FLORESTAS IRRIGADAS COM EFLUENTES DE ESGOTOS NO DESERTO DO EGITO

Floresta Serapium

O Egito é, há pelo menos 4 mil anos, uma referência quando o assunto é agricultura irrigada. Ocupando uma área de 1 milhão de km², pouco maior que o Estado de Mato Grosso, o país é um “mar sem fim” de terras áridas e desérticas – a exceção é uma longa faixa verde, que corta o território de Norte a Sul às margens do precioso rio Nilo. Essa região fértil, que ocupa apenas 5,5% da área total do país, concentra 99% da população egípcia. Logo, não há nenhum exagero em se afirmar que o Egito é o rio Nilo – é impossível um existir sem o outro. 

De acordo com estudos arqueológicos feitos na região, as primeiras tribos nômades se estabeleceram nas margens do rio Nilo há cerca de 8 mil anos. Esses povos rapidamente adaptaram suas vidas às cheias anuais do rio que, naturalmente, fazem as águas avançar contra as margens e fertilizar os solos com sedimentos ricos em nutrientes. Com o passar dos séculos, esse povo aprimorou os mecanismos criados pela natureza e desenvolveu sofisticadas técnicas de irrigação por valas de inundação, transformando-se depois num dos mais importantes celeiros agrícolas do mundo antigo. Infelizmente, passados vários milênios, os egípcios modernos continuam usando as mesmas técnicas de irrigação – os tempos e o rio Nilo, porém, já não são os mesmos. 

Com uma população na casa dos 100 milhões de habitantes, o Egito depende como nunca do rio Nilo para irrigar suas lavouras, dessedentar os rebanhos animais e abastecer suas cidades. Essa dependência é bastante simples de se explicar – 96% da água disponível no país vem do rio Nilo. E esse recurso está bem próximo do esgotamento – a demanda está chegando perigosamente perto da oferta de água. Como se tudo isso já não fosse desesperador, ocorre hoje uma intensa disputa pelas águas do rio Nilo entre o Egito e os demais países que compõem a bacia hidrográfica – falaremos disso no próximo post

Falemos por hora de um projeto de pesquisa, coordenado por cientistas egípcios e alemães da Universidade Técnica de Munique, que teve início na década de 1990 – águas residuárias de uma ETE – Estação de Tratamento de Esgotos, de uma região com uma população de 500 mil pessoas, passaram a ser usadas na irrigação de florestas artificias em 36 áreas de deserto. Uma dessas áreas, a Floresta Serapium, já mostra excelentes resultados. 

Antes, uma rápida explicação: dependendo da tecnologia usada no tratamento dos esgotos ou do projeto dessas estações de tratamento, os efluentes de saída ou águas residuárias ainda podem conter grandes quantidades de matéria orgânica não tratada e patógenos de todos os tipos. Se esses efluentes forem lançados diretamente em um rio, há riscos de contaminação das águas, numa proporção bem menor, é claro, se comparado com o lançamentos de esgotos in natura.

A ideia dos pesquisadores era utilizar essas águas residuárias, onde se encontram altas concentrações de fosfato e nitrogênio, fertilizantes naturais, para a irrigação de várias espécies de árvores nativas do Egito e de espécies exóticas como o eucalipto e o mogno, essas últimas com alto valor comercial. O transporte da água até as florestas, que ficam na região de Ismaília – a duas horas de carro do Cairo, é feito por um sistema de adutoras. A irrigação das plantas é feita por gotejamento localizado, a partir de uma rede de tubulações flexíveis distribuídas no solo. Cada uma das árvores recebe, em média, 5 litros de água a cada dia. 

Na preparação do solo arenoso para o plantio, os pesquisadores utilizam um composto preparado a partir de folhas e galhos de árvores triturados, que, em conjunto com os fertilizantes presentes nas águas residuárias, se encarregarão de nutrir as plantas. Com toda essa “fartura”, as árvores conseguem se desenvolver em tempo recorde: um eucalipto, que leva cerca de 60 anos para se desenvolver completamente na Alemanha, no calor do deserto do Egito consegue atingir a mesma maturidade em apenas 15 anos

O sucesso da pesquisa, que poderá criar uma nova fonte de renda para o país, tem um forte apelo ecológico e social, ajudando a resolver dois problemas ao mesmo tempo: evita que os resíduos de esgotos ainda presentes nas águas residuárias sejam lançados no leito do já combalido rio Nilo, ao mesmo tempo em que está criando oportunidades de trabalho e renda (vide foto) na combalida economia do Egito, um país que há vários anos vem perdendo preciosas receitas na área do turismo, a mais importante “indústria” do país. 

 

6 Comments

  1. […] Como parte dos esforços para reduzir a intensa poluição das águas do rio Nilo, o Programa Nacional do Egito para o Uso Seguro da Água de Esgoto, uma organização criada há cerca de 25 anos atrás para buscar alternativas para o uso das águas residuárias no país, teve a ideia de plantar florestas e usar os despejos de águas das estações de tratamento de esgotos para uso na i….  […]

    Curtir

    Responder

Deixar mensagem para DELTA DO MEKONG: DOS LUSÍADAS À SALINIZAÇÃO DOS ARROZAIS | ÁGUA, VIDA & CIA – Fernando José de Sousa Cancelar resposta