SÃO FRANCISCO: O RIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL

Benjamim Guimarães

Nestes últimos posts, foi possível demonstrar a você a importância histórica do Rio São Francisco no povoamento e desenvolvimento econômico do interior do Brasil nos primeiros séculos da colonização. Somente em época posterior, já no século XVIII, é que os Rios Tietê, Paraná, Pardo e Paraguai, entre outros, já em terras do distante Mato Grosso, passarão a ter importância similar, servindo como uma espécie de “estrada” para o avanço das monções dos bandeirantes paulistas rumo aos sertões de Cuiabá, onde sertanistas descobriram ouro em 1718.

Inicialmente, o Rio São Francisco integrou as regiões interioranas dos Estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia com a faixa canavieira do litoral; com os avanços das boiadas rumo ao alto sertão, os caminhos criados a partir do vale do Rio São Francisco atingiram os Estados do Piauí e do Maranhão. Uma curiosidade deste período é a fundação da cidade de Teresina, que se tornaria capital do Piauí e única capital da Região Nordeste localizada fora do litoral do Estado – tribos indígenas das mais ferozes ocupavam toda a faixa litorânea do Piauí e sua integração com o restante da Colônia só seria possível através das estradas boiadeiras surgidas ao longo do vale do Rio São Francisco.

Com o início do chamado Ciclo do Ouro, os caminhos através das margens do Rio São Francisco levaram milhares de aventureiros na direção das Minas Geraes – esses caminhos garantiriam também o continuo suprimento de boiadas de todos os cantos dos sertões do Nordeste na direção das regiões mineradoras do Sudeste. Tropeiros paulistas complementavam essa rede de integração Colonial, fornecendo alimentos e suprimentos dos mais diversos, além de revender mulas criadas nos Estados da Região Sul. A integração e a comunicação inter-regional através de toda a bacia hidrográfica do Rio São Francisco, complementada posteriormente pelo comércio com a região Sul via Estado de São Paulo, lançou as bases para o início da consolidação do território brasileiro, que mais tarde se completaria com o avanço rumo as regiões Centro Oeste e Amazônica.

Caso não existisse o Rio São Francisco e todos os caminhos rumo aos sertões que foram criados a partir do seu vale, o Brasil poderia ter tido toda a sua colonização concentrada ao longo do litoral e consolidado as suas fronteiras no limite do Meridiano de Tordesillas, a linha que dividiu os territórios do Novo Mundo entre Portugal e a Espanha em 1494 – ou seja, o Brasil teria hoje uma área equivalente a 1/3 do seu atual território.

Se do ponto de vista histórico e geográfico o Rio São Francisco foi de importância ímpar na integração do território brasileiro no início de nossa colonização, do ponto de vista hidrológico as suas águas são fundamentais para o abastecimento das regiões com a menor disponibilidade hídrica de todo o Brasil: o semiárido e o alto sertão nordestinos. Com uma área total de drenagem com 638.576 km², a bacia hidrográfica do Rio São Francisco ocupa 8% do território nacional e atende uma população de aproximadamente 15 milhões de habitantes, incorporando áreas de cerrado, de caatinga e de Mata Atlântica nos estados de Goiás, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal; através do Projeto de Transposição já em andamento, serão incorporados no hall de Estados abastecidos com águas do Rio São Francisco a Paraíba, o Ceará e o Rio Grande do Norte, o que incluirá mais 12 milhões de habitantes na já extensa lista de usuários das águas do Velho Chico. Sua bacia hidrográfica concentra a maior quantidade e diversidade de peixes de água doce da região Nordeste. A vazão média anual do Rio São Francisco é de 2.846 metros cúbicos por segundo, variando entre 1.077 m³/s nos períodos de seca e 5.290 m³/s na estação das chuvas (dados da ANA – Agência Nacional de Águas).

A agricultura é uma das mais importantes atividades econômicas, com perspectiva de consumir até 70% das águas da bacia hidrográfica nos próximos anos, considerando-se aqui o avanço das obras de transposição já em andamento. Também merece destaque o aproveitamento do potencial hidrelétrico da bacia, com a geração de 10.473MW, nas usinas Três Marias, Queimado, Sobradinho, Itaparica, Complexo Paulo Afonso e Xingó. As represas de Três Marias e Sobradinho, os maiores reservatórios da bacia hidrográfica, têm papel fundamental na regularização das vazões do Rio São Francisco. Outras atividades econômicas da bacia hidrográfica que merecem destaque do ponto de vista econômico incluem a pecuária, a atividade mais antiga da região, a indústria, a mineração, o transporte de cargas e de pessoas ao longo dos trechos navegáveis e o turismo.

Apesar de toda essa importância, as águas não recebem o tratamento e o respeito que merecem – para citar um único exemplo, dos 456 municípios com sede na área da bacia hidrográfica do Rio São Francisco, somente 93 tratam seus esgotos. Matas ciliares e nascentes estão sendo destruídas, resíduos sólidos de todo o tipo entulham as calhas dos rios e projetos de irrigação captam grandes volumes de água, devolvendo excedentes contaminados por fertilizantes e pesticidas. Isso demonstra como são fortes os contrastes socioeconômicos entre as diversas regiões da bacia hidrográfica do Velho Chico e gigantescos são os desafios para a sua conservação.

Falaremos disto nos próximos posts.

17 Comments

  1. […] Como muitos outros rios da faixa Leste do Brasil, o rio Pardo foi um dos caminhos usados pelos primeiros exploradores para se atingir os sertões das Geraes. A primeira expedição documentada se deu entre os anos de 1553 e 1554 e foi comandada por Francisco Spinosa, um castelhano a serviço da Cora de Portugal. Partindo de Porto Seguro, a expedição explorou rios das bacias hidrográficas do Pardo, do Jequitinhonha e do São Francisco.  […]

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