O SALTO DO SOBRADINHO E A CONSTRUÇÃO DE UMA DAS MAIS POLÊMICAS USINAS HIDRELÉTRICAS DO BRASIL

Sobradinho

Euclides da Cunha (1866-1909), foi militar, jornalista e escritor. Em 1897, ele foi enviado para os sertões da Bahia para cobrir, como correspondente de guerra, o conflito entre os sertanejos liderados por Antônio Conselheiro contra as forças militares do Governo Federal. Esse conflito passou para a história com o nome de Guerra de Canudos e foi imortalizado nas páginas do grande clássico de nossa literatura – Os Sertões, obra-prima de Euclides da Cunha. O livro narra detalhadamente todas as etapas do conflito, assim como a vida e o sofrimento do povo esquecido dos sertões do Nordeste. 

Em vários trechos do seu livro, Euclides da Cunha se foca em detalhes da geografia física e humana dos sertões, que em grande parte eram desconhecidos das populações do restante do Brasil e também de muitos cientistas e geógrafos da época. Muitos desses trechos são dedicados a belíssimas descrições do São Francisco, o rio mais importante da região Nordeste. Falando do Salto do Sobradinho, localizado no rio nas proximidades das cidades de Juazeiro na Bahia e Petrolina em Pernambuco, Euclides da Cunha o descreve como o início de um trecho de corredeiras, que impedia a navegação por um longo trecho do São Francisco. 

A história de Sobradinho começa no final da década de 1960, época em que o Governo Militar criou a ideologia do “Brasil Grande” e elaborou projetos de grandes obras e empreendimentos bilionários, que prometiam transformar o nosso país em uma das grandes potências mundiais. Entre rodovias, pontes e portos, os planejadores federais criaram planos para a construção de grandes usinas hidrelétricas, que forneceriam a energia necessária para o “país do futuro”. Com a construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, a região Nordeste se tornaria autossuficiente em energia elétrica e teria condições plenas para o seu desenvolvimento econômico..  

Inicialmente, a ideia era a construção de uma barragem para armazenamento de água, que tinha como objetivo apenas o aumento e a regularização das vazões do rio São Francisco no período da seca, garantindo assim a geração contínua de eletricidade nas usinas do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso. Um exemplo do uso dessa técnica foi a construção da Represa de Guarapiranga, na Zona Sul da cidade de São Paulo, com o objetivo de regularizar as vazões do rio Tietê e garantir o funcionamento contínuo da Usina Hidrelétrica de Parnahyba, a primeira hidrelétrica com reservatório do Brasil, inaugurada em 1901. Depois, os planos mudaram e optou-se pela construção de uma usina hidrelétrica no local. 

Sobradinho começou a ser construída em 1973, num trecho do rio São Francisco a 40 km a jusante das cidades de Juazeiro, no Estado da Bahia, e de Petrolina, em Pernambuco. A Usina foi projetada para gerar 1.050 MW de energia elétrica a partir de 6 unidades geradoras com potência unitária de 175.050 KW. A barragem teria um comprimento total de 12,5 km, com uma altura máxima de 41 metros. A usina entrou em operação em 1979

O lago formado a partir da construção da barragem de Sobradinho possui uma capacidade de armazenamento total de 34 bilhões de metros cúbicos de água, com um espelho d’água máximo de 4.214 km². É o maior lago artificial do Brasil em área ocupada e o segundo do mundo, só ficando atrás do Lago Volta na África. Quando o Lago atinge a sua cota máxima de armazenamento, o espelho d’água atinge um comprimento de 350 km e uma largura entre 10 e 40 km. Muitos sertanejos costumam lembrar da profecia de Antônio Conselheiro (1830-1897), que dizia que “o sertão vai virar mar e mar vai virar sertão” ao se referir ao Lago de Sobradinho.  

Diferentemente dos trechos encachoeirados e de cânion do rio onde foram construídas as Usinas Hidrelétricas de Paulo Afonso I, II, III e IV, além da Usina de Moxotó, onde poucos ribeirinhos foram impactados pelas obras, a construção da barragem e a formação do grande Lago de Sobradinho impactaria na inundação de extensas áreas ocupadas por pequenas propriedades rurais e também trechos urbano e até mesmo cidades inteiras. 

De acordo com informações do Movimento Nacional dos Atingidos por Barragem (MAB), foram retirados das áreas alagadas cerca de 70 mil habitantes, sendo aproximadamente 80% deste grupo formado por pequenos produtores rurais e seus familiares. Sete municípios tiveram áreas inundadas: Casa Nova, Sento-Sé, Pilão Arcado e Remanso, que tiveram as suas sedes transferidas e foram bastante afetados; e mais Juazeiro, Xique-Xique e Barra, que sofreram menores impactos.  

Esses pequenos produtores ocupavam as férteis planícies ao longo das margens e ilhas, adubadas naturalmente pelas cheias anuais do rio São Francisco. Após a desapropriação compulsória, muitos desses antigos produtores foram reassentados em áreas da caatinga e com condições muito menos favoráveis para a produção agrícola. 

Além de todo o drama de abandonar suas terras ancestrais e ter de recomeçar a vida em outras localidades, muitos sertanejos ainda foram enganados por espertalhões com “bons contatos no Governo e na CHESF”. Com acesso a informações privilegiadas, especialmente as áreas que seriam alagadas e quais os valores que seriam pagos em indenizações, esses verdadeiros vigaristas se travestiam de “corretores de imóveis” e aplicavam “golpes” nos sertanejos. Com muita conversa fiada, eles informavam que esses sertanejos seriam desapropriados sem receber nenhuma indenização pelas suas terras e os convenciam a vendê-las por valores irrisórios. De posse da documentação das terras, esses corretores de imóveis” procuravam a CHESF e conseguiam receber o valor integral das indenizações. Muita gente ficou milionária aplicando esse tipo de golpe nos sertões. 

Uma das grandes reclamações dos desalojados pela construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho é qualidade dos solos das terras que compraram após serem desapropriados. Diferente dos solos aluviais das margens do rio São Francisco, enriquecidos por sucessivas camadas de sedimentos depositados pelas sucessivas enchentes, muitos desses sertanejos acabaram comprando terras baratas em áreas de solo empobrecido das Caatinga, onde se trabalha muito para colher quase nada. 

O drama desses sertanejos foi imortalizado pela música de Sá & Guarabyra – Sobradinho, lançada em 1977 no período da construção da hidrelétrica: 

O homem chega, já desfaz a natureza 
Tira gente, põe represa, diz que tudo vai mudar 
O São Francisco lá pra cima da Bahia 
Diz que dia menos dia vai subir bem devagar 
E passo a passo vai cumprindo a profecia do beato que dizia que o Sertão ia alagar 

O sertão vai virar mar, dá no coração 
O medo que algum dia o mar também vire sertão 

Adeus Remanso, Casa Nova, Sento-Sé 
Adeus Pilão Arcado vem o rio te engolir 
Debaixo d’água lá se vai a vida inteira 
Por cima da cachoeira o gaiola vai subir 
Vai ter barragem no salto do Sobradinho 
E o povo vai-se embora com medo de se afogar. 

Remanso, Casa Nova, Sento-Sé 
Pilão Arcado, Sobradinho 
Adeus, Adeus 

O grande sucesso dessa música de protesto, em pleno Regime Militar, chamou a atenção de todos para as obras e ajudou a popularizar, mais para o lado negativo, a Usina Hidrelétrica de Sobradinho.

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