FEBRE AMARELA: A 1ª E A 2ª “REVOLTA DA VACINA”

Rouxinol

Há exatamente um ano atrás, eu escrevi uma série de postagens falando de um surto de febre amarela que surgiu em alguns municípios do interior do Estado de Minas Gerais. Naquela ocasião, o Governo Estadual decretou situação de emergência em um total de 152 municípios das regionais de saúde de Coronel Fabriciano (Vale do Aço), Governador Valadares (Leste), Manhumirim (Zona da Mata) e Teófilo Otoni (Vale do Mucuri) onde havia uma alta incidência de casos de febre amarela. De acordo com dados da Secretaria de Saúde de Minas Gerais, haviam 133 casos suspeitos de contaminação com a doença e foram notificados 38 casos de mortes, sendo que em 10 casos foi confirmada a febre amarela como causa mortis.

Apesar de todos os discursos das autoridades “competentes” da área de saúde afirmarem na época que aqueles eram casos isolados e que não havia motivo para pânico, eu fiz questão de afirmar que uma das causas mais prováveis para o reaparecimento da febre amarela em áreas urbanas era um problema ambiental: a presença de macacos nas proximidades dos bairros periféricos das cidades. E as razões para este fenômeno não eram uma exclusividade daquela região de Minas Gerais: de um lado, cidades crescendo sem planejamento e avançando na direção dos fragmentos florestais remanescentes; do outro lado, atividades agrícolas, pecuárias e de mineração expulsando os animais de seus habitats naturais, levando-os algumas vezes a ocupar pequenas matas em lotes dentro das áreas urbanas. Completando o quadro, um grande número de mosquitos silvestres e o Aedes aegypti, que infesta as nossas cidades, não sabendo diferenciar seres humanos de macacos, espalharam o vírus causador da febre amarela.  

Passados apenas um ano, os casos de febre amarela romperam as fronteiras do Estado de Minas Gerais e agora se multiplicam, por enquanto, em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Como as condições ambientais se repetem em diversas cidades e regiões do país, as coisas podem ficar bem piores. A incompetência combinada de autoridades das áreas de saúde e de meios de comunicação sensacionalistas também deixou suas marcas: assistimos o caos nos postos de saúde de várias cidades, com grandes filas e pessoas revoltadas pela falta de vacinas contra a febre amarela. Assistimos uma verdadeira repetição da Revolta da Vacina de 1904 – a única diferença é que, desta vez, a população está brigando para tomar a vacina: em 1904, a confusão generalizada que tomou conta das ruas da cidade do Rio de Janeiro, eram de turbas lutando contra a vacinação obrigatória. Um rápido resumo para que todos conheçam a história:

Francisco Franco Pereira Passos (1836-1913), prefeito indicado da cidade do Rio de Janeiro entre 1902 e 1906, iniciou uma série de obras que tinham como objetivo a modernização da cidade. Inspirado nas reformas urbanas da cidade de Paris décadas antes, Pereira Passos desapropriou grandes áreas para a construção de largas avenidas e praças, iniciou a modernização da área do porto da cidade e também a construção do Teatro Municipal, do Museu Nacional de Belas Artes e da Biblioteca Nacional. Consta que muitos cortiços foram demolidos e que os moradores se refugiaram nos morros, dando origem a algumas das mais famosas favelas cariocas.

Uma das ações polemicas do período foi a importação de 200 pardais (Passer domesticus) de Portugal em 1903. Alguns cientistas haviam afirmado ao Prefeito Pereira Passos que essas aves eram vorazes comedoras de insetos e que, uma vez introduzidas na cidade do Rio de Janeiro, atuariam como um agente biológico natural para o controle da população de mosquitos, transmissores de uma infinidade de doenças que assolavam a cidade na época. As aves foram soltas no Campo de Santana, em cerimônia com pompa e muito protocolo. A ideia iluminada, como não poderia deixar de ser, não funcionou e os problemas com os mosquitos continuaram. Era preciso deixar a “magia” de lado e passar para ações práticas de saneamento básico.

Mesmo com este deslize dos pardais, uma parte importante do legado de Pereira Passos foram os trabalhos na área de saneamento básico e de higienização da cidade, cuja coordenação foi confiada ao médico sanitarista Oswaldo Cruz, empossado como diretor do Serviço de Saúde. Muitas das ações de Oswaldo Cruz não foram muito bem recebidas pela população carioca – os agentes de saúde entravam nas residências, muitas vezes a força, buscando focos de mosquitos e de ratos.

Na época, o Rio de Janeiro era a maior cidade brasileira, com uma população de mais de 800 mil habitantes, e era constantemente assolada por surtos de febre amarela, varíola, peste bubônica, malária, tifo e tuberculose. Oswaldo Cruz implementou um ambicioso plano de saneamento e de higienização ambiental, além de criar um verdadeiro exército de matadores de mosquitos. A violência explodiu quando a população se revoltou contra a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Os embates resultaram em, pelo menos, 30 mortos, 110 feridos e 945 prisões. O mosquito Aedes aegypti, que foi um dos alvos prioritários do plano de higienização de Oswaldo Cruz, chegou a ser considerado como erradicado; nas últimas décadas, porém, o mosquito voltou a recolonizar o Rio de Janeiro e grande parte do país, trazendo em sua esteira, mais uma vez, os riscos de transmissão de várias doenças.

Passaram-se mais de 100 anos e o Rio de Janeiro atual é apenas mais uma gigantesca cidade ao lado de dezenas de outras, especialmente na região Sudeste do país. O crescimento planejado das áreas urbanas com sistemas de abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgotos, controle de águas pluviais, coleta e destinação de resíduos sólidos, entre outros sistemas de infraestrutura urbana ainda são um sonho distante para a grande maioria das cidades. São estas infraestruturas as principais aliadas da população para o controle de epidemias.

A polêmica da vez é a vacinação em massa contra a febre amarela que os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro iniciaram no último dia 25 de janeiro. Órgãos de imprensa não param de questionar as autoridades dos Governos sobre a eficácia da aplicação de doses fracionadas da vacina, onde a proteção contra a doença é de aproximadamente 8 anos (validade ainda em estudos). A alegação das “autoridades” para o fracionamento é que não há doses de vacinas em número suficiente para atender toda a população.

Talvez, se as “autoridades” tivessem prestado um pouco mais de atenção ao quadro geral das condições ambientais das cidades, teria havido tempo suficiente para encomendar as vacinas em quantidade adequada para o uso da dose completa – um ano inteiro é tempo mais do que suficiente para isto.

Em último caso, a importação de rouxinóis poderá até ser uma alternativa – dizem que a bela ave do Velho Mundo (vide foto) é uma voraz comedora de insetos…

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