ILHÉUS: TERRA DE GABRIELA, DE JORGE E DO CACAU

Ilhéus

A “Princesinha do Sul” e a “Capital do Cacau” são alguns dos carinhosos apelidos que você poderá encontrar ao buscar informações sobre a cidade de Ilhéus, na Bahia. Fundada em 1536, a cidade é uma das mais antigas do Brasil, com um grande patrimônio histórico e cultural, além de possuir o litoral mais extenso da Bahia. Ilhéus, que já foi a maior produtora de cacau do mundo e terra de poderosos coronéis, até hoje tem em suas ruas registros vivos das muitas histórias dos áureos tempos do cacau. Muito dessa história está registrado nos livros de Jorge Amado, talvez o mais famoso escritor baiano, em livros como Gabriela, Cravo e Canela; Terras do Sem Fim e Capitães de Areia.

Infelizmente, muito dessa riqueza se perdeu: no final da década de 1980, toda a região produtora de cacau em Ilhéus e Itabuna foi varrida por uma doença vegetal conhecida como vassoura-de-bruxa-do-cacaueiro, causada pelo fungo Moniliophtora perniciosa, que ataca e destrói as plantas. No período entre 1991 e 2000, a participação do Brasil no mercado internacional do cacau caiu de 15% para apenas 4% – a economia da cidade de Ilhéus foi uma das mais prejudicadas com a crise que se seguiu.

A primeira e única vez que estive em Ilhéus foi no réveillon de 2008. Confesso que fiquei assustado e decepcionado com a imensa quantidade de “línguas negras”, as inconfundíveis trilhas que as águas contaminadas por esgotos deixam nas areias das praias – os despejos de esgotos do hotel em que fiquei hospedado, inclusive, corriam caprichosamente numa linha reta até atingir as águas do mar.

Numa das caminhadas que fiz seguindo as areias (entrar na água, nem pensar), fiz um registro fotográfico dos despejos de esgotos de diversos hotéis, todos em situação semelhante, lançando efluentes descaradamente na direção do mar. Numa das situações mais críticas que vi, os efluentes de um grande hotel seguiam por um trecho de uns 200 metros, num canal paralelo ao mar, formando uma espécie de piscina – dezenas de banhistas estavam dentro desta piscina “natural”, se refrescando.

A implicância com a situação da poluição das praias de Ilhéus não foi só minha: em 2012, o MPF – Ministério Público Federal, da Bahia ajuizou uma ação civil pública contra o município de Ilhéus e a EMBASA – Empresa Baiana de Águas e Saneamento, e também contra o INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, e IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Um verdadeiro “pacote completo” em defesa do meio ambiente, na busca de medidas conjuntas para a eliminação dos despejos de esgotos nas praias, na ampliação da rede coletora e das estações de tratamento de esgotos, além de melhorias na rede coletora de águas pluviais.

A ação do Ministério Público foi iniciada a partir de uma denúncia feita por um morador sobre o lançamento de esgotos na Praia do Cristo, no centro de Ilhéus. Durante as investigações, o Ministério Público apurou que o problema se repetia em outras praias da região central da cidade e na área do Pontal. Também não demorou muito para que o MPF comprovasse o lançamento irregular de esgotos na rede de águas pluviais, problema bastante comum nas cidades brasileiras. Um outro problema apurado pelo Ministério Público Federal foram os jorros de esgotos que são vistos nas praias em dias de chuva.

A origem do problema é bem conhecida pelas empresas de saneamento básico: redes de águas pluviais dos imóveis (saída de tubulações de calhas, por exemplo) são ligadas na rede coletora de esgotos, o que é proibido. Nos dias de chuva isso gera uma sobrecarga nas redes coletoras e nas estações de tratamento de esgotos, que são obrigadas a abrir completamente as suas saídas de efluentes, ou seja, deixam todos os efluentes que chegam saírem livremente.

Com relação a este último problema, é importante fazermos um rápido comentário: o tratamento dos esgotos nas estações é um processo natural, feito por grupos de bactérias aeróbias (que respiram ar) e anaeróbias (que obtém oxigênio a partir da putrefação da matéria orgânica). O trabalho conjunto destes grupos de bactérias transforma toda a carga poluente dos esgotos em matéria inerte, conhecida como lodo sanitário. Quando as estações de tratamento são abertas para escoar o excesso de águas pluviais e esgotos, a “enxurrada” que se forma arrasta junto as colônias de bactérias. Quando as estações de tratamento de esgotos voltam a funcionar, serão necessários vários dias até que as colônias de bactérias voltem a se formar e a atuar como decompositoras dos esgotos.

Pouco tempo depois desta ação, houve uma nova denúncia junto ao Ministério Público Federal, que numa perícia conjunta com a Polícia Federal constatou que os esgotos continuavam jorrando pelas praias de Ilhéus. Esta perícia concluiu que os sistemas de tratamento de esgotos da região central da cidade não estavam dimensionados corretamente para operar em capacidade máxima. Também foi comprovado que na região do litoral Sul não existiam quaisquer infraestruturas para o tratamento dos esgotos e que os efluentes eram lançados diretamente nos corpos d’água da região e acabavam sendo carreados até as águas do mar.

Numa segunda ação movida pelo Ministério Público Federal, foi feito o pedido para a interrupção imediata do lançamento de esgotos nas praias de Ilhéus pelo município e pela EMBASA; a EMBASA foi pedida a ampliação e modernização de toda a rede coletora e das estações de tratamento de esgotos, culminando com a ligação de todas as residências ao sistema, interrompendo assim o lançamento de esgotos nas redes de águas pluviais (lembrando que o serviço de manejo de águas pluviais é de responsabilidade da Prefeitura).

Finalmente, a ação pede maior rigor do INEMA e do IBAMA na fiscalização dos despejos irregulares de esgotos e contaminação das praias, lembrando que, de acordo com a Resolução n° 274/2000 do Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, “cabem aos órgãos de controle ambiental a divulgação das condições de balneabilidade das praias e dos balneários, além da fiscalização destes locais“.

Considerando a lentidão da Justiça e uma infinidade de recursos e medidas protelatórias, a questão da poluição das praias de Ilhéus avançou muito pouco. Hoje mesmo, antes de iniciar a redação desta postagem, eu entrei no site do INEMA para verificar as condições de balneabilidade das praias de Ilhéus – dos 5 trechos avaliados periodicamente pelo órgão, 2 estão em condições inapropriadas para o banho de mar.

Agora, o que me chamou muito a atenção no site do INEMA foram os avisos:

– O banho de mar deve ser evitado em dias de chuva;
– É desaconselhável, ainda que em dias de sol, o banho próximo à saída de esgotos, desembocaduras dos rios urbanos, córregos e canais de drenagem.

Isso me pareceu uma grande brincadeira...

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