A NAVEGAÇÃO HIDROVIÁRIA NO BRASIL E NO MUNDO

Hidrovia Tietê-Paraná

Nas últimas postagens, falamos rapidamente do uso de sistemas hidroviários para o transporte de cargas em diferentes partes do mundo. Falamos do Canal do Midi, o primeiro grande sistema de navegação fluvial a ser construído na França ainda no século XVII. Na sequência, apresentamos os canais da Holanda e as hidrovias dos rios Reno e Danúbio, hidrovias que foram interligadas através do canal do rio Main, formando a maior e mais importante rota de transportes fluviais da Europa Central, com um percurso total de 3.500 km, ligando o Porto de Rotterdan na Holanda ao Mar Negro no Leste Europeu. Na América do Norte, citamos os exemplos da Seaway, a Hidrovia dos Grandes Lagos e do Rio São Lourenço, entre o Canadá e os Estados Unidos, e a lendário Hidrovia dos rios Mississipi-Missouri-Ohio. Por fim, falamos da Hidrovia Dourada no rio Yangtzé, na China. 

Em todo o continente europeu existem cerca de 26 mil km de hidrovias consolidadas, sendo que perto de 10 mil km desta extensão se deve a interligações e a canais construídos entre diferentes bacias hidrográficas. Um grande exemplo é o Canal do rio Main, na Alemanha. Idealizado durante o reinado do Imperador Carlos Magno no século IX, este canal só foi concluído em 1992. Com cerca de 450 km de extensão, o Canal do rio Main possui um total de 41 eclusas, o que lhe permite vencer um desnível de 300 metros e possibilitar que embarcações trafeguem livremente entre os rios Reno e Danúbio. 

A França, que possui um território do tamanho do Estado de Minas Gerais, é um exemplo quando se trata de transporte hidroviário: o país possui um total de 8.500 km de hidrovias, sendo que 1.800 km deste total são consideradas de grande gabarito. Os principais rios navegáveis da França são o Sena, Mosela, Ródano, Reno e Saone. Entre os canais artificiais são destaque o Grande Canal da Alsácia, o Canal de Dunquerque e o Canal do Midi, além de outros 130 canais espalhados por todo o país. Para que todos percebam a complexidade deste grande sistema de navegação fluvial, cuja construção foi iniciada no ano de 1666, são 1.782 eclusas, 559 barragens, 74 aquedutos e cerca de 35 túneis. O sistema movimenta mais de 2.200 peniches, as barcaças de carga padrão da França, onde são transportadas mais de 60 milhões de toneladas de cargasMerecem destaque também a Alemanha, com aproximadamente 7.400 km de hidrovias, a Holanda com 5 mil km e a Bélgica com mais de 1.550 km de hidrovias

Nos países que formavam a antiga URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ficou um legado de mais de 50 mil km de hidrovias, obras construídas com o esforço de inúmeras gerações de trabalhadores, mas também com o trabalho forçado de milhões de prisioneiros políticos do antigo sistema comunista. Os principais rios navegáveis são o Volga, Don, Kama, Neva, Dniper e Svir; existem mais de 10 mil km de canais artificiais interligando estes diferentes rios, que nos velhos tempos da URSS transportavam cerca de 550 milhões de toneladas de cargas

A cidade de Moscou, antiga capital do “Império” soviético e que fica a cerca de 1.000 km do oceano mais próximo, tem um movimentado porto, mais conhecido como o “porto dos cinco mares”. Graças a todo um conjunto de obras e canais, onde se inclui o Canal de Moscou com 130 km de extensão e 10 eclusas, a cidade está ligada aos Mares Báltico, Branco, Cáspio, Azov e Negro. Calcula-se que um total de 29 mil embarcações de carga utilizem atualmente o gigantesco sistema de hidrovias construídas pela antiga URSS. 

Na América do Norte destacam-se os Estados Unidos, país com uma malha com 40 mil km de hidrovias, através das quais circulam mais de 1,5 bilhão de toneladas de cargas. O mais importante sistema hidroviário do país é formado pelos rios Mississipi, Missouri e Ohio, sistema que movimentou 425 milhões de toneladas de cargas em 2017, um volume quase 4 vezes maior que o correspondente no Porto de Santos, o maior do Brasil, no mesmo período. 

