O AMAZONAS ESPANHOL DE FRANCISCO DE ORELLANA

El Dorado

Na última postagem, apresentamos uma descrição ultra mega compacta da formação da Cordilheira dos Andes, um evento geológico altamente complexo, que foi o principal responsável pela formação da grande bacia do rio Amazonas. Posteriormente, mudanças climáticas globais tornaram possível a formação da Floresta Amazônica. Milhões de anos após essa gênese equatorial, populações humanas começaram a chegar e a estabelecer assentamentos nas margens dos rios, nos altiplanos e nas montanhas andinas, em áreas isoladas das florestas e em planícies junto aos oceanos. Vamos enfocar a partir desta postagem num período histórico bem mais recente, que se deu a partir da chegada dos europeus ao continente Americano – a organização social e política regional que temos hoje na região é a herança mais evidente desse período. 

As primeiras expedições espanholas ao Novo Mundo, a partir de 1492, levaram os grandes navios direto para a região do Caribe, onde ilha após ilha, o mapa das novas terras foi sendo desenhado. Hispaniola, Cuba, Jamaica, pequenas e grandes Antilhas, até o desembarque no continente em terras da América Central. Já em 1513, Vasco Nuñes de Balboa (1475-1519) descobriu que através de um caminho terrestre não muito extenso no Panamá, se chegava ao Oceano Pacífico. Será nas cercanias deste caminho, quatro séculos mais tarde, que será construído o magnífico Canal do Panamá. Esse caminho era infinitamente mais curto que a longa rota para o Oceano Pacífico que seria encontrada por Fernão de Magalhães em 1520, atravessando o estreito que leva seu nome no extremo sul do continente. Mas a conquista do México e de todos os tesouros do império asteca por Fernando Cortês em 1520, desviou a atenção dos conquistadores desta descoberta. 

Ao longo dos anos posteriores, os espanhóis navegaram a partir do Panamá rumo ao sul do Pacífico, ampliando paulatinamente seus domínios. Foi através desta passagem pelo Panamá que partiu, em 1533, a expedição de Francisco Pizarro (1476-1541), o grande conquistador do Império Inca – 150 homens que, com muita traição e esperteza, realizaram uma das maiores proezas militares de todos os tempos. Os tesouros de Atahualpa foram tomados pelos espanhóis e Pizarro se transformou no Vice-Rei do Peru. A colonização espanhola nesta parte da Amazônia se concentrou neste pequeno trecho da costa do Oceano Pacífico. 

No Oceano Atlântico, as correntes e os ventos alísios trouxeram Cabral e sua frota de 13 navios diretamente para a faixa Leste do Brasil, interrompendo por 12 dias sua expedição para Calicute, na Índia. Ao partirem, o Anticiclone do Atlântico Sul empurrou suas caravelas diretamente para o extremo Sul da África de onde puderam seguir para o Oriente na direção do subcontinente indiano. O navio da frota que recebeu ordens para retornar a Portugal com as notícias sobre a descoberta (a famosa carta de Pêro Vaz de Caminha seguiu neste navio) fez exatamente este percurso até o largo da costa africana, virando a seguir para o Norte, acompanhando a corrente de Benguela e depois as correntes e ventos do Anticiclone dos Açores até chegar em Portugal. 

A concentração de colonizadores espanhóis no Caribe e costas do Oceano Pacífico, e de portugueses na faixa Leste do Brasil, foi extremamente benéfica para a região Amazônica, que ficou isolada, literalmente, por séculos. Talvez, se as condições de navegação fossem melhores, a Amazônia já teria sucumbido há mais tempo ao machado e ao fogo dos colonizadores, a exemplo da maior parte Mata Atlântica. Outro fator determinante a favor da Amazônia foi a grande concentração de florestas e de selvagens. Homens brancos ocidentais do início da Idade Moderna se julgavam muito acima da natureza – e podendo ficar longe dela, melhor; para o gosto desses homens já havia suficientes índios e matas nas faixas costeiras do Leste português e ouro e prata no Oeste espanhol – para que arrumar mais problema. Enquanto nada mais estimulante ou novas riquezas surgissem, esses colonizadores continuariam onde já haviam se estabelecido. 

Legalmente, o Amazonas era espanhol – o Tratado de Tordesillas assinado entre Portugal e Espanha indicava claramente sua localização na faixa de terras a Oeste daquela linha imaginária que dividiu o Novo Mundo. Pela falta de recursos técnicos na época para a localização geográfica precisa do Meridiano de Tordesillas, diferentes cartógrafos, portugueses e espanhóis, fizeram as suas projeções nos mapas – em todas essas projeções do Meridiano, a Amazônia sempre ficava no lado espanhol.  

