O escritor e futurista norte-americano Alvin Toffler (1928-2016), definiu com absoluta precisão, na minha opinião, o início da agricultura como a “Primeira Onda“. A pequena população humana naqueles duros tempos entre 10 e 12 mil anos atrás, que em todo o planeta mal passava de 100 mil habitantes, foi descobrindo pouco a pouco que era possível cultivar a terra e assim produzir o seu alimento. Durante dezenas de milhares de anos, os pequenos grupos humanos vagaram sem um rumo certo pelas extensas estepes e savanas, em busca de caça e pesca, comendo frutas e raízes que encontravam pela frente e, não raras as vezes, enfrentavam longos períodos de fome. Algumas vezes, inimigos de clãs rivais acabavam sendo mortos e devorados por esses seres humanos famintos.
Na concepção de Toffler, o início da agricultura “varreu” a face da terra como uma grande onda de um tsunami, destruindo tudo o que havia no seu caminho e fazendo surgir todo um novo estilo de vida. Os grupos nômades se fixaram em áreas propícias à agricultura (perto de grandes rios e com clima favorável), cidades passaram a ser construídas, as classes sociais foram sendo definidas, novos deuses surgiram, entre outras grandes mudanças – nascia a “civilização”.
É claro que que essa “onda” não foi tão rápida quanto pode parecer – o trigo, por exemplo, uma das primeiras e mais importantes culturas agrícolas que a humanidade dispõe desde aqueles tempos, não surgiu de uma hora para outra. Essa gramínea teve de passar por um longo processo de melhoramento e “domesticação”, até ter seus grãos num bom tamanho e em quantidade adequada para a produção da farinha; ferramentas para trabalhar a terra tiveram de ser criadas e aprimoradas – desde pás e enxadas até arados rudimentares; animais de tração foram domesticados e os conhecimentos das melhores épocas para o plantio e a colheita tiveram de ser desenvolvidos.
Se você consultar os livros de história, verá que as primeiras grandes civilizações surgiram e se desenvolveram bem ao lado de grandes rios: Tigre e Eufrates na Mesopotâmia, Nilo no Egito, Indus e Ganges no sub-continente indiano, Yangtzé na China. Em todas essa civilizações ancestrais, o cultivo da terra era sincronizado com as cheias anuais dos rios, cujas águas carregadas de sedimentos e nutrientes cobria o solo com uma camada fértil de húmus – tudo o que se plantasse ali crescia e se desenvolvia muito bem. Surgia assim, uma relação entre agricultura e o uso de grandes volumes de água, que, de certa forma, persiste até hoje em grande parte do mundo.
Essa relação entre populações humanas, agricultura, águas e terras foi se tornando tão simbiótica, que a mitologia e a religião passaram a sofrer influências – um mito, comum em diversas culturas antigas, ensina que o homem foi criado a partir do barro, o mesmo sedimento que é trazido pelas águas e permite o surgimento da vida (das plantas). Em nossas raízes cristãs, é essa a imagem da criação de Adão a partir do barro, que depois tomou vida após Deus ter soprado em suas narinas. Coincidência ou não, encontramos exatamente essa mesma narrativa na mitologia de povos que viveram na Mesopotâmia, no Egito, na Índia e até na China.
Essa revolução agrícola teve seu preço – a pequena população humana dos tempos do início da agricultura, contando com fartura de alimentos e com a segurança alimentar, não parou mais de crescer – hoje já somos mais de 7 bilhões de pessoas, que continuam a depender da mesma agricultura criada naqueles tempos antigos. Muita coisa melhorou ao longo de todo esse tempo e os campos de hoje produzem como nunca conseguiram produzir antes. E com tantas bocas para alimentar, será necessário aumentar ainda mais a produtividade da agricultura, porém sem poder mais se contar com a abundância das águas e das cheias do Tigre, Eufrates, Nilo, Indus, Ganges e de outros grandes rios de outrora. Aliás, são bem poucos os lugares com água em abundância para se usar nas plantações – esse é o novo paradigma que deverá nortear a agricultura daqui para a frente: produzir cada vez mais, com quantidades cada vez menores de água.
A agricultura do futuro será, literalmente, feita na base do “conta-gotas”.
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