeira “chuva negra” paulistana.
Num cenário de profundos embates entre as autoridades do Governo Federal, capitaneados pelo Presidente Jair Bolsonaro, e dirigentes de países europeus como França, Alemanha e Noruega, sobre o aumento dos desmatamentos na Floresta Amazônica, o Brasil está vivendo, coincidência ou não, a maior onda de queimadas dos últimos cinco anos. Segundo dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, dados esses que vêm sendo questionados pelas “otoridades”, já foram registrados mais de 71 mil focos de incêndios no período entre 1° de janeiro e 18 de agosto deste ano. Esse volume de queimadas é 82% maior do que foi registrado no mesmo período de 2018, quando foram detectados 39.194 focos de incêndio. A última vez que um volume semelhante havia sido registrado foi em 2016, quando ocorreram 66.622 queimadas.
Um exemplo visível da intensidade das queimadas nessa temporada pode ser visto na cidade de Porto Velho, capital do Estado de Rondônia, uma das regiões mais afetadas pela onda de incêndios. Uma grossa camada de fumaça tem encoberto a cidade nas últimas semanas, o que, inclusive, já levou ao cancelamento de diversos voos programados para o aeroporto local, por absoluta falta de visibilidade. Na primeira vez que desembarquei em Porto Velho, cidade onde trabalhei entre 2009 e 2010, lembro de ter sentido o forte cheiro dessas queimadas anuais assim que o avião abriu a porta. Logo depois, conversando com moradores locais, fiquei sabendo que isso era comum na época da seca, quando extensas áreas eram queimadas propositalmente para a abertura de novos campos agrícolas e também por incêndios que surgiam naturalmente nas terras com vegetação seca dos Campos Amazônicos.
Além de Rondônia, essa onda de incêndios também atinge as regiões amazônicas do Norte de Mato Grosso, do Acre e também da Bolívia, país que, talvez para surpresa de muitos “gringos”, também tem grande parte de seu território coberto pela Floresta Amazônica, onde também ocorrem grandes desmatamentos. Essa grande onda de queimadas também está atingindo extensas áreas dos domínios do Cerrado por toda a Região Centro-Oeste, além do Pantanal Mato-grossense e de trechos do Chaco na Bolívia e no Paraguai.
Nos últimos dias, os sistemas de ventos que circulam nas camadas mais altas da atmosfera (entre 1.000 e 5.000 metros) mudaram de direção e passaram a empurrar toda a fumaça produzida por essas queimadas na direção dos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo, onde já existe uma grande Região Metropolitana especialista na produção de muita fumaça e poluição. Foi justamente a somatória de todas essas “fumaças” a principal causadora da “chuva negra” da tarde de ontem, que pelo andar da carruagem e da devastação ambiental da Amazônia, poderá entrar definitivamente para o calendário de eventos climáticos da cidade.
Ao longo dos nossos primeiros 350 anos de história, ora como Colônia de Portugal e depois como reino e república independente, a Região Amazônica esteve relativamente isolada do resto do país. A principal razão disso era o sistema de ventos do Oceano Atlântico, que tornava praticamente impossível a navegação a vela direta entre as regiões mais povoadas do país no litoral do Nordeste e do Sudeste e a Região Amazônica.
Um grande navio movido a vela que saísse de Salvador com destino à cidade de Belém do Pará, por exemplo, praticamente teria de fazer uma viagem até Portugal, para só depois retornar na direção da Amazônia. Esse quadro de isolamento só mudou por volta do ano de 1850, quando a navegação com barcos a vapor foi introduzida na Bacia Amazônica por causa da exploração do látex, a matéria prima da borracha. Foi assim que teve início um contínuo ciclo de exploração, que em décadas mais recentes assumiu uma face de destruição da Floresta Amazônica.
Diferentemente do Ciclo da Borracha que, apesar da exploração massiva da mão-de-obra dos seringueiros nordestinos, deixou a Floresta praticamente intocada, o avanço recente da “civilização” contra a Amazônia tem criado verdadeiros “desertos” equatoriais. O garimpo, a mineração e, particularmente, a derrubada da mata para a expansão das frentes agrícolas e de criação de gado, estão repetindo os mesmos processos que levaram à destruição da Mata Atlântica e de partes bastante significativas da Caatinga e do Cerrado. Essa destruição está baseada num antigo paradigma da humanidade, que surgiu após a invenção da agricultura há cerca de 12 mil anos – é preciso sobrepujar o meio natural para a criação da “civilização”. A marcha contínua da “civilização”, desde então, vem destruindo ecossistemas em todo o mundo – a Amazônia é a “bola” da vez.
Os constantes embates midiáticos que estamos assistindo nesses últimos tempos entre nacionalistas brasileiros, preocupados em defender a soberania e as “nossas” riquezas naturais, e dirigentes hipócritas de muitos países desenvolvidos, que destruíram grande parte dos seus recursos naturais para chegar ao tão propalado desenvolvimento, não vai levar a lugar nenhum. O Brasil e os demais países da Região Amazônica precisam encontrar mecanismos e tecnologias que permitam uma exploração racional e sustentável da maior floresta equatorial do mundo. Os países do chamado Mundo Desenvolvido, se quiserem ajudar de verdade, precisam criar sistemas eficientes que inibam a compra de madeiras, minerais e demais produtos extraídos e/ou produzidos de forma insustentável na Amazônia.
Enquanto esse equilíbrio entre os dois lados do problema não for encontrado, vamos continuar nessa troca de insultos, palavras vazias e até afirmações ignorantes, especialmente aqui do nosso lado. O sol tem de nascer e brilhar para todos! Mas, parafraseando um velho ditado: tem gente que está tentando cobrir o sol com uma peneira. E se não conseguem fazê-lo dessa maneira, tentam com a grossa camada de fumaça das queimadas.
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