AINDA FALANDO DA CANALIZAÇÃO DE RIOS E CÓRREGOS

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A Rua 25 de Março é o maior centro popular de compras da cidade de São Paulo e, possivelmente, do Brasil. Diariamente, meio milhão de pessoas vindas de todos os lugares do Brasil, de países vizinhos da América do Sul e até da África, se acotovelam nas calçadas da Rua, buscando todo o tipo de pechincha. Nas vésperas de feriados como o Dia das Mães, Dias das Crianças e Natal, o número de visitantes chega a dobrar. É um verdadeiro formigueiro humano. É difícil de imaginar que há pouco mais de 100 cem anos, o local onde encontramos a Rua 25 de Março era um trecho do sinuoso Rio Tamanduateí – havia um grande porto fluvial no local, onde as mercadorias chegavam em barcas para serem vendidas ali perto no conhecido Mercado Caipira: a Ladeira Porto Geral, travessa da Rua 25 de Março é uma lembrança do acesso ao antigo porto fluvial (sinta um pouco do clima bucólico da Ladeira Porto Geral nesta pintura de 1893 que ilustra o post).

Assim como centenas e mais centenas de córregos e riachos que desapareceram canalizados, cedendo seu espaço para a abertura de ruas e avenidas por toda a cidade e ”criando” terrenos secos para a especulação imobiliária, os grandes rios da cidade – destaque para o Tietê, o Tamanduateí e o Pinheiros, cederam suas várzeas para que a cidade tivesse espaço para sua expansão; os antigos leitos sinuosos destes rios foram retificados, liberando centenas de quilômetros quadrados de terrenos para urbanização. O fascinante documentário Entre Rios lhe dará uma ótima visão de como esse processo se consolidou.

De acordo com informações do Professor Alexandre Deliajaicov, arquiteto e urbanista da FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, somente na gestão do Prefeito Prestes Maia (1938-1945), foram canalizados 4.000 km lineares de córregos, riachos e ribeirões por toda a cidade, criando espaços para a implantação do seu famoso plano viário. Entre as justificativas, usadas desde o final do século XIX, citavam questões sanitárias, controle das enchentes e problemas ligados ao lixo e resíduos que a população despejava nos corpos d’água. Também se procurava esconder as águas já contaminadas pelos esgotos da cidade, que eram despejados descaradamente nos rios, riachos e córregos desde muito tempo atrás.

Felizmente, essa “concepção” urbanística e sanitarista está em grande parte ultrapassada e, apesar de muitas prefeituras insistirem na prática, muita gente séria fala em outras soluções para os cursos d’água como o uso de canais verdes (tratarei disto no próximo post) e também da “descanalização” – a cidade de Seul, na Coréia do Sul, tem reaberto e recuperado muitos cursos d’água que passaram décadas encobertos por asfalto e concreto.

Canalizar cursos d’água cria uma série de problemas para o meio ambiente. Listo alguns:

Um curso d’água é um ecossistema complexo, onde além da água existem margens com mata ciliar, plantas aquáticas, peixes, anfíbios, insetos, pássaros, mamíferos, répteis, bactérias, fungos entre outros seres vivos: a canalização simplesmente inviabiliza o ecossistema;

Esse ecossistema interage com a sua vizinhança, provocando mudanças no micro clima com alteração na temperatura e umidade;

Os cursos sinuosos e cheios de obstáculos reduzem a velocidade das águas das chuvas, ajudando a reter nutrientes do solo e também controlando o volume e a velocidade das águas que chegam aos rios principais; a canalização de cursos d’água insere as paredes lisas das tubulações no sistema – sem resistência, a velocidade do fluxo líquido aumenta consideravelmente, criando problemas para as comunidades biológicas dos rios receptores;

As margens com vegetação possibilitam que parte da água dos períodos de cheia infiltre no solo, recarregando o lençol freático e reduzindo o volume na calha;

As áreas verdes ao largo dos cursos d’água proporciona espaços públicos para o lazer e a contemplação da população, contribuindo para uma melhora na qualidade de vida.

Esse interessantíssimo assunto vai render muitos outros posts. Até mais!

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