A SEGURANÇA DAS BARRAGENS DE REJEITOS DE MINERAÇÃO NO BRASIL, OU O EFEITO “BARRAGEM DE FUNDÃO”

Barragem de Rejeitos de Mineração

“Depois da porta arrombada, é comum que os donos das casas corram para trocar a fechadura.” 

Comecei a postagem de hoje citando esse antigo ditado, numa referência ao terceiro aniversário do acidente com a Barragem de Fundão, em Mariana, e a uma série de mudanças que ocorreram nos sistemas de fiscalização e controle das barragens de rejeitos da mineração, ocorridas nos últimos anos. Essa questão foi tema de um Workshop – “Gestão de barragens de rejeitos de mineração”, como parte dos eventos do CBMINA – Congresso de Minas a Céu Aberto e Subterrâneas. O evento foi organizado pelo IBRAM – Instituto Brasileiro de Mineração, e pela UFMG –Universidade Federal de Minas Gerais e realizado na cidade de Belo Horizonte no início do mês de agosto.  

Entre as opiniões expressas pelos palestrantes do evento, houve um relativo consenso em se afirmar que houve uma significativa melhoria na gestão de segurança das barragens de rejeitos minerais no Brasil nos últimos anos. Segundo os relatos, o Brasil passou a ser considerado como uma espécie de referência internacional em gestão de emergências neste tipo de infraestruturas, observando-se também uma evolução nos sistemas de fiscalização e de controle. O número de barragens consideradas de alto risco de acidentes também é menor do que há cinco anos atrás. Todos concordaram que, apesar da melhora geral do quadro, existe muita coisa a ser melhorada nas barragens de rejeitos de mineração. 

De acordo com os dados do setor disponibilizados, existem hoje no Brasil 786 barragens de rejeitos, sendo que 417 dessas estruturas estão inseridas na PNSB – Política Nacional de Segurança de Barragens – em 2013, estavam cadastradas no PNSB 243 barragens em todo o Brasil. 

O número de barragens classificadas como de alto risco de acidentes em 2013 era de 41 – esse número baixou para 7 em 2018. Existem 36 barragens classificadas como de médio risco e 374 como de baixo risco. Entre os Estados, Minas Gerais continua na liderança em número de barragens de rejeitos com 355 estruturas seguido pelo Pará, com 109 e por São Paulo, com 79 barragens

Entre os anos de 2001 e 2018, seguindo os palestrantes, foram registrados 35 acidentes com barragens de rejeitos de mineração em todo o mundo, numa média de quatro acidentes por ano e destes, pelo menos um acidente á considerado de grande proporção. No Brasil, foram registrados cinco acidentes no período, incluindo-se na lista o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, no ano de 2015. Entre outros grandes acidentes, foi lembrado o rompimento da barragem de rejeitos de uma mina de cobre em Mount Polley, no Canadá, em 2014, quando uma grande onda de lama e resíduos tóxicos atingiu o Lago Polley, e também os lagos Hazeltine Creek e o Quesnel, todos na região da Columbia Britânica. 

Apesar do visível otimismo dos palestrantes, informando que todos os profissionais eram ligados direta ou indiretamente ao setor da mineração, também se apresentaram alguns problemas. Um dos mais preocupantes diz respeito ao número total de barragens de rejeitos de mineração existentes no Brasil. Segundo foi informado, existem diversos cadastros de diferentes órgãos “fiscalizadores” e não se pode afirmar, com toda a certeza, que o número total de barragens do tipo no Brasil são mesmo 786 – podem ser mais ou menos. 

No último mês de fevereiro, em Barcarena, cidade do interior do Estado do Pará, uma barragem de rejeitos de uma empresa de mineração de origem norueguesa, a Norsk Hydro, transbordou aparentemente por causa do excesso de chuvas na região. De acordo com análises feitas em amostras de água pelo Instituto Evandro Chagas,da cidade de Belém, foi atestada a presença de altos níveis de produtos químicos como fósforo, alumínio, nitrato e sódio nas águas, que também sofreram uma forte elevação no pH (potencial hidrogeniônico), passando a alcalina e se tornaram impróprias para o consumo humano. Os níveis de alumínio encontrados na água, para citar um único exemplo, estavam 25 vezes acima do nível máximo permitido pela legislação.  

Com a avanço das investigações sobre esse acidente no Pará, as autoridades ambientais encontraram várias tubulações de drenagem clandestinas nas barragens, que estavam sendo utilizadas para escoar os excessos de água armazenada – ou seja, mesmo antes das denúncias dos moradores locais sobre um grande vazamento de rejeitos de mineração, a empresa já estava liberando água contaminada com altos níveis de resíduos no meio ambiente. Esse “acidente” mostra com absoluta clareza a falta de fiscalização nesse tipo de estruturas aqui no Brasil. 

Um outro caso bastante sério, que foi citado em uma postagem de outubro de 2017 aqui do blog, mostrou duas barragens de rejeitos abandonadas há vários anos na cidade de Rio Acima, em Minas Gerais. A empresa responsável pela estrutura, a Mundo Mineração, faliu em 2011 e todo o canteiro da mina foi abandonado. A empresa era especializada na extração de ouro, um processo em que existe a produção de grandes volumes de rejeitos com arsênico, um metal pesado altamente tóxico.  

Sem receber manutenção há muito tempo, as barragens de terra compactada de Rio Acima estão cobertas por mato, apresentando sinais de erosão e só esperando a chegada de uma temporada de chuvas mais fortes para consolidar o desastre “rio abaixo”. O arsênico (trióxido de arsênio) é um elemento químico que provoca o surgimento de diversos tipos de câncer em seres humanos e a sua ingestão oral é responsável por aumento na incidência de tumores no fígado, sangue e pulmões. 

Como é fácil de se notar e apesar de toda essa aparente melhoria na gestão das barragens de rejeitos em nosso país, as lições deixadas pelo rompimento da Barragem de Fundão não foram completamente absorvidas por todos. Encerrando, deixo uma preocupação que já externei várias vezes aqui: imaginem as consequências do rompimento de uma barragem de rejeitos na região do alto rio Paraíba do Sul, nos moldes do que aconteceu no rio Doce – a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que depende dessas águas para o seu abastecimento, vai ficar, literalmente, com as torneiras secas… 

Pensem nisso. 

Leia também:

O VAZAMENTO DE BARRAGENS DE REJEITOS E OS RISCOS PARA O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO RIO DE JANEIRO

5 Comments

  1. Pelo que vimos no texto tudo que aconteceu nesse Workshop foi papo furado, simples assim, pois onde um governo que não tem funcionários suficientes para fiscalizar e deixa por conta própria das empresas fiscalizarem e mentirem descaradamente. Só pode acontecer o que vimos em Brumadinho.

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