A Cordilheira das Himalaias na Ásia forma a maior cadeia montanhosa do mundo e com as maiores concentrações de geleiras fora da Antártica. As águas provenientes do derretimento dessas geleiras são as responsáveis pela formação de alguns dos rios mais importantes do continente: O Amu Daria e o Syr Daria na Ásia Central; o Indus, o Ganges e o Bramaputra no subcontinente indiano; o Yangtzé (rio Azul) e o Huang Ho (rio Amarelo) na China e o Mekong, o mais importante rio do Sudeste asiático, sobre o qual falaremos na postagem de hoje.
O rio Mekong nasce nas Montanhas Himalaias do Tibete, região controlada pela China, e ao longo de seu curso de mais de 4.300 km atravessa outros cinco países – a fronteira entre Mianmar e Laos, grande parte da fronteira entre o Laos e a Tailândia, Camboja e por fim o Vietnã. Cerca de 100 milhões de pessoas, pertencentes a quase uma centena de grupos étnicos diferentes, vivem ao longo das margens do rio Mekong e dependem, direta ou indiretamente, de suas águas. Somente no Delta do rio Mekong no Vietnã, uma região com aproximadamente 40 mil km², vivem cerca de 17 milhões de pessoas, população que depende das águas do rio para abastecimento, transporte (vide foto) e irrigação dos campos de arroz – o Vietnã é o terceiro maior produtor mundial e seu arroz é considerado um dos melhores do mundo. Aliás, o país exporta a maior parte da sua produção a várias décadas e importa arroz de qualidade inferior para o abastecimento de sua população, gerando assim receitas em moeda estrangeira para equilibrar sua balança de pagamentos.
As águas do rio Mekong são também fundamentais para a agricultura de todos os países e regiões que formam a sua bacia hidrográfica. As Monções, conjunto de fortes ventos que se formam nas águas do Oceano Índico nos meses do verão, carregam poderosas massas de nuvens na direção das Montanhas Himalaias e criam uma fortíssima temporada de chuvas em todo o Sudeste asiático e subcontinente indiano. Essas chuvas provocam fortes enchentes nos rios da região, cobrindo todas as margens e áreas baixas com uma grossa camada de sedimentos e nutrientes – essa camada de solo com excepcional fertilidade é usada há milhares de anos pelas populações da região para a produção de todo o tipo de gêneros alimentícios, especialmente o trigo, grão fundamental para as populações do Paquistão e da Índia, e o arroz, alimento principal dos países do extremo oriente e do Sudeste asiático.
Esse perfeito equilíbrio, que sempre existiu entre as populações e o rio Mekong, está sob forte ameaça: diversas barragens de usinas hidrelétricas já foram construídas e existem pelo menos doze grandes projetos em andamento. A China, que já construiu três hidrelétricas no alto rio Mekong, está construindo mais uma unidade geradora – esse conjunto de represas já causou uma redução substancial nos caudais do rio; o Laos pretende construir oito unidades, o Camboja duas, além de duas hidrelétricas previstas na fronteira entre a Tailândia e o Laos. Essa sucessão de barragens de usinas hidrelétricas, construídas em blocos independentes por diferentes países, não estão considerando que o rio Mekong é um meio ambiente único e ameaçado em diferentes frentes.
Conforme já comentamos em diversas postagens deste blog, o barramento sucessivo de um rio causa todo um conjunto de impactos na dinâmica das populações animais e vegetais. Essas mudanças vão desde a alteração da velocidade das correntezas, transformando ambientes lóticos (de águas com forte correnteza) em lênticos (de águas paradas), algo que afeta plantas e animais, até a criação de obstáculos para espécies de peixes migratórios, que na época da reprodução buscam águas tranquilas correnteza acima. Um exemplo de graves alterações ambientais provocadas pela construção de sucessivas usinas hidrelétricas é o nosso rio São Francisco, onde estamos assistindo à extinção de diversas espécies de peixes, entre elas o icônico surubim. O rio Mekong tem aproximadamente 1.200 espécies de peixes e produz, anualmente, mais de 2 milhões de toneladas de pescados, alimento essencial para as populações. Essa produção pesqueira, fatalmente, irá declinar ao longo do tempo.
A criação de sucessivas represas ao longo do rio também terá forte repercussão nos ciclos de cheias anuais, reduzindo fortemente as enchentes e o transporte de sedimentos formadores das camadas de solos férteis. A construção da represa de Assuã no Egito, na década de 1960, produziu um efeito semelhante e alterou os ciclos de cheias do rio Nilo – sem essa fertilização natural das margens, as populações rurais passaram a depender do uso de fertilizantes químicos, um custo extra que reduziu, e muito, os lucros dos produtores; algo semelhante irá acontecer nas terras marginais do rio Mekong, prejudicando dezenas de milhares de pequenos e pobres produtores rurais.
Por fim, a redução da vazão do rio Mekong irá comprometer todo o equilíbrio da região do delta – sem a força e o volume dos atuais caudais de águas doces, haverá a tendência do avanço das águas salgadas do Mar da China para o interior dos canais do delta, alterando complemente as condições ambientais e inviabilizando a produção agrícola na região. Algo semelhante está acontecendo na foz do rio São Francisco, onde o nível de salinização está cada vez mais alto e diversas vilas e cidades têm cada vez mais dificuldade para o abastecimento de suas populações e irrigação de plantações.
Continuaremos a falar dos problemas do rio Mekong na próxima postagem.
PS: Comemoramos hoje o 2º aniversário do blog.
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Parabéns pelo seu blog, que navegue muitos e muitos anos por aqui.
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Obrigado! Já se foram 531 postagens, com quase 470 mil palavras digitadas. Haja assunto e dedos para escrever tanto…
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