A ÁGUA DESSALINIZADA NO CONTINENTE MAIS SECO DO MUNDO, A AUSTRÁLIA

sidney austrália

A Austrália, chamada por muitos de ilha-continente, é pouca coisa menor do que o Brasil – o país ocupa uma área de 7,7 milhões de km², exatamente 10% a menos do que o nosso território. Junto com a Nova Guiné e algumas ilhas menores, que ocupam a mesma placa tectônica, forma o Continente Australiano, considerado o continente habitado mais seco do mundo. Nas últimas semanas, as altas temperaturas do verão Australiano concorrem para dar ao Continente um novo título: o de mais quente do mundo. Em algumas regiões do país, as temperaturas estão até 18° C acima da média, com valores próximos dos 50° C. 

Apesar da Austrália ocupar praticamente as mesmas latitudes das regiões Central e Sul do Brasil, o clima australiano é bem diferente do nosso – aliás, podemos afirmar que é praticamente o inverso. No Brasil, o clima Semiárido é encontrado em uma área relativamente pequena do interior da região Nordeste e no Norte do Estado de Minas Gerais – a maior parte do país tem clima Equatorial e Tropical; na região Sul, o clima é Subtropical.  

Na Austrália, a maior parte do território tem climas Semiárido e Desértico; uma estreita faixa ao longo das costas do Sul e uma área no Sudeste do país têm um clima Mediterrâneo, que nada mais é do que um clima temperado. Pequenas faixas ao Sudoeste e Leste do continente tem um clima Subtropical e uma faixa no extremo Norte apresenta características Tropicais (clima quente com uma forte temporada de chuvas de Monção).   

Outra forma de avaliar as diferenças drásticas nos climas dos dois países pode ser observado na disponibilidade de água: o Brasil possui 12% das reservas de água doce do mundo (lembrando que a maior parte dessa água se encontra na Bacia Amazônica), com chuvas regulares na maior parte do território. A Austrália dispõe de apenas 1% das reservas mundiais de água doce. Grande parte do território australiano sofre com a falta de chuvas, que além de irregulares, caem em volumes muito pequenos.   

A principal bacia hidrográfica da Austrália é formada pelos rios Murray e Darling. O rio Murray tem pouco mais de 2.500 km de extensão, com nascentes na Cordilheira Australiana no Sudeste do país, região que também é chamada de Alpes Australianos, e foz no Oceano Índico, nas proximidades da cidade de Adelaide. Apesar de bastante extenso, o Murray não é um rio caudaloso. Os caudais do rio aumentam consideravelmente no curso médio, quando o Murray passa a receber contribuições significativas de águas dos rios Murrumbidgee e, especialmente, do rio Darling. A região da bacia hidrográfica dos rios Murray-Darling é considerada o celeiro agrícola da Austrália. Em todo o restante da Austrália, são poucos os grandes rios e, muitos deles, são intermitentes. 

Em um país-continente com essas características e cercado por mares por todos os lados, é bastante lógico supor que a exploração e o uso da água dessalinizada sejam fundamentais para o abastecimento das populações das cidades. A partir do ano de 2006, todas as principais cidades australianas passaram a construir usinas para a dessalinização da água do mar. Com o advento da Seca do Milênio, que se estendeu entre os anos de 2000 a 2009, esses esforços foram redobrados. 

Sidney, a maior cidade da Austrália com 4 milhões de habitantes, inaugurou sua usina de dessalinização por osmose reversa em 2010, que hoje atende até 15% do abastecimento da população. Outro exemplo é a cidade de Perth, que tem 2 milhões de habitantes e é a maior cidade da Austrália Ocidental, que possui duas usinas de dessalinização, responsáveis pelo fornecimento de metade da água consumida pela população. Graças à segurança hídrica proporcionada pelo fornecimento de água dessalinizada, a cidade de Perth está realizando um interessante experimento: as águas residuárias, resultantes do tratamento dos esgotos, vem sendo injetada nos solos para auxiliar na recarga do aquífero Gnangara, o mais importante da região. Os solos arenosos funcionam como um filtro, garantindo a pureza da água, que depois será utilizada para irrigação agrícola e em parte do abastecimento da cidade. 

Apesar dos claros benefícios na complementação das cotas de água para o abastecimento, as plantas de dessalinização australianas sofrem um intenso bombardeio com críticas de grupos ambientalistas. Como o país não possui rios caudalosos que permitam a construção de usinas hidrelétricas, a maior parte da energia elétrica do país vem de usinas termelétricas a carvão, um combustível caro e poluente, que precisa ser importado. Calcula-se que mais da metade dos custos da dessalinização da água na Austrália se deve aos altos custos da energia elétrica. Outra fonte de críticas são os altos custos de implantação das plantas de dessalinização, que giram em torno de US$ 1,7 bilhão por unidade, dinheiro que poderia ser utilizado em outras obras hidráulicas

Respeitando essas críticas, que são altamente relevantes, é importante ressaltar que o aumento do uso da água dessalinizada na Austrália foi seguido por diversas iniciativas por parte das autoridades locais no sentido de reduzir e racionalizar ao máximo o consumo da água. Muitas dessas medidas foram tomadas em função da Seca do Milênio e, felizmente, foram mantidas. Com a implantação de programas de eficiência hídrica e restrições ao uso da água, algumas cidades do Sudeste australiano conseguiram reduzir o consumo em até 60%. Para atingir esses números, prefeituras e Governos dos Estados distribuíram gratuitamente kits com reguladores de pressão, arejadores para chuveiros e torneiras, além de vasos sanitários com baixo consumo de água. Em alguns casos, foram feitas campanhas para a troca de até dois chuveiros por residência por modelos mais eficientes. 

Também foram estabelecidas metas agressivas para a redução do consumo de água pelas empresas concessionárias dos serviços de saneamento básico. Essas empresas realizaram pesados investimentos em infraestrutura, modernizando redes de distribuição, ampliando unidades de armazenamentos, na produção e distribuição de água de reuso, na construção de cisternas para o aproveitamento da água das chuvas,  entre outras medidas. Essas obras, que foram fundamentais durante a grande seca, continuam garantindo uma alta eficiência dos sistemas de produção e distribuição de água potável.  

Um outro ponto importante a ser lembrado é o crescimento do uso fontes de energia renováveis na Austrália, como a energia solar. Em algumas regiões do Sul do país, essas fontes já geram perto de 40% da eletricidade consumida pelas famílias. A médio e longo prazo, essas fontes alternativas de produção de energia elétrica proporcionarão uma redução dos custos das usinas de dessalinização. 

Aumentar a oferta de água potável é fundamental, mas, acima de tudo, é importante aprender a usar a água com inteligência e racionalidade. Essa é a grande lição que a Austrália dá para o mundo.

1 Comments

  1. […] À toda essa perda recente de cobertura vegetal precisam ser somados os mais de 6 milhões de hectares de florestas que já foram destruídos pelos incêndios que vem assolando grandes regiões do país desde o último mês de setembro. Serão necessários vários meses, quiçá anos, para se ter uma noção exata dos impactos de todas essas perdas na biodiversidade do país e, especialmente, no abastecimento de água de grandes cidades.  […]

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