VOCÊ CONHECE UM MINERAL CHAMADO COLTAN?

SRSG visits coltan mine in Rubaya

É bem provável que você nunca tenha ouvido falar de um mineral chamado coltan. O coltan é uma mistura de dois minerais – a columbita e a tantalita. Da columbita se extrai o nióbio e da tantalita o tântalo. Esses dois minerais são essenciais para a fabricação de componentes eletrônicos utilizados na maioria dos aparelhos eletro-portáteis como smartphones, notebooks, tablets, computadores, televisores, videogames, filamadoras, máquinas fotográficas, sistemas eletrônicos de bordo em carros, trens, navios e aviões, entre outros equipamentos eletrônicos essenciais para a nossa vida moderna. 

Para que você tenha uma ideia da importância do coltan: um levantamento recente mostrou que cerca de 88 mil empresas da União Europeia utilizavam componentes eletrônicos fabricados a partir do coltan. E, se por qualquer problema de fornecimento, o coltan não chegar nas empresas que dependem dessa matéria prima, as consequências serão graves. Um exemplo disso foi o que ocorreu no início dos anos 2000, quando o esperado lançamento do videogame Playstation 2 foi adiado por vários meses devido a falta de coltan no mercado mundial. Em resumo: mesmo não conhecendo o coltan, você não consegue viver um único dia sem ele.

Feita esta apresentação inicial, vamos ao coração do problema: 75% das reservas mundiais desse mineral estão localizadas na República Democrática do Congo, um país no centro do continente africano e que há várias décadas vem sendo assolado por uma terrível guerra civil. Intolerâncias étnicas entre os diferentes grupos da população, disputas territoriais e políticas e, principalmente, o controle das reservas de coltan e de outros minerais raros, estão na raiz dessa guerra. De acordo com informações da ONU – Organização das Nações Unidas, mais de 6 milhões de pessoas já morreram nesse conflito, sendo que perto de 4 milhões dessas mortes estão ligadas diretamente à disputa pelo controle da mineração no país

A República Democrática do Congo é uma ex-colônia da Bélgica, alçada à condição de país independente em 1960. É o segundo maior país da África, com aproximadamente 2,35 milhões de km² e 75 milhões de habitantes, distribuídos em mais de 200 grupos étnicos. Apesar da grande riqueza mineral dos solos e com abundância de recursos naturais e energéticos, o Congo figura entre os países com as mais altas taxas de mortalidade infantil e materna, desnutrição, falta de acesso da população aos serviços de saúde, educação e segurança, além de apresentar as mais precárias infraestruturas de saneamento básico. 

Em Bandulu, uma região da província de Kivu no Leste do país, encontram-se algumas das mais importantes reservas minerais do Congo. A mineração do coltan é feita de forma completamente desordenada (vide foto) e sob um clima de absoluta violência. Existem perto de 5 mil lavras na região, que nada mais são do que imensos buracos no chão, onde homens, mulheres e crianças, muitas vezes trabalhando na condição de escravos ou semi-escravos, cavam o chão em busca do coltan, chamado de “ouro azul”, e também de ouro, diamantes, cobre, urânio, tungstênio e estanho. O trabalho dessa população é, constantemente, realizado sob a mira dos fuzis dos seguranças. 

Ao final de cada jornada de trabalho, os “mineiros” são impiedosamente revistados na busca de desvios de minérios. Caso algum dos trabalhadores seja considerado suspeito de ter engolido alguma pepita de ouro ou uma pedra de diamante, uma forma clássica de “roubar” bens preciosos, ele será conduzido para uma cela, onde permanecerá em jejum por vários dias. Todas as suas fezes serão vasculhadas na busca de qualquer quantidade de mineral que ele eventualmente tenha engolido. Caso não se encontre nenhum vestígio de minerais desviados, o preso será libertado e depois reconduzido para os trabalhos de mineração. A depender da situação e do “mau humor” dos seguranças, o pobre suspeito poderá ser simplesmente estripado e ter suas entranhas vasculhadas.

Por trás dessa estrutura caótica e violenta de mineração, encontram-se funcionários públicos corruptos, militares de todas as patentes, milicianos e combatentes dos mais diferentes grupos étnicos e, também, os chamados “senhores da guerra”. Os ganhos obtidos com a venda dos minerais, especialmente do coltan, alimentam as contas bancárias de pessoas gananciosas e, muito pior, financiam a guerra civil no Congo. Parte importante dos recursos financeiros é usada para a compra de armas e equipamentos militares, usados pelos muitos grupos que disputam o controle das mais diferentes regiões do país, especialmente as províncias minerais. 

As exportações de ouro feitas pela República Democrática do Congo nos dão uma ideia do caos da mineração no país. De acordo com estudos realizados pela ONU – Organização das Nações Unidas, 98% dessas exportações vieram de fontes ilegais. A situação da mineração no país é tão surreal que, em 2017, dois especialistas da ONU, que foram enviados ao Congo para investigar as violações dos direitos humanos nas atividades das minas, foram detidos e executados por supostos rebeldes. 

Atividades mineradoras, como as que temos analisado ao longo dessa sequência de postagens, são potencialmente impactantes ao meio ambiente. No Brasil, onde a implantação dessas atividades fica vinculada à realização de minuciosos estudos de impactos ao meio ambiente e são sujeitas à fiscalização de diversos órgãos de controle, os acidentes são frequentes. Imaginem então a situação de um país onde milhares de quilômetros quadrados do seu território, incluindo-se na lista imensas áreas que supostamente abrigam parques nacionais de preservação da vida selvagem, foram tomados de assalto por minas ilegais. 

A bacia hidrográfica do rio Congo, a maior do continente africano, sofre intensamente com os despejos de rejeito minerais resultantes de todas essas atividades. As águas contaminadas com os mais diferentes tipos de metais pesados se misturam com os resíduos sólidos e esgotos despejados pelos aglomerados humanos, comprometendo a qualidade da água usada no abastecimento das populações que vivem a jusante do rio. O rio Congo tem uma extensão total de 4.700 km e é o principal manancial de abastecimento do país. 

Os impactos ambientais da mineração também atingem em cheio antigas áreas agricultáveis, onde a população vivia da produção de subsistência.  O avanço ilegal e descontrolado das cavas expulsa, diariamente, milhares de famílias de suas terras, criando uma verdadeira onda de refugiados da mineração, algo que só faz agravar o clima de convulsão social criado pela guerra civil. 

Por essas e por muitas outras razões, o coltan figura numa lista conhecida como “os minerais de sangue”. Seu smartphone ou o seu laptop, é claro, não tem qualquer responsabilidade sobre estes horríveis fatos, mas é triste saber que aparelhos “tão legais” e imprescindíveis em nossas vidas tenham coisas desse tipo “gravadas” em seus DNAs.

Pense nesses fatos sempre que usar um desses aparelhos.

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