EROSÃO E SEDIMENTAÇÃO NA FOZ DO RIO SÃO FRANCISCO

Foz do Rio São Francisco - Márcio Fernandes - Estadão

Tecnicamente falando, a foz do Rio São Francisco é considerada um delta – um conjunto de sedimentos formado pelos materiais trazidos pelas correntes do Rio ao longo do tempo. Os sedimentos carregados e acumulados constantemente pelas águas fluviais são erodidos pelas correntes marinhas, mantendo o ambiente em equilíbrio. Ambientes deltáticos são complexos e multifacetados, apresentando ambientes característicos: águas fluviais e marinhas; lagoas, pântanos e planícies inundáveis; praias, mangues e matas, entre outros. O equilíbrio entre as forças do mar e do rio está no centro da vida de um delta.

Na foz do São Francisco, com a redução dos caudais do Rio, esse equilíbrio foi comprometido e a erosão do delta tem crescido em ritmo acelerado, com as águas salinas avançando ferozmente terra adentro. A redução da vazão do Rio São Francisco, que estamos comentando há algumas postagens, tem ocasionado uma redução da força das águas do rio contra o mar, o que tem impedido o transporte e acúmulo de sedimentos na região do delta; sem a reposição dos sedimentos perdidos para a erosão marinha, a linha de costa é cada vez mais afetada pelas correntes marinhas, com as ondas impactando a costa com cada vez mais energia. Uma outra fonte de perda de sedimentos nos depósitos do delta se dá pela força dos ventos, que carrega fragmentos de areia, silte e argila, e os espalha continente a dentro – o avanço das dunas na região de Piaçabuçu é o resultado deste processo. As areias já encobrem uma área total de 50 km², com dunas com mais de 30 metros de altura, que continuam avançando cada vez mais, para deleite dos turistas e preocupação para os moradores locais.

Um exemplo didático do avanço do mar contra a linha da costa na região da foz do Rio São Francisco pode ser verificado in situ, no local onde já existiu um antigo povoado de nome Cabeço, que pertencia ao município de Brejo Grande no lado sergipano da foz. Até 1997, Cabeço tinha aproximadamente 200 moradores, a maioria pescadores, contando com perto de 50 casas, uma igreja e uma escola. Nesta época, havia um farol marítimo nas proximidades do povoado, instalado num ponto distante 2 km do oceano. Com as alterações nos sistemas de correntes marítimas, as ondas passaram a avançar contra a linha da costa onde ficava o povoado, destruindo sistematicamente todas as construções. Só restou o antigo farol (vide foto) que mesmo inclinado continua a resistir bravamente ante o avanço do mar. Este farol está agora 300 metros mar adentro.

Esse notável avanço do mar coincide com a redução sistemática dos volumes de água do Rio São Francisco após a construção das barragens de Sobradinho, Paulo Afonso IV e Moxotó. Aqui é importante deixar um registro de cautela porque, apesar de todas as evidências, não é possível afirmar cientificamente que a construção dessas barragens seja a única causa dos processos de erosão na região do delta do Rio São Francisco – existem outros pontos do litoral brasileiro que sofrem processos erosivos semelhantes sem que haja interferência de barragens. Mas, como diz um antigo ditado, onde há fumaça há fogo.

Com o represamento das águas do São Francisco, uma parte importante dos sedimentos, que antes eram carregados pelas águas do Rio na direção da foz, passou a ficar retida nas barragens. Isso somado à redução dos caudais, muito provavelmente, desencadeou a desestabilização e a erosão dos bancos de sedimentos na região do delta, tendo como consequência uma alteração na dinâmica das correntes e marés, facilitando o avanço das ondas contra a linha de costa e a erosão das praias, a intrusão da água marinha no canal do Rio, a redução dos recursos pesqueiros, entre outros problemas já comentados.

As populações tradicionais que habitam a região e que historicamente sempre dependeram das águas do Rio são as que mais sentem os problemas no seu dia a dia. Estudos indicam que a atual produção de pescados (peixes nobres e camarões) é de apenas 1/10 do que era antes da construção das grandes barragens. Pescadores mais antigos falam da antiga fartura da pesca, quando grandes dourados, surubins e piaus sobrecarregavam as redes de pesca, garantindo uma ótima renda para as comunidades ribeirinhas.

Enquanto as autoridades e os cientistas debatem os problemas ambientais que assolam a foz do São Francisco, mais de 25 mil ribeirinhos e moradores da região sofrem diariamente e diretamente com a redução do volume dos pescados, com o abastecimento de água com níveis de sal até dez vezes acima do máximo tolerável em água potável, com problemas de navegação e com o uso das águas para a agricultura, com o avanço do mar contra a costa, entre outros problemas.

A vida na foz ou, se preferirem, no delta do Rio São Francisco está cada vez mais inviável para muita gente. Uma vida, cada vez mais, sem perspectivas.

4 Comments

  1. […] Outro exemplo é o nosso rio São Francisco, que tem suas principais nascentes na Serra da Canastra (vide foto) e que segue através de uma longa depressão a Oeste da Cordilheira do Espinhaço rumo ao Norte, atravessando o Norte de Minas Gerais e todo o Estado da Bahia, para só depois virar rumo ao Leste e seguir na direção de sua foz na divisa dos Estados de Alagoas e Sergipe.  […]

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  2. […] Outro exemplo é o nosso rio São Francisco, que tem suas principais nascentes na Serra da Canastra e que segue através de uma longa depressão a Oeste da Cordilheira do Espinhaço rumo ao Norte, atravessando o Norte de Minas Gerais e todo o Estado da Bahia, para só depois virar rumo ao Leste e seguir na direção de sua foz na divisa dos Estados de Alagoas e Sergipe.   […]

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