AGRICULTURA E FLORESTAS – UM ETERNO CONFLITO

Canaviais

A “invenção” da agricultura, conjunto de eventos que aconteceram entre 10 e 12 mil anos atrás, foi a primeira grande revolução vivida pela humanidade e foi magistralmente definida pelo escritor Alvin Toffler como “A Primeira Onda”. A pequena humanidade de então, gradativamente foi abandonando a vida nômade de caçadores e coletores e passando a viver ao lado dos grandes rios, locais onde era possível praticar a agricultura. 

Isso tudo você já leu aqui neste blog e em mais uma infinidade de fontes diferentes. O que os autores raramente costumam falar e escrever é que a agricultura foi uma atividade criada e desenvolvida originalmente nas estepes da Ásia e nas áreas de várzea de grandes rios como o Nilo, no Norte da África, ou no Indus e Ganges, rios do subcontinente indiano. Esses ecossistemas têm vegetação extremamente rala – as estepes asiáticas são cobertas em sua maior parte por gramíneas, lembrando muito os Pampas gaúchos; as áreas de várzea costumam apresentar grandes extensões de juncais, como por exemplo os papiros do rio Nilo, além de vegetação arbustiva e algumas árvores. Praticar agricultura nestes tipos de terrenos é bem diferente da prática em regiões cobertas por densas florestas, onde primeiro é necessário derrubar e queimar as grandes árvores, formando assim uma espécie de “estepe” artificial, para só depois começar a arar a terra e a semear os grãos e plantar os legumes, frutas e verduras. 

Um grande exemplo do impacto da agricultura sobre as áreas florestais foi o que aconteceu no continente europeu, que originalmente apresentava grandes extensões cobertas por densas florestas. Após as migrações de sucessivos grupos humanos já habituados à prática da agricultura em suas terras de origem no Oriente Médio e Ásia Central, as florestas da Europa passaram a ser derrubadas gradativamente. Um grande exemplo é a Inglaterra, país que já foi completamente coberto por florestas e que hoje tem algo como 2% da cobertura vegetal original – a famosa Floresta de Sherwood, esconderijo do lendário Robin Hood, hoje em dia não passa de um pequeno bosque, que lembra muito um parque urbano. 

A introdução da agricultura aqui no Brasil começou na década de 1530, época em que desembarcaram em nossas terras os primeiros colonizadores, que nas suas “bagagens” trouxeram as primeiras mudas de cana-de-açúcar, bois para puxar os arados e as grandes carroças de lenha (naquela época, para se produzir 1 kg de açúcar, era necessária a queima de 20 kg de lenha nos engenhos coloniais) e alguns escravos africanos, uma vez que se imaginava usar a mão de obra dos indígenas. Havia um “pequeno obstáculo” para o início da formação dos primeiros canaviais – toda a faixa Leste das costas do Brasil era coberta por uma densa floresta, que mais tarde acabou batizada de Mata Atlântica

Originalmente, a Mata Atlântica cobria uma extensa faixa de terras ao longo do litoral brasileiro, desde o Norte do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte. Em alguns trechos, como nos Estados de São Paulo e Paraná, a floresta avançava continente a dentro atingindo áreas da Argentina e do Paraguai. A área original da Mata Atlântica é calculada em pouco mais de 1,3 milhão de km² – o que restou em nossos dias é menos de 10% dessa área. No litoral da região Nordeste, a Mata Atlântica ocupava uma estreita faixa ao longo do litoral, com uma largura que variava entre 30 e 80 km e que ainda hoje é conhecida como a Zona da Mata. 

Exploradores e cronistas das primeiras décadas da colonização falavam da imponência da Mata Atlântica no litoral nordestino, onde se encontravam grandes árvores e grandes rios – por mais estranho que isso possa parecer nos dias atuais, a água era um elemento dominante na faixa litorânea do Nordeste. Preste atenção neste trecho do livro Nordeste, de Gilberto Freire: 

“Rios do tipo do Beberibe, do Jaboatão, do Una, de Serinhaém, do Tambaí, do Tibiri, do Ipojuca, do Pacatuba, do Itapuá. Junto deles e dos riachos das terras de massapê se instalaram confiantes os primeiros engenhos. Rios às vezes feios e barrentos, mas quase sempre bons e serviçais, prestando-se até a lavar os pratos das cozinhas das casas-grandes e as panelas dos mucambos (ou mocambos).” 

A introdução da cultura da cana-de-açúcar na região Nordeste gradativamente foi destruindo a floresta a “ferro e a fogo” – grandes trechos da Mata Atlântica arderam continuamente dia e noite durante décadas, liberando assim espaço para o plantio de novas mudas das plantas e garantindo a produção continua do valioso açúcar. Esse avanço feroz da agricultura contra as matas nordestinas teve um altíssimo custo ambiental – os riquíssimos e férteis solos de massapê, gradativamente, passaram a ser carreados pelas chuvas e arrastados na direção desses grandes rios descritos por Freire; os próprios rios, por fim, acabaram assoreados, poluídos e com caudais irremediavelmente reduzidos. Dois dos rios citados, o Beberibe – afluente do rio Capibaribe, e o Ipojuca, ambos localizados no Estado de Pernambuco, não por acaso estão na lista dos rios mais poluídos do Brasil. E sem os solos de massapê e a grande fartura de água dos dias de outrora, a produtividade desses canaviais também foi caindo gradativamente.

São esses impactos ambientais, que a história da cultura da cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro resume tão bem, que a agricultura já provocou e que ainda continua provocando em algumas regiões do Brasil e do mundo, e que precisam ser repensados. Ao mesmo tempo em que todos os seres humanos dependem da agricultura para a produção dos alimentos e matérias primas de todos os tipos, também precisam das águas dos rios. É fundamental que se garanta que os recursos hídricos continuem fluindo e com águas de boa qualidade para todos. 

17 Comments

  1. […] Agricultura e florestas são duas forças que não se combinam muito – tratamos disso em uma série de postagens anterior. A partir da década de 1530, quando teve início a colonização efetiva do Brasil e chegaram as primeiras mudas de cana-de-açúcar, começou um intenso processo de supressão da cobertura florestal para a formação de campos agricultáveis. Na região Nordeste, os profundos e férteis solos de massapê, garantiram excepcionais safras de cana e impulsionaram um sem número de engenhos produtores de açúcar, especialmente no trecho entre a foz do rio São Francisco, na divisa dos atuais Estados de Alagoas e Sergipe, e a Ilha de Itamaracá, em Pernambuco. […]

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  2. […] Agricultura e floresta são duas coisas que não costumam combinar. Dentro de nossa tradição cultural, herdada principalmente dos nossos colonizadores europeus, é necessário derrubar ou queimar a floresta para só depois iniciar a prática da agricultura sobre os solos desnudos. Essa “tradição” remonta a um passado distante, entre 10 e 12 mil anos atrás, quando surgiu a primeira grande revolução da humanidade, que foi magistralmente definida pelo escritor Alvin Toffler como “A Primeira Onda”- a invenção da agricultura, também conhecida como revolução agrícola ou revolução neolítica. […]

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  3. […] Árvores em crescimento absorvem grandes quantidades de carbono da atmosfera, ajudando a minimizar os problemas atmosféricos que induzem ao aquecimento global. Infelizmente, o que se vê é um aumento cada vez maior da derrubada de florestas em todo o mundo. De acordo com dados da ONU – Organização das Nações Unidas, foram perdidos mais de 420 milhões de hectares em áreas florestais em todo o mundo desde 1990, especialmente para a prática da agricultura.  […]

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