RIO PARAÍBA DO SUL: AS ÁGUAS DA DISCÓRDIA

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Fruto da junção dos rios Paraibuna e Paraitinga, cujas nascentes brotam nas encostas da Serra da Bocaina, o rio Paraíba do Sul poderia ser mais um entre tantos rios pequenos e de pouca importância caso a natureza o tivesse direcionado rumo ao Oceano Atlântico, a poucas dezenas de quilômetros de sua nascente. A mãe natureza, caprichosa, soergueu os terrenos da Serra do Mar e fez o Paraíba do Sul dar uma guinada rumo ao nordeste, seguindo ao longo do extremo leste do território paulista e banhando trechos de Minas Gerais e grande parte do estado do Rio de Janeiro, onde é o curso de água mais importante. Quis também a história assistir ao nascimento de dezenas de cidades ao longo de sua bacia hidrográfica e ver surgir uma imensidão de criaturas dependentes das suas águas. As águas de outrora, límpidas e turbulentas de dezenas de tributários das muitas serras, se transformam cada vez mais nas águas da discórdia dos três mais importantes e populosos estados do sudeste brasileiro: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

Apesar de, legalmente, ser classificado como um rio de águas federais e sujeito a administração de autoridades do Governo Federal, as águas do rio Paraíba do Sul há muito tempo são disputadas pelos consumidores dos grandes estados da região sudeste, especialmente os de São Paulo e do Rio de Janeiro – cidades, indústrias e produtores rurais disputam há muito os seus recursos; entre usos e descasos, o rio cumpriu seu papel com louvor ao longo de centenas de anos. Em tempos recentes, com a crise hídrica que se abateu sobre a região sudeste do Brasil a partir de 2014, a disputa tornou-se mais acirrada e as águas do Rio Paraíba do Sul parecem não ser mais suficientes para atender a demanda. Em lados opostos da disputa estão, simplesmente, as duas maiores regiões metropolitanas do Brasil: São Paulo e Rio de Janeiro.

A Região Metropolitana de São Paulo só consegue produzir 50% da água necessária ao consumo de sua enorme população de 16 milhões de habitantes. Desde a década de 1970 a Região depende da “importação de água” de outras bacias hidrográficas, especialmente daquela formadora do Sistema Cantareira, a Capivai-Jundiaí-Camanducaia. Durante quase quatro décadas, o Sistema Cantareira conseguiu atender a demanda crescente de água dos paulistanos – porém, uma combinação de má gestão dos recursos hídricos e uma seca extrema, comprometeu os estoques de águas do Cantareira e pôs em risco o abastecimento da Região Metropolitana de São Paulo. Além de impor um duro racionamento velado aos consumidores da Região, o Governo de São Paulo passou a cobiçar as águas do Rio Paraíba, mais especificamente as águas da Represa de Paraibuna, como uma alternativa futura de abastecimento. O Governo paulista sugeriu a transposição de parte dessas águas para socorrer emergencialmente o Sistema Cantareira.

No estado do Rio de Janeiro, o rio Paraíba do Sul é o mais importante manancial de abastecimento de dezenas de pequenas e médias cidades – e não só isso: 40% da vazão das suas águas é desviada pelo rio Guandú em direção à Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde 12 milhões de habitantes são abastecidas todos os dias. Diferentemente de São Paulo, onde grandes reservatórios armazenam a água utilizada no abastecimento da sua população, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro depende em demasiado das águas correntes que vem do Rio Paraíba do Sul e não pode se dar ao luxo de “perder” parte do seu volume corrente para a Região Metropolitana de São Paulo. No estado de Minas Gerais, onde diversas cidades tem a fachada voltada para o rio Paraíba do Sul e dependem das suas águas, a população assiste preocupada a disputa desses dois gigantes – reduções na vazão do “seu” trecho do rio pode prejudicar a captação e comprometer ainda mais a qualidade da águas de todos os dias.

No final de 2015, num acordo costurado pelo STF – Superior Tribunal Federal, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais acertaram com o Governo Federal e com a ANA – Agência Nacional de Águas, as regras para a gestão compartilhada das águas do Rio Paraíba do Sul, estabelecendo vazões mínimas para os reservatórios e mudando a prioridade do uso das águas do rio para o abastecimento e não mais para a geração de energia elétrica. Entre mortos de sede e feridos, salvaram-se, pelo menos por enquanto, todos os estados.

A solução encontrada, a meu ver, é a mais correta e distribui entre todas as partes os benefícios de uso das águas do rio assim como estabelece responsabilidades de todas as partes envolvidas na conservação e preservação das margens, reflorestamento de matas ciliares, interrupção do assoreamento e entulhamento da calha do rio e, o mais importante, a coleta e o tratamento dos milhões de litros de esgotos que todos os dias são lançados ao longo de toda a bacia hidrográfica. Tomadas essas providências, as águas do Rio Paraíba do Sul voltarão a ter a quantidade e qualidade que os habitantes dos três estados tanto precisam.

“Um rio é algo mais que um acidente geográfico, uma linha no mapa, uma parte do terreno imutável. Ele não pode ser retratado adequadamente em termos de topografia e geologia. Um rio é um ser vivo, um ser dotado de energia, de movimento, de transformações.”

Earle Bernard Phelps in Poluição

Que paulistas, mineiros e fluminenses digam Amém!

Fontes de Consulta:

Materiais Didáticos da UNICSUL – Universidade Cruzeiro do Sul

Poluição – Samuel Murgel Branco – Ao Livro Técnico – 1972 – Rio de Janeiro

Pesquisa na Internet em 28/05/2016

15 Comments

  1. […] de muitas populações há várias décadas e já teve inúmeros embates em Tribunais de Justiça, só sendo apaziguada em 2015 por uma decisão do STF – Superior Tribunal Federal. A Justiça repactuou a divisão das águas da bacia hidrográfica entre os Estados reclamantes e […]

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