Por fim, precisamos falar da China, o país com a economia mais dinâmica do mundo nas últimas décadas. As hidrovias chinesas foram responsáveis pela movimentação de 6,66 bilhões de toneladas em 2017, um volume equivalente a 14% de todo o tráfego de cargas do país. O grande destaque na China é a chamada Hidrovia Dourada, que tem como artéria principal o grande rio Yangtzé, o maior do país e de toda a Ásia. Além da China, outros países da Ásia como Vietnã, Índia, Tailândia, Indonésia, Malásia e Camboja são grandes utilizadores de sistemas hidroviários para o transporte de cargas – esses países transportam juntos o equivalente a 1 bilhão de toneladas de cargas em hidrovias a cada ano. 

O Brasil possui um potencial de 29 mil km de rios naturalmente adequados para a navegação de cargas e que não necessitam de nenhuma obra para serem explorados em larga escala. Se incluirmos na lista os rios que, com obras de alargamento e aprofundamento dos canais, construção de represas para a regularização dos fluxos de água e desníveis nos terrenos, de eclusas e outros dispositivos de acesso, além da construção de canais para a interligação de diferentes bacias hidrográficas, esse potencial de rios navegáveis poderá ser multiplicado inúmeras vezes. 

Desde o início da colonização de nosso país, os rios vêm sendo importantes vias naturais para o acesso a regiões interioranas distantes da costa. O lendário rio São Francisco, sobre o qual tratamos em uma série de postagens aqui no blog, foi um dos mais importantes, especialmente no chamado Ciclo do Ouro na região das Minas Geraes. Outro rio de importância ímpar foi o Tietê, rio paulista que possibilitou a exploração de toda a região Centro-Oeste do país nas expedições que ficaram conhecidas como Monções. 

Apesar de todo o potencial proporcionado pela extensa rede de rios e bacias hidrográficas no Brasil, o volume de cargas transportadas no modal corresponde a apenas 1,8% de todas as cargas movimentadas anualmente no país – aproximadamente 60% do volume total de cargas do Brasil é transportado por rodovias, um modal reconhecidamente ineficiente, caro e altamente poluente.

A hidrovia Tietê-Paraná (vide foto) tem aproximadamente 2.400 km de extensão, sendo 1.800 km de curso navegável no rio Paraná e cerca de 800 km no rio Tietê. São transportadas anualmente entre 5 e 8 milhões de toneladas de cargas pela hidrovia (esse volume varia conforme as condições de navegação dos rios), que é uma das com a melhor infraestrutura do país, especialmente soja e farelo de soja, óleos comestíveis, milho, cana, fertilizantes e calcário agrícola. Apesar de atender a algumas das regiões de maior desenvolvimento econômico do país, o volume de cargas transportadas pela Hidrovia Tietê-Paraná corresponde a pouco mais de 1% do volume de cargas transportados anualmente na hidrovia dos riso Missipi-Missouri-Ohio nos Estados Unidos; se a comparação incluir a Hidrovia Dourada da China, por onde circulam perto de 2 bilhões de toneladas de carga a cada ano, a tonelagem de cargas da equivalente brasileira equivale a meros 0,25%. Como dizem os mais jovens: estamos muito mal na fita.  

A partir da próxima postagem, vamos analisar a situação atual e os potenciais de algumas das principais hidrovias do Brasil: Tietê-Paraná, Madeira-Amazonas, Tocantins-Araguaia e Rio São Francisco. 

Nosso país precisa fazer muita, muita lição de casa para dar ao transporte fluvial de cargas a importância que ele merece.  

4 Comments

  1. […] A navegação hidroviária é, há muito tempo, um dos modais de transporte de cargas e de pessoas mais baratos e eficientes, sendo destaque na matriz de transporte de inúmeros países. Em todo o continente europeu existem cerca de 26 mil km de hidrovias consolidadas, sendo que perto de 10 mil km desta extensão se deve a interligações e a canais construídos entre diferentes bacias hidrográficas. A França, que possui um território do tamanho do Estado de Minas Gerais, é um exemplo quando se trata de transporte hidroviário: o país possui um total de 8.500 km de hidrovias, sendo que 1.800 km deste total são consideradas de grande gabarito. […]

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