Na última postagem falamos da situação trágica em que se encontra a represa Billings, o maior manancial da Região Metropolitana de São Paulo. De represa criada para a geração de energia elétrica na década de 1930 até a situação atual, quando se parece mais com uma grande fossa a céu aberto, foi um longo caminho, que até agora não encontrou seu “final feliz”.
É impossível falar dos problemas da represa Billings sem ao menos citar a Guarapiranga, represa vizinha, separada apenas por um espinhaço de pequenos morros. Apesar da história das duas represas ter origens diferentes, as duas compartilham dos mesmos problemas: ocupação de áreas de mananciais por loteamentos irregulares, produção e despejo de grandes quantidades de esgotos in natura nas suas águas pelos muitos bairros clandestinos, carreamento de lixo e de entulhos despejados nas margens de córregos ou da própria represa, entre outros problemas.
A Guarapiranga, chamada originalmente de represa de Santo Amaro, é um espelho d’água pequeno, com pouco mais de 26 km², encravada totalmente na Zona Sul da Cidade de São Paulo. Ela teve as suas obras principais concluídas em 1908 e foi concebida para regularizar a vazão do rio Tietê, cujas águas estavam sendo utilizadas desde o final do século XIX para acionar as turbinas da Usina Hidrelétrica de Santana de Parnaíba. A Usina enfrentava problemas com as vazões irregulares do Rio Tietê, que alternava cheias nos períodos de chuva e baixíssimas vazões nos períodos de seca. Com a construção da represa Guarapiranga, a água das chuvas de verão era acumulada e, quando chegava o período da seca, as comportas eram abertas e a água seguia primeiro pelo rio Pinheiros, atingindo depois o canal do rio Tietê.
A escolha pela região de Santo Amaro deveu-se ao relevo dos acentuados contra fortes da Serra do Mar, com grande precipitação de chuvas e garantia de boa vazão nos rios da região, especialmente nos cursos do Guarapiranga, nome de origem tupi que significa “guará vermelho”, Embu-Guaçu e Embu-Mirim, nomes também de origem tupi que significam “cobra grande” e “cobra pequena”, respectivamente. Santo Amaro era, na época, uma pequena cidade fortemente rural, o que barateou imensamente os custos de desapropriação das chácaras na região de formação da represa.
Com o crescimento da cidade de São Paulo e a necessidade de ampliar o estoque de água para o abastecimento urbano, a partir de 1928 a represa Guarapiranga foi promovida a manancial para o abastecimento de água potável. Apesar dessa promoção, a região de entorno da represa não recebeu nenhuma atenção especial das autoridades no sentido da preservação das áreas verdes e das nascentes dos rios e córregos que alimentam o reservatório. Nenhuma legislação ou política de ocupação racional dessa região de mananciais foi definida e/ou implantada pela municipalidade ou Governo estadual.
Com a Região Metropolitana de São Paulo passando por um forte crescimento industrial a partir da década de 1940, milhares de imigrantes passaram a buscar na cidade emprego e uma melhor perspectiva de vida. Começou então um processo de “fabricação em massa de loteamentos populares”. Grandes áreas verdes que existiam por toda a cidade passaram a ter sua vegetação derrubada e lotes e ruas eram demarcados. Na Zona Sul de São Paulo, a cobiça dos loteadores (muitos desses trabalhando de forma clandestina), não tardou a chegar nas áreas de mananciais nas regiões de entorno da represa Guarapiranga. Esses loteamentos tiveram início na década de 1950 e, acreditem ou não, continuam ocorrendo até hoje.
As autoridades calculam que uma população superior a 800 mil pessoas viva atualmente nas áreas dos mananciais formadores da represa Guarapiranga. Considerando-se a população que ocupa as áreas de entorno e de mananciais da represa Billings, esse número vai atingir a marca de 1,6 milhão de pessoas. Calcula-se que 40% das moradias nessas regiões são irregulares, o que significa que são bairros com infraestrutura das mais precárias, especialmente no que diz respeito a rede coletora de esgotos. A legislação brasileira proíbe o gasto de dinheiro público na realização de obras em áreas com situação fundiária irregular, especialmente quando se tratam de invasões de terrenos de particulares.
Para resolver seus problemas mais imediatos, os moradores se reúnem e fazem eles mesmos redes de esgotos improvisadas, que vão acabar lançando efluentes nos córregos e rios que alimentam a represa. De acordo com dados das Prefeituras da região, existem aproximadamente 444 loteamentos irregulares nas regiões de mananciais das represas Billings e Guarapiranga. Somente nos últimos 5 anos, foram registradas mais de 75 invasões de áreas na região, agregando mais 10 mil habitantes a já grande população local. A densidade habitacional na região é calculada em 500 habitantes por km². Na cidade de Nova York, para efeito de comparação, a população máxima admitida nas áreas de mananciais dos reservatórios é de 19 habitantes por km².
Mesmo sofrendo com os grandes volumes de esgotos in natura e de lixo que chegam até as suas águas (fortes tempestades caíram hoje na região de Santo Amaro e uma grande parte do lixo jogado nas ruas e terrenos da região acabarão sendo carreados para a represa), a Guarapiranga fornece 20% da água usada no abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo – são 4 milhões de pessoas que dependem das suas águas. Durante a crise hídrica que fez secar o Sistema Cantareira entre 2014 e 2015, a represa Guarapiranga, heroicamente, passou a responder pelo fornecimento de até 50% da água usada no abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo – apesar dos seus valorosos serviços, muito pouco foi feito depois disso para melhorar a situação ambiental da represa.
Assim como acontece na Billings, a chegada das chuvas representa um período de alívio para a represa Guarapiranga. Os grandes volumes de água que chegam ao espelho d’água ajudam na recuperação do seu nível e contribuem para a melhoria da qualidade das suas águas, diluindo o volume de esgotos. Isso é muito bom – com o verão chegando, a Guarapiranga acabará transformada em uma “praia para os pobres”, recebendo diariamente até 10 mil banhistas.
Enquanto dias melhores não chegam, pelo menos o banho refrescante e o bronzeamento dessa gente nas águas e margens da Guarapiranga estão garantidos.
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[…] Eu conheci muitos moradores antigos do bairro que nadaram, pescaram, lavaram roupa e se abasteceram com as águas limpas do rio Pinheiros. Na minha infância, desgraçadamente, o rio já era uma grande vala de esgotos a céu aberto. Felizmente, pude aproveitar, e muito, das ‘praias” e das águas da represa Guarapiranga. […]
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