A primeira expedição espanhola que se dispôs a se aventurar pela região Amazônica foi organizada por Francisco de Orellana (1490 – c. 1550). Orellana era espanhol de Trujillo, terra natal da família Pizarro, importante sobrenome na história da conquista da América, clã familiar ao qual ele próprio pertencia. Veio para a América com dezesseis anos. Sua ligação com os Pizarro foi muito importante – muitos destes ocupavam posições chave nos governos locais, especialmente no Panamá. 

Acompanhando o grande conquistador Francisco Pizarro, o jovem Francisco de Orellana, participou dos ataques a Lima, Trujillo e Cuzco. O jovem hidalgo conquistou muita honra e ouro, é claro – nobres espanhóis, na época, vinham para o Novo Mundo para conquistar riquezas. Numa destas batalhas, Francisco de Orellana perdeu um olho, que foi atingido por uma flecha indígena. 

Por volta de 1540, ocioso e dono de muitas posses, Francisco de Orellana ouviu falar de uma expedição que estava sendo organizada por Gonzalo, irmão caçula da família Pizarro. Esta expedição se dirigiria para o coração da Floresta Amazônica, do outro lado da Cordilheira dos Andes. Circulava entre os espanhóis o testemunho de vários índios, onde se descrevia a mítica história de um rei local, que nunca usava roupas: ele se vestia unicamente com ouro em pó. Todas as manhãs ele tinha seu corpo untado com óleo e recoberto com ouro em pó; ele tomava banho todas às noites em um lago para ‘limpar seu corpo’. Essa é a origem da lenda do El Dorado (vide imagem), que aparece em muitos registros da época. Veja um deles: 

“cierto rey que sin vestido 

em balsas iba por uma piscina a hacer oblación según 

el vido ungido todo bien de trementina 

y encima cuantidad de oro molido desde los bajos  

pies hasta la frente como rayo del sol resplandeciente.” 

Os espanhóis encontraram tantas riquezas na América e se deparam com tamanha grandiosidade nos impérios Asteca e Maia, que a ideia de um lago com fundo coberto de ouro em pó dos banhos desse rei fazia sentido e deve ter sido a mais encantadora das histórias do Peru. 

Histórias sobre o El Dorado já circulavam em todos os territórios espanhóis no Novo Mundo há alguns anos e muitos fidalgos tinham planos de encontrá-lo. Em 1529, Diego de Ordáz, militar que participou da conquista do México junto com Fernando Cortês e que realizou expedições exploratórias no Panamá e na Colômbia, solicitou o direito de explorar as terras míticas, que imaginava encontrar-se dentro dos atuais territórios da Colômbia e Venezuela. Sua expedição descobriu e explorou o rio Orenoco, mas não conseguiu encontrar o lendário El Dorado. Morreu em 1532 no naufrágio de sua nau quando a expedição iniciava o retorno para a Espanha. 

A expedição de Gonzalo Pizarro foi montada com tudo o que fosse necessário para conquistar o El Dorado: mais de duzentos espanhóis, quatro mil índios, milhares de cavalos e suprimentos para meses de viagem. Partiram de Lima em 1541 e, depois de alguns penosos meses de viagem, por entre pântanos, selvas e rios, a grande expedição se limitava a um punhado de homens famintos e desesperados. As doenças, a fome e a hostilidade das tribos indígenas da floresta (que não guardavam semelhança alguma com os civilizados Incas das montanhas e altiplanos dos Andes) destruíram o sonho espanhol. Orellana e Pizarro se desentendem.  

Francisco de Orellana e um pequeno grupo resolvem continuar seguindo os rios da região numa pequena flotilha de canoas, em direção ao Oceano Atlântico, que imaginavam não estar tão distante. Pizarro decidiu voltar para o Peru. Os dois grupos conseguiram atingir seus objetivos: Pizarro retornou a Quito com um grupo de cem homens esfarrapados e atormentados pela fome; Orellana atingiu o Oceano Atlântico depois de nove meses de penosa viagem correnteza abaixo; sua expedição estava reduzida a um grupo com vinte e seis homens. A grande expedição em busca do El Dorado durou dezenove meses, custou milhares de vidas e não encontrou nenhum ouro. 

Francisco de Orellana ainda conseguiu voltar para a Espanha e tudo fez para conseguir montar uma nova expedição para voltar a explorar o Rio Amazonas, cujo mérito ele e seu grupo tiveram de percorrer pela primeira vez desde próximo da nascente, nos Andes, até a foz no Oceano Atlântico; o alto custo, tanto material quanto em vidas humanas, enterrou momentaneamente o interesse espanhol pela região. 

Anos depois dessa trágica expedição, os espanhóis organizariam uma nova empreitada em busca das riquezas do El Dorado. Essa grandiosa expedição sairia de Lima em 1559, tendo no comando um nobre espanhol – Pedro de Ursúa, e passaria para a história como um sinônimo de traição, que em espanhol é chamada de maraña. Foi justamente essa traição a inspiração para o batismo de um dos principais afluentes do trecho inicial do rio Amazonas – o Marañón. 

Esse será o tema da nossa próxima postagem

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