AS TEMPESTADES QUE ASSOLAM MINAS GERAIS

Chuvas em Belo Horizonte

Depois de tantas postagens sobre os problemas criados pela forte estiagem em diversos Estados, começamos a receber notícias que falam das fortes tempestades que vem assolando várias regiões de Minas Gerais. Em um país de dimensões continentais como o nosso, encontramos algumas regiões onde não cai uma única gota de chuva há vários meses e, em outras, é o excesso de água das chuvas quem está causando aflição na população.

Na capital do Estado, Belo Horizonte, o volume de chuvas nestes primeiros dias do mês de dezembro equivale praticamente a previsão para todo o mês – na região Oeste da capital, choveu o equivalente a 292 mm nos primeiros 4 dias do mês, o que corresponde a 91% da previsão para o mês de dezembro; já na região Noroeste da cidade, o volume de chuvas registrado no mesmo período atingiu a marca de 80% do previsto para o mês. A média de chuvas histórica em Belo Horizonte para o mês de dezembro é de 319,4 mm. A forte intensidade das chuvas num período tão curto de tempo colocou a cidade inteira em estado de alerta – a Defesa Civil Municipal registrou, até o dia 5 de dezembro, um total de 319 ocorrências relativas a alagamentos, deslizamentos de encostas, erosão, desabamentos de muros e quedas de árvores.

A chegada das chuvas de Verão volta a expor um antigo problema das cidades brasileiras – a falta de uma infraestrutura adequada para dar vazão aos intensos volumes de chuvas: estou falando, é claro, da famosa Rede de Drenagem de Águas Pluviais, sistema que muita gente, inclusive autoridades dos Governos, costuma confundir com as Redes Coletoras de Esgotos. Na capital mineira existem, pelo menos, 700 km de rios e córregos que formam a rede de drenagem natural da cidade – essa rede é o resultado de todo um processo de erosão natural desenvolvido ao longo de milhões de anos e que deu à região onde encontramos a cidade de Belo Horizonte as suas feições de relevo. Durante muitos milhares de anos, essa região esteve coberta por matas e outros sistemas vegetais, que absorviam boa parte da água das chuvas e que também controlavam a velocidade que a água chegava até os corpos d’água – os rios e córregos da região acabaram sendo moldados para receber as águas das chuvas dentro destas condições. Quando construímos as nossa cidades, gradativamente passamos a cortar a vegetação nativa e em seu lugar construímos casas, prédios, ruas e avenidas pavimentadas, que alteram completamente a absorção de água pelo solo e também a velocidade das enxurradas; também canalizamos córregos e urbanizamos as margens dos rios para liberamos áreas para a construção de ruas e avenidas.

Completando o quadro da tragédia anunciada, transformamos os corpos d’água da cidade em pontos de descarte de lixo e entulhos – quando as chuvas de Verão chegam, falta espaço nos canais da rede de drenagem para o volume total das águas das chuvas – é exatamente este o problema que testemunhamos em Belo Horizonte nos últimos dias e que, com toda a certeza, vamos assistir nas grandes cidades brasileiras nos próximos meses: enchentes, desmoronamentos de casas, deslizamentos de morros, desabrigados e, infelizmente, muita gente morrendo afogada ou soterrada. No Estado de Minas Gerais, duas pessoas já morreram neste início de mês por causa das chuvas. De acordo informações da Defesa Civil Estadual, até o dia 5 de dezembro 80 pessoas estavam desalojadas, 12 desabrigadas; 4 casas foram destruídas e 181 foram danificadas pelas chuvas. As informações também citam danos em uma 1 hospital e em 4 escolas municipais.

As relações conflituosas entre as atividades humanas e as chuvas não se limitam apenas às áreas urbanas. Na agricultura, a remoção de grandes extensões de cobertura vegetal para a formação das culturas resulta em alterações nos volumes de absorção de água pelo solo e formação de grandes correntes de água: sem a proteção da vegetação que reduz a velocidade da correnteza, grandes volumes de solo agricultável são arrastados para os leitos dos rios, deixando um rastro de erosões e voçorocas pelo caminho. O assoreamento dos rios reduzirá cada vez mais a capacidade da sua calha em receber futuros excedentes de águas de chuva – a água avançará cada vez mais na direção das bordas das margens e produzirá cada vez maiores assoreamentos neste rio. Cria-se uma continuidade de problemas que crescem cada vez mais.

Nas cidades, é o crescimento desenfreado das construções em áreas cada vez mais problemáticas o que está interferindo cada vez mais na dinâmica das chuvas:

1. A ocupação cada vez maior de encostas de morros urbanos leva a remoção da cobertura vegetal e ao corte do solo para a construção de habitações. Os terrenos nestas regiões normalmente são mais baratos, o que tem empurrado as camadas mais pobres à sua ocupação (ou invasão). Períodos de chuva mais intensos saturam o solo com água, o que pode provocar sérios desmoronamentos, com alto risco para os moradores;

2. A impermeabilização do solo resultante da aplicação de imensas faixas de asfalto nas ruas, concretagem de calçadas e quintais, reduz drasticamente a absorção de água pelo solo e provoca a formação de fortes enxurradas, com enorme potencial de inundações;

3. Construções ocupam grandes extensões de solo e concentram nos seus telhados grandes volumes de água que descem velozmente por sistemas de calhas e se somam as volumosas enxurradas do solo;

4. Áreas de várzea, que originalmente absorviam os excedentes de águas nos períodos de chuva, foram aterradas para permitir o aumento da área disponível para as construções;

5. Margens de rios e córregos foram retificadas e urbanizadas, diminuindo a área de recepção das águas excedentes e, em muitos casos, diminuindo a velocidade da correnteza do curso d’água, e aumentando assim o tempo de drenagem das águas da chuva;

6. Restaram nas áreas urbanas poucas áreas verdes e remanescentes florestais com grande capacidade de absorção de água nos seus solos e pela vegetação.

As consequências dessa somatória de interferências humanas no meio ambiente urbano são enchentes cada vez maiores e mais frequentes nas cidades, deslizamentos de encostas de morros, prejuízos econômicos enormes e, tristemente, danos algumas vezes irreparáveis na saúde de populações inteiras, inclusive com situações de invalidez permanente ou morte dos mais desafortunados.

O que estamos assistindo nestes últimos dias em Belo Horizonte e em outras cidades do Estado de Minas Gerais é uma pequena demonstração do que vamos assistir ao longo deste novo período de chuvas que está apenas começando em parte do país. Muito melhor que sair culpando a natureza pela violência das chuvas, precisamos mesmo é refletir sobre nossas ações e as suas consequências no meio natural.

Lembrando mais uma vez do imortal dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht (1898-1956):

“Do rio que tudo arrasta se diz que é violento.
Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

E como comprimimos e oprimimos as margens de tantos rios neste nosso país..

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