A DESCOBERTA DO OURO NA REGIÃO DAS MINAS GERAES

Lavragem do Ouro

A palavra sertão é uma abreviatura de desertão, sensação que os primeiros aventureiros “brancos” experimentaram ao percorrer imensas distâncias pelo interior do vasto território brasileiro – imensas faixas de terras vazias, salpicadas por aldeias indígenas separadas por muitas e muitas léguas. A palavra sertão, com tempo, passou a representar as áreas interioranas do país – neste contexto, o sertão ou interior nordestino, já a partir do século XVII, estava cheio de gentes de todos os tipos.

Enquanto a indústria açucareira do Nordeste prosperava a olhos vistos, nas Capitanias mais ao Sul as coisas não iam tão bem – a partir do Sul da Bahia, ferozes tribos indígenas aimorés e tupinambás, antropófagas, atacavam e destruíam quaisquer engenhos e fazendas que teimassem se instalar em seus domínios, como aconteceu com a Capitânia de Porto Seguro, destruída por ataques de índios ao longo da década de 1580. Em terras fluminenses, aventureiros franceses, curiosamente amigos das tribos tupinambás, atacaram a pequena cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e fundaram a França Antártica.

Na Capitania de São Vicente, eram os ataques de piratas ingleses e holandeses que impediam o avanço dos engenhos de açúcar – expulsos do litoral, os chamados paulistas subiram a Serra do Mar e buscaram refúgio nos campos de Piratininga, região onde fica atualmente a Região Metropolitana de São Paulo. O relevo, o clima e a hidrologia dos campos se mostraram extremamente adequados ao cultivo de todo o gênero de produtos alimentícios – inclusive do precioso trigo; os paulistas desistiram do açúcar e se especializaram na produção e venda de alimentos para as demais Capitanias. Para tocar os serviços nas lavouras, os paulistas recorriam à caça e captura de indígenas nos sertões, especialmente nas áreas castelhanas, onde podiam capturar indígenas “já civilizados” pelos padres jesuítas espanhóis. Essas expedições eram chamadas de entradas e bandeiras – os expedicionários passaram a ser conhecidos como bandeirantes. Além da caça à indígenas, os bandeirantes realizavam expedições para prospecção de ouro e pedras preciosas. Em 1693, um grupo desses bandeirantes encontrou ouro em grande quantidade na Serra do Sabarabuçu, na região das Geraes – a notícia da descoberta do ouro mudou os rumos e destinos do Brasil.

A verdadeira febre do ouro que varreu a Colônia após a divulgação das primeiras notícias dos achados auríferos nas Geraes provocou uma corrida sem precedentes para os sertões de Minas Gerais, onde não havia a menor infraestrutura ou canais regulares para o suprimento de mercadorias e víveres. Calcula-se que 70% da escassa população brasileira, estimada em 500 mil habitantes no início do século XVII, abandonou a cultura da cana de açúcar no litoral, especialmente na região Nordeste, e seguiu rumo aos sertões das Geraes para se aventurar como garimpeiros. O vale do Rio São Francisco, já densamente povoado e ocupado pelas fazendas de gado, foi o caminho seguido pela maior parte dessa corrente migratória, que se espalhou ao longo dos rios de toda a sua bacia hidrográfica e regiões lindeiras nas Geraes – na busca alucinada pelo valioso ouro, pode-se dizer que, cada pedra das margens dos rios foi revirada e cada barranco escavado, começando-se assim um intenso e contínuo processo de devastação ambiental que hoje ameaça a sobrevivência do Velho Chico. Nas palavras de Afonso d’Escragnolle Taunay:

“Intensa foi em todo o Brasil a crise determinada pela formidável perturbação aurífera, sob os pontos de vista social, econômico, sobretudo psicológico.”

A exploração do ouro também marcará o início da decadência da indústria açucareira, que entrou em queda livre em meados do século XVIII, tanto pela fuga de capitais e homens, que correram na direção dos sertões do Brasil na busca do ouro, quanto pela concorrência dos engenhos de açúcar holandeses e ingleses na região do Caribe. O golpe final nesta indústria virá com a transferência da capital da Colônia da cidade de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763 – os caminhos para a produção e o escoamento do ouro eram mais fáceis a partir das terras fluminenses. O coração da Colônia foi transferido para a região das Minas Geraes e o Rio São Francisco e toda a sua rede de afluentes se tornariam, verdadeiramente, as veias dos sertões do Brasil.

A vida dos sertanejos nordestinos e de suas imensas boiadas acompanhou as mudanças da economia colonial: com a decadências dos canaviais e cidades no litoral, cada vez mais as boiadas percorriam rumo ao Sul, acompanhando o vale do Rio São Francisco na direção dos sítios mineradores e cidades que se formaram na região, se transformando em fornecedores de carne para o abastecimento das populações e de muares para o reforço nos trabalhos das minas e transporte do ouro rumo ao litoral. Pelo Sul eram as tropas de mulas vindas de São Paulo, carregadas com todo o tipo de suprimentos que chegavam aos mais distantes rincões das Geraes, onde tudo era vendido a preços exorbitantes, inclusive as mulas. A partir desse período, o Rio São Francisco e muitos dos seus maiores afluentes se transformaram num imenso sistema hidroviário, interligando centenas de cidades e populações de uma vasta região entre os Estados de Minas Gerais e Pernambuco.

O ciclo do ouro perdurou até o final do século XVIII, quando os veios auríferos se esgotaram. Com cidades bem consolidadas – Minas Gerais é o Estado brasileiro com mais cidades: 853, e com uma grande população, a economia de Minas Gerais pouco a pouco se voltou para a agricultura e a pecuária, passando também a fornecer produtos de ferro e aço para as demais regiões brasileiras. O Rio São Francisco se consolidou como um importante meio de integração regional.

Falaremos disto no nosso próximo post.

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