A JOVEM HIDROVIA TIETÊ-PARANÁ

Eclusa de Barra Bonita

Para quem não nasceu ou não mora no Estado de São Paulo, o rio Tietê não passa de uma gigantesca vala de esgotos a céu aberto, repleta de efluentes tóxicos, rejeitos químicos e muito lixo. Nos dias de fortes chuvas, como têm acontecido com alguma frequência nas últimas semanas, o Tietê ganha espaço na mídia nacional, quando os telejornais mostram pontos de alagamentos em áreas próximas do rio. Em grande medida, esta péssima imagem do Tietê está correta – num trecho com aproximadamente 200 km, entre a grande São Paulo e a região de Itu, o rio Tietê ainda ostenta o título de “rio mais poluído do Brasil”. Até alguns anos atrás, este trecho poluído passava fácil dos 300 km, o que demonstra que os Governos estão fazendo a sua lição de casa e as fontes de poluição estão sendo gradativamente controladas. Nós paulistas e paulistanos, chatos e críticos que somos, gostaríamos que este problema já estivesse resolvido e imaginamos que as coisas correm muito devagar para o nosso gosto. 

Agora vamos ao que realmente interessa: muitos de vocês podem até não acreditar, mas o rio Tietê, entre a cidade de Barra Bonita e sua foz no rio Paraná, é um curso de águas limpas, muito piscoso, repletos de opções de passeios turísticos e, pasmem – dezenas de cidades do interior de São Paulo usam a água do rio para o seu abastecimento. A natureza realiza alguns milagres apesar de tudo que a humanidade faz contra ela – no caso dos rios, existem processos naturais de depuração que conseguem resolver até os estragos causados por uma intensa poluição nas águas. 

Esse rio Tietê caipira, “bom demais da conta“, além de oferecer suas águas para consumo, pesca e lazer, irrigação, paisagem natural e preservação de todas as formas de vida, também é utilizado como uma importante via natural para o transporte de cargas, onde em associação com outro importante rio brasileiro, o rio Paraná, forma a Hidrovia Tietê-Paraná, uma fundamental e bem estruturada alternativa de transporte do país. 

Contando com uma extensão total de 2.400 km de águas navegáveis, sendo 800 km no rio Tietê e num trecho do rio Piracicaba, e 1.600 km no rio Paraná, a Hidrovia Tietê-Paraná é o resultado de um projeto iniciado há cinquenta anos atrás, quando a primeira eclusa do rio Tietê foi construída em Bariri em 1968. Eclusas são dispositivos que permitem que as embarcações de passageiros ou de carga superem obstáculos físicos como as barragens de represas, trechos com corredeiras ou quedas de água, funcionando como um elevador que sobe e desce. A imagem que ilustra este post mostra a eclusa da barragem de Barra Bonita, no interior de São Paulo, em operação.

Uma embarcação que está subindo um rio onde existe a barragem de uma represa, por exemplo, vai entrar em uma espécie de câmara, onde uma grande porta será fechada. Essa câmara é enchida com água até que o nível se iguale com o nível da represa – uma segunda porta se abre e a embarcação segue a viagem. Para descer o rio, a embarcação passará pelo processo ao contrário – a câmara é enchida com a água até atingir o nível da represa; a porta superior é aberta para a entrada da embarcação – a câmara é esvaziada lentamente até que se atinja o nível do rio, quando a porta inferior é aberta e a embarcação segue viagem. Existem 6 eclusas no rio Tietê (nas barragens de Barra Bonita, Bariri, Ibitinga, Promissão e Nova Avanhandava) e 4 no rio Paraná (nas barragens de Três Irmãos, Jupiá e Porto Primavera). As barragens das Usinas Hidrelétricas de Ilha Solteira e de Itaipu não possuem eclusas e são hoje os maiores obstáculos para a expansão da Hidrovia Tietê-Paraná. 

Além das importantíssimas eclusas, a construção de canais artificiais também é fundamental para a operação segura de uma hidrovia. Estes canais têm como objetivos principais a correção da curvatura de determinados trechos de um rio e melhorar a organização do tráfego de embarcações, o que é fundamental para evitar colisões entre grandes comboios de barcaças de carga. No rio Tietê foram construídos canais artificiais em Bariri, Promissão, Pereira Barreto e em Igarassu do Tietê. Outro aspecto importante para a operação do sistema é a implantação de um eficiente sistema de sinalização, onde boias flutuantes e placas orientam os comandantes dos comboios nas operações de navegação. 

Os principais terminais geradores de cargas da Hidrovia Tietê-Paraná estão localizados em São Simão, no rio Paranaíba em Goiás; em Três Lagoas, no rio Paraná em Mato Grosso do Sul, e no Paraguai, ao longo das margens do rio Paraná. As cargas têm como destinos principais os terminais de Presidente Epitácio e de Panorama no rio Paraná, além de Anhembi, Pederneiras e Santa Maria da Serra nos rios Tietê e Piracicaba. Além de atender cidades importantes do interior do Estado de São Paulo, a Hidrovia também integra importantes regiões de Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e do Paraná, além de cidades no vizinho Paraguai. 

A operação de barcaças de carga na Hidrovia Tietê-Paraná foi iniciada em 1981, quando cana de açúcar começou a ser transportada para uma usina produtora de açúcar e álcool na cidade de Jaú. Atualmente, as principais cargas são grãos, farelos e óleos vegetais (soja, milho e trigo); cana de açúcar, álcool e açúcar; combustíveis e petroquímicos; calcários, fertilizantes, defensivos e outros insumos agrícolas; madeira e celulose, além de contêineres de produtos diversos. 

Em 2013, a Hidrovia Tietê-Paraná atingiu um pico no volume de cargas, quando foram transportadas 6,3 milhões de toneladas. Nos anos de 2014 e 2015, por causa da forte seca que se abateu sobre o Estado de São Paulo, o resevatório da Usina Hidrelétrica de Três Irmãos teve o seu nível de água reduzido a valores extremamente baixos, o que impossibilitou o transporte de cargas de longo curso.  O volume de cargas transportadas nestes dois anos caiu substancialmente: 4,65 e 4,57 milhões toneladas, respectivamente. Com a volta de chuvas regulares a partir de 2016, o nível do reservatório se recuperou e os volumes de cargas transportadas na Hidrovia voltaram a crescer. De acordo com informações do Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, órgão responsável pelas operações da Hidrovia Tietê-Paraná, existem atualmente 48 comboios de barcaças de carga em operação comercial no sistema. 

Apesar de já possuir uma boa infraestrutura instalada e operar um trecho relativamente longo de rios navegáveis, a Hidrovia Tietê-Paraná está muito aquém da sua real capacidade de movimentação de cargas, estimada em 20 milhões de toneladas por ano. Entre as propostas políticas e técnicas já apresentadas pelo Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo, destaca-se o objetivo de aumentar a participação do transporte hidroviário de cargas na matriz multimodal de transportes na região atendida pela Hidrovia. No Estado de São Paulo a meta é passar dos atuais 0,6% para 6% do movimento total de cargas transportadas em um período de 20 anos. Outra meta ambiciosa é avançar com a construção de eclusas e com a integração de novos trechos de rios navegáveis ao sistema – um dos objetivos prioritários é a integração das Hidrovias Tietê-Paraná e Paraná-Paraguai, o que expandiria as águas navegáveis até a Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, além de extensas áreas dos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. 

Como, raramente, o planejado acaba sendo executado aqui no nosso país, resta-nos torcer para que os planos saiam do papel desta vez. 